Opinião

Compensação e embargos: a emenda pior que o soneto

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28 de julho de 2021, 12h04

Segundo recentes dados divulgados pelo Insper e pelo CNJ ("Justiça em Números 2020") [1], o contencioso tributário no Brasil, representando a soma de todo o universo de ações judiciais e administrativas tributárias do país, alcançou a cifra de R$ 5 trilhões no ano passado.

A título de comparação, isso equivale a 75% do PIB brasileiro [2]. Apenas a via judicial responde por aproximadamente 74% de todo o estoque, totalizando R$ 4,1 trilhões em processos ativos. Já a via administrativa apresenta estoque de R$ 1,43 trilhão.

Somente em nível federal, que já alberga R$ 3,8 trilhões em discussão, representa pouco mais da metade do total do PIB brasileiro (53%).

Cada vez mais, vozes importantes da cultura jurídica tributária têm se manifestado [3], com veemência e contundência, no sentido da premência por soluções para — aproveitando o contexto e o ensejo da reforma tributária — definitivamente suplantar esse estado de necessidade administrativa (ou "estado de coisas inconstitucional tributária", nas precisas palavras do professor Heleno Torres).

Precisamente, ante a inércia do Legislativo, o Poder Judiciário, pelo STF, via Plenário Virtual, apressou-se a apresentar sua contribuição, promovendo verdadeira minirreforma tributária [4].

Em 12 de maio, o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apresentou seu relatório final sobre a reforma tributária à comissão mista.

De todas as propostas, surgiu um consenso: a necessidade de simplificação e racionalização do sistema tributário brasileiro. A despeito de tal consenso, infelizmente, não se prestigiou adequadamente a praticidade [5] como a mola mestra, isto é, como princípio-vetor, dessa necessária mudança, como deveria.

E, pasme-se, na contramão desses anseios [6], infelizmente, recente entendimento do Órgão Especial do TRF 2ª Região, cuja ratificação é iminente pela 1ª Seção do STJ, tende a gerar consequências altamente prejudiciais aos já graves índices suprarreferidos.

A se confirmar esse novo entendimento, há de se modulá-lo, no mínimo, em respeito à incontestável virada jurisprudencial sobre o tema, qual seja, quanto à impossibilidade de manejo, via embargos à execução, de matéria de mérito de caráter "constitutivo-negativo" (atinente aos casos de compensações declaradas/transmitidas mas não homologadas ou parcialmente homologadas). Tanto a corte federal e, ao que parece, também STJ, infelizmente, parecem estar inclinados a acolher um caminho diverso ao citado vetor normativo.

Além de significar grave ofensa à boa-fé e à confiança legítima depositadas na até então mansa e pacífica jurisprudência acerca da plena possibilidade e viabilidade do uso dos embargos à execução como instrumento legítimo de defesa (vide REsp nº 1.008.343/SP, relator ministro Luis Fux, j. em 9/12/2009,  DJe 1/2/2010), para o enfrentamento da discussão da legalidade do crédito tributário encartado na CDA, também se consubstanciará em inadvertida sabotagem à pretendida meta institucional de redução da macrolitigiosidade.

Embargos à execução já em trâmite, após anos de curso regular, serão julgados improcedentes, exigindo dos contribuintes o ajuizamento de novas ações judiciais, de forma a incrementar ainda mais o já grave índice de congestionamento.

Em respeito ao sagrado direto de defesa, é preciso que a 1ª Seção da Corte Cidadã não acabe por incorrer em outros "novos ilegalismos" [7]: conversões em renda de garantias (depósitos judiciais) precocemente; novas ações de repetições de indébito; novas investidas/tentativas de liquidação de cartas de fiança e seguros-garantia, mormente se não houver nova ação judicial (ordinária declaratória) ajuizada e, com pedido de "portabilidade" da garantia, já deferido, em sede de tutela de urgência.

Contraditoriamente, cada um dos embargos ofertados redundará desnecessariamente, no mínimo, em uma nova ação judicial.

No longa-metragem baseado na história de vida da justice Ruth Bader Ginsburg, falecida em 18/9/2020 ("Suprema", no original "On the Basis of Sex", 2018) seu marido, Martin D. Ginsburg, defende a seguinte tese: "A forma como um governo cobra impostos dos cidadãos é uma demonstração concreta dos valores do País".

Quis a história deixar a cargo dos ministros da 1ª Seção do Tribunal da Cidadania [8] fazer a defesa pública de quais valores entendem que mereçam ser prestigiados.

 


[2] Estudo Contencioso Tributário no Brasil, feito pelo Núcleo de Tributação do Insper em 2020;

[5] BRECHBUHLER, Gustavo. Principio da Praticidade na era da Tributação em massa, 1ª ed., Ed. Appris: Curitiba, 2021;

[6] (i) Redução da macrolitigância tributária; (ii) redução do hiper congestionamento do Judiciário; e (iii) reversão da ínfima taxa de recuperabilidade do (gigante) estoque de dívida ativa;

[7] Neologismo, trazido de grupo de trabalho da UFF http://geni.uff.br/;

[8] EREsp nº 1795347 / RJ;

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