Opinião

Contencioso de dados pessoais adentra setor tributário

Autores

  • Luiza Leite

    é advogada com experiência em Direito Digital com foco em proteção de dados e privacidade CEO na Dados Legais professora nos cursos de MBA e LLM da FGV e pesquisadora em regulação de novas tecnologias na UFRJ.

  • Guilherme Chambarelli

    é sócio do Chambarelli Advogados e da TaxLab University e professor na FGV Direito Rio.

28 de julho de 2021, 15h04

Em julgamento recente, a Justiça federal de Campo Grande reconheceu o direito de uma varejista a aproveitar créditos de insumos de PIS/Cofins não cumulativo com os investimentos no tratamento de dados pessoais.

A discussão gira em torno dos gastos despendidos pelas empresas para estarem em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Pois a aludida legislação, além de determinar os conceitos de dados pessoais e tratamento de dados, estabeleceu uma série de requisitos para empresas que tratem esse tipo de informação pessoal — armazenando, compartilhando e até mesmo manipulando-as. 

Ocorre que o processo de compliance, além de ser um diferencial competitivo na indústria, estabelece um efeito cascata em que empresas non compliant serão marginalizadas. Dado que empresas que não cumpram os requisitos da imposição legal expõem a coletividade a riscos, como os de vazamento de dados pessoais e tratamento indevido desses, entre outros incidentes de segurança da informação.

Contudo, o processo de adequação não é algo trivial e envolve altos custos. No Brasil, estes podem alcançar uma média de R$ 700 mil ao ano, em empresas de médio porte, considerando-se o salário do DPO (figura encarregada pelo tratamento de dados na empresa), a assinatura de softwares e o time de privacidade. Nas empresas de menor porte, o investimento anual pode atingir cerca de R$ 300 mil, considerando o salário de um DPO ou a contratação de uma empresa terceirizada que cumprirá as obrigações estabelecidas na lei.

Assim, considerando que esses gastos são, na verdade, uma imposição do legislador, sem os quais as empresas podem sofrer sanções administrativas, estes entram nos critérios de insumos para fins de creditamento do PIS e da Cofins, na sistemática de apuração não cumulativa dessas contribuições.

Isso porque o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.221.170, definiu que o conceito de insumo de PIS/Cofins deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item — bem ou serviço — para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

Como vimos, a LGPD estabeleceu uma série de regras que devem ser cumpridas pelas empresas, que por sua vez exigem um investimento considerável em ferramentas de gestão, PenTests, softwares de monitoramento de riscos, DPO terceirizado, consultorias jurídicas, certificações, entre outras.

Em casos análogos, ou seja, em outros exemplos de gastos obrigatórios por lei, a Receita Federal já reconhece a possibilidade de creditamento de PIS/Cofins. É o que ocorre em relação aos equipamentos de proteção individual (EPIs) para os prestadores de serviços de limpeza, conservação e manutenção, bem como no tratamento de efluentes para empresas que realizam atividades danosas ao meio ambiente, em que existem soluções de consulta da RFB que entendem pela adequação desses gastos ao conceito de insumos, por se tratar de imposição legal.

O racional por trás disso é que se esses insumos forem suprimidos da cadeia produtiva ou da prestação de serviços do contribuinte o resultado certamente será a perda na qualidade do produto/serviço ou mesmo a inviabilidade da atividade. Para além disso, poderá causar danos à coletividade e, sobretudo, gerar sanções à empresa.

Nota-se que esse mesmo racional é totalmente aplicável aos gastos com tratamento de dados pessoais, na medida em que o não atendimento das empresas à LGDP expõe a potenciais danos os titulares, como já mencionado.

Por esses motivos, a Justiça federal de Campo Grande acertou ao reconhecer que "o tratamento dos dados pessoais não fica a critério do comerciante, devendo então os custos respectivos serem reputados como necessários, imprescindíveis ao alcance dos objetivos comerciais". Com isso, ao que tudo indica, o contencioso de dados pessoais não se limitará às esferas cível e trabalhista, com suas mais de 600 decisões envolvendo LGPD, mas, também, terá seu espaço no setor tributário.

Ponto interessante também desse julgado é que, no entendimento do magistrado, a verificação dos investimentos no tratamento de dados pessoais como insumo independe de dilação probatória, exatamente por se tratar de uma obrigatoriedade imposta por lei, bastando a empresa comprovar que a imposição é aplicável à sua atividade.

Dessa forma, a decisão em questão dá o pontapé inicial para a construção do entendimento dessa nova discussão e de um contencioso tributário envolvendo dados pessoais.

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