crimes de lesa-humanidade

Falsidade ideológica cometida na ditadura por Harry Shibata não prescreveu

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27 de julho de 2021, 18h42

A Lei de Anistia não atinge a punibilidade em relação aos crimes de lesa-humanidade cometidos por agentes estatais durante o regime militar. Com esse entendimento, a 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região afastou, por maioria, o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em relação ao crime de falsidade ideológica cometido pelo ex-médico legista Harry Shibata durante a ditadura.

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Ex-médico legista Harry ShibataReprodução

Em 1973, Shibata elaborou laudos necroscópicos falsos, que esconderam sinais de tortura de dois militantes políticos assassinados pelos órgãos de repressão. Ele omitiu marcas evidentes nos corpos das vítimas e apenas endossou o relato oficial forjado na época, segundo o qual os opositores haviam sido mortos após uma troca de tiros com agentes das forças de segurança.

No primeiro grau, o processo havia sido extinto, sob o entendimento de que estaria extinta a punibilidade do réu, em razão da prescrição, pois falsidade ideológica não é considerada um crime contra a humanidade. O Ministério Público Federal recorreu, argumentando que as condutas não precisariam estar especificamente tipificadas pelo Direito Internacional como crimes contra a humanidade para serem reconhecidas como tal.

O órgão ainda alegou que o crime de desaparecimento forçado é reconhecido internacionalmente como crime contra humanidade, e sua prática envolveria diversos outros delitos, tais como a falsidade ideológica.

O desembargador Fausto de Sanctis, relator do recurso, acolheu a argumentação e determinou o retorno do processo à primeira instância, para continuidade de sua tramitação.

"O cometimento dos crimes levados a efeito pelo aparato institucional contra os opositores do regime prevalente naquele momento histórico vai de encontro com os direitos e as garantias deferidas ao cidadão, razão pela qual a anistia (e/ou qualquer outra causa extintiva de punibilidade) não pode ser compreendida a abarcar graves violações de direitos humanos", ressaltou o magistrado.

Segundo ele, não haveria fundamento, "no Estado de Direito, para a legitimação da anistia (quer no passado, quer no presente, quer no futuro), e sequer pela fluência dos anos (inércia estatal manifestada pelo advento da prescrição da pretensão punitiva)".

Nova onda
No fim de junho, uma decisão da 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo condenou um ex-agente da ditadura militar por crimes políticos cometidos no período (artigo 148 do Código Penal). É um dos poucos casos relacionados a crimes da ditadura que tiveram andamento na Justiça. Segundo o MPF-SP, a maioria das mais de 50 ações penais propostas pelo órgão nos últimos anos foi rejeitada ou está paralisada em varas federais de todo o país, em descumprimento a normas e decisões internacionais que obrigam o Brasil a investigar e punir quem tenha atuado no extermínio de militantes políticos entre 1964 e 1985.

Um dos principais obstáculos à punição aos agentes do Estado que violaram direitos humanos durante a ditadura é a decisão do Supremo de que a Lei de Anistia, que impede a punição a crimes políticos cometidos de 1961 a 1979, é constitucional.

Mas no âmbito internacional o entendimento tem sido outro. Em 2010, no chamado caso Gomes Lund, a Corte Interamericana de Direitos Humanos frisou que "a jurisprudência, o costume e a doutrina internacionais consagram que nenhuma lei ou norma de direito interno, tais como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras excludentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua obrigação inalienável de punir os crimes de lesa-humanidade, por serem eles insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a humanidade".

Em 2018, o mesmo tribunal internacional entendeu que é inadmissível se apoiar em lei de anistia para impedir a punição de quem pratica graves violações dos direitos humanos, em julgamento sobre o caso Vladimir Herzog.

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5001756-20.2020.4.03.6181

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