Opinião

A validade jurídica da 'cláusula de raio' na locação em shopping centers

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28 de julho de 2021, 6h05

As relações estabelecidas entre os shopping centers (locadores) e os lojistas (locatários) são regidas, basicamente, por três documentos, sendo esses o contrato de locação, a escritura declaratória de normas complementares ao contrato de locação e o estatuto da associação dos lojistas.

Frequentemente, os lojistas se deparam com a chamada "cláusula de raio" constante no contrato de locação ou na escritura declaratória de normas complementares ao contrato de locação. A validade da cláusula de raio, com recorrência, é discutida no Poder Judiciário. Essa discussão ganhou novamente repercussão neste ano, desde o julgamento do tema pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1).

A cláusula de raio, também chamada de cláusula de exclusividade territorial, tem como objetivo principal impedir que os lojistas, que pretendam fixar seus espaços comerciais em shopping centers, se instalem em outro estabelecimento que explore o mesmo ramo de comércio, a uma certa distância daquele shopping center, geralmente em um raio de dois a cinco quilômetros.

A cláusula de raio, no entanto, é tida como abusiva por muitos lojistas que questionam sua validade.

A discussão em torno da cláusula de raio é travada sob duas óticas. A primeira, a ótica da validade e eficácia das cláusulas contratuais, levando em consideração os princípios da liberdade contratual, da autonomia da vontade e do pacta sunt servanda, que justificam, portanto, a sua validade. A segunda, sob a ótica de eventual limite ao exercício empresarial pelos lojistas, diante dos princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e das normas infraconstitucionais que reprimem o abuso de poder econômico, justificando, portanto, a sua invalidade.

Sob a ótica contratual, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar a validade da cláusula de raio constante na escritura declaratório de normas complementares ao contrato de locação de um shopping center de Porto Alegre, entendeu que "a cláusula de raio inserta em contratos de locação de espaço em shopping center ou normas gerais do empreendimento não é abusiva, pois o shopping center constitui uma estrutura comercial híbrida e peculiar e as diversas cláusulas extravagantes insertas nos ajustes locatícios servem para justificar e garantir o fim econômico do empreendimento". O STJ entendeu ainda que "o controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos de cunho empresarial é restrito, face a concretude do princípio da autonomia privada e, ainda, em decorrência da prevalência da livre iniciativa, do pacta sunt servanda, da função social da empresa e da livre concorrência do mercado" [1].

Sob a ótica concorrencial, no início deste ano o TRF-1 manteve condenação imposta pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) ao um shopping de São Paulo, que decidiu que este não poderia impedir os lojistas de abrirem filiais em shopping centers concorrentes, mesmo que o contrato de locação vedasse tal ação expressamente, bem como o proibiu de exigir a cláusula de raio em seus contratos com os lojistas [2].

Para o Cade [3], a cláusula de raio, naquele caso, lesou os lojistas de shopping centers concorrentes, além dos interesses dos consumidores, que acabaram sendo privados de escolher o local mais conveniente para a realização de compras.

Certamente a recente decisão do TRF-1 corrobora com a construção jurisprudencial acerca do tema sob a ótica concorrencial e faz com que o lojista passe a ter amparo jurídico apto para questionar a validade da cláusula de raio.

Inclusive, diante da relevância dessa discussão, está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.513/2016, que pretende alterar a Lei nº 8.245/1991 (Lei do Inquilinato) e normatizar a cláusula de raio, devendo ser observadas algumas regras, cumulativamente: 1) no tocante ao objeto, deverá restringir-se a instalação de marca idêntica no mesmo shopping center; 2) no tocante à vigência, duração de, no máximo, cinco anos; e 3) no tocante à extensão, estipulação de um raio de no máximo três quilômetros.

Diante da inexistência de entendimento pacificado sobre o tema, a discussão acerca da validade da cláusula de raio deve obrigatoriamente passar pela apreciação das circunstâncias fáticas de cada caso concreto, sua abrangência para aquele caso e a racionalidade nos parâmetros de tempo, espaço e objeto estabelecidos nos documentos firmados.

Inclusive, como se pode verificar nos julgamentos da 4ª Turma do STJ, do TRF-1 e no processo administrativo no Cade anteriormente citados, há a menção de que a cláusula deve ser analisada conforme as particularidades de cada caso, não podendo a cláusula de raio ser reputada como abusiva de uma forma genérica.

Desse modo, é importante que, antes da celebração do contrato de locação, os contratantes negociem a cláusula de raio de acordo com as características específicas daquela relação jurídica, levando em consideração as circunstâncias econômico-financeiras e territoriais aplicáveis.


[1] Superior Tribunal de Justiça, Quarta Turma, REsp 1535727/RS, relator: Ministro Marco Buzzi, data de julgamento: 10/5/2016.

[2] Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Processo nº 0010504-07.2008.4.01.3400, data de julgamento: 28/1/2021.

[3] Processo Administrativo nº 08012.006636/1997-43

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