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Opinião: A natureza jurídica da atividade lotérica

27 de julho de 2021, 19h07

Por Flávio Germano de Sena Teixeira Júnior, Rodrigo Torres Pimenta Cabral

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Os embates sobre a natureza jurídica das atividades lotéricas são tradicionalmente explorados na doutrina e na jurisprudência pátria a partir da dicotomia tradicional do Direito Econômico, que segrega o regime das chamadas atividades econômicas em sentido estrito daquele atribuído aos chamados serviços públicos.

Publicistas brasileiros de escol, como os professores Caio Tácito, Geraldo Ataliba, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Celso Antônio Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles, Carlos Ari Sundfeld e Luís Roberto Barroso, há décadas insistem no enquadramento das loterias como serviço público em sentido formal.

No âmbito do Judiciário, há muito os tribunais pátrios têm debatido acerca de sua natureza jurídica, tendo prevalecido, na atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a corrente que classifica tais atividades entre os serviços públicos. A esse respeito, consultem-se as considerações tecidas no voto condutor do paradigmático julgamento conjunto, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nºs 492/493 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.986:

"(…) Transladando esse parâmetro para a discussão enfrentada nessas ações de controle abstrato é que a doutrina enquadra as loterias como típicas atividades de serviço público. Desde 1932, como visto, o legislador não hesita em atribuir um regime jurídico de Direito Público a essas atividades. A previsão consta ainda expressamente do Decreto-Lei nº 6.259/44 e do próprio Decreto-Lei 204/67, que é discutido nessas ações de controle abstrato".

Por esse motivo, parece-nos, no todo, acertada a afirmação do ministro Luís Roberto Barroso, em artigo doutrinário, ao confirmar que "no que se refere à natureza jurídica da atividade lotérica, legem habemus". De acordo com sua excelência: "É possível afirmar, assim, em linha de coerência com a posição doutrinária prevalente, que no Brasil a atividade de exploração de loterias é qualificada desde muito tempo, e até o presente, como serviço público" (Barroso, Luís Roberto. Op. Cit., P. 254) (Relator: ministro Gilmar Mendes; 23/09/2020 Plenário; Data de Publicação Dje 15/12/2020 — Ata Nº 214/2020. Dje Nº 292, Divulgado em 14/12/2020).

A Suprema Corte brasileira considerou sobretudo o dado histórico: desde a década de 1930 [1], o regime jurídico conferido a essas atividades desborda do Direito comum, instituindo-se regime de privilégio do poder público na exploração dessas atividades. Dessa forma, independentemente de reflexões sobre em que medida as loterias, per se, possuem utilidade pública ou se mostram relevantes para a interdependência social, o STF classifica as atividades lotéricas como serviço público, levando em conta sobretudo o regime jurídico a que esses serviços estiveram submetidos.

O julgado em destaque corresponde a verdadeiro ponto de inflexão no entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de os Estados-membros (incluindo, obviamente, o Distrito Federal) da federação instituírem seus próprios sistemas de loteria [2]. Abordaremos essa questão em outro texto.


[1] Desde 1932 o legislador não hesita em atribuir um regime jurídico de Direito Público a essas atividades. A previsão consta ainda expressamente do Decreto-Lei nº 6.259/44 e do próprio Decreto-Lei 204/67, que é discutido nessas ações de controle abstrato.

[2] Referimo-nos ao julgamento conjunto, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 492/493 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.986