Opinião

As críticas de um morador de rua sobre a corrupção no Brasil e o STF

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28 de julho de 2021, 13h38

Ao despedir-se do país, o embaixador americano Tedd Chapman declarou que o câncer do Brasil é a corrupção.

Spacca
Um morador de rua das proximidades da Igreja Nossa Senhora do Brasil, em São Paulo, alguns dias atrás, criticou-me duramente, quando eu saía do templo, por elogiar os ministros do Supremo Tribunal Federal.

Respondi-lhe, com delicadeza e um sorriso, que também os criticava em algumas decisões pela interpretação que davam à Constituição, ao que retrucou: "Sei disso, mas a verdade é que são todos favoráveis à corrupção".

O cidadão chama-se Santos e o tenho visto algumas vezes na missa, sendo bem articulado, embora de gestos severos, quase bruscos, quando fala, apesar de respeitoso.

Mantivemos um breve diálogo em que demonstrou um inconformismo não só com o STF, mas com os políticos em geral, que tripudiaram sobre o povo, enriquecendo-se, no poder, com a corrupção.

O diálogo com Santos levou-me a mais uma vez pensar em como não é fácil explicar ao povo, à luz de interpretações elásticas da Suprema Corte, por que o assalto ao dinheiro público não é punido, sendo que os personagens envolvidos continuam sendo prestigiados pela imprensa e por toda a burocracia brasiliense como heróis nacionais.

É uma verdade inquestionável que o "mensalão" e o "petrolão" existiram. Dinheiro — e não pouco  foi devolvido por muitos que se beneficiaram da corrupção, mas os personagens envolvidos gozam de prestígio, habilitados, por proteção judicial, a concorrer a eleições e a comandar investigações no Legislativo. Como explicar ao povo que tal realidade não só é legal, como legítima?

Os estados foram autorizados, em abril do ano passado, pelo STF, contra o disposto no artigo 21, inciso XVIII, da Lei Suprema, que dá competência exclusiva à União de planejar e promover o combate a calamidades públicas, a combater a Covid-19 como quisessem. Receberam recursos vultosos da União. Abriu-se uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para conhecer se houve ou não corrupção ou desídia no combate à pandemia. A Suprema Corte, entretanto, não permitiu que os governadores que receberam recursos da União e foram autorizados a combater como desejassem a moléstia participassem da CPI, tornando-a, no máximo, uma comissão da meia verdade. Sem fazer um juízo de valor sobre o espirito cívico de magistrados e senadores, é compreensível que o povo possa entender que a Suprema Corte e o Congresso estão mais interessados em derrubar o governo do que apurar a verdade, na medida em que não se interessam em saber como o dinheiro enviado pela União foi empregado em cada unidade da federação, quando já houve inclusive governadores envolvidos em escândalos e possíveis irregularidades.

O país vive momentos de recuperação econômica, mas o mundo, sem exceção, está para repensar o desenvolvimento econômico, com uma inflação global e, no Brasil, acima do teto da meta programada, o que afeta particularmente o segmento social mais desprovido de recursos. Como explicar a aprovação de um fundo eleitoral de quase R$ 6 bilhões para alavancar carreiras políticas, que é, segundo a mídia, o maior fundo eleitoral dos 193 países com assento na Organização das Nações Unidas (ONU)?

A Argentina tem urnas eletrônicas para eleições de terceira geração. Dos 193 países que votam na ONU, apenas Brasil, Bangladesh e Butão, segundo a CCJ da Câmara dos Deputados, usam as urnas eletrônicas de primeira geração, em que o eleitor apenas vê na tela o nome que escolheu e o confirma. Propõe-se a adoção de urnas eletrônicas de segunda geração, em que o eleitor terá o comprovante do voto, e não apenas a visualização na tela. Embora inferior à urna argentina, mais avançada tecnologicamente, é superior às nossas urnas atuais, rejeitadas por quase todos os países do mundo. Desinforma-se, todavia, o povo declarando que seria um retrocesso sua adoção, pois seria a volta ao voto impresso!!! A quem interessa a não explicação de que a urna eletrônica auditável é um avanço, e não um retrocesso?

A crítica que recebi de um morador de rua, pelo meu hábito de defender ideias, sem atacar pessoas, pois numa democracia o diálogo é que gera o consenso possível, fez-me, todavia, pensar em por que um país com o potencial do Brasil não cresce na velocidade que merece, embora o faça em alguns setores, como o da agropecuária, como exemplo. É que o bem comum da população é menos relevante que o bem pessoal e os privilégios dos detentores do poder.

Como velho professor de Direito Constitucional, todavia, tenho a absoluta convicção de que a democracia brasileira é bem mais forte do que pensam os arautos do caos e não corre nenhum risco de ser maculada, nada obstante os cidadãos que povoam os três poderes da República.

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