Opinião

A humanização do direito de punir pelas mãos do processamento criminal

Autor

  • Alexandre José Trovão Brito

    é advogado em São Luís especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus e membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.

27 de julho de 2021, 6h34

Existem vozes que são contra o uso da Filosofia no momento de argumentar sobre a liberdade protegida pelo processo penal. Alguns invocam que se tratam de "teses de defesa" ou "teoria pra defender bandidos". Ora, a primeira frase tem sentido. São teses de defesa mesmo, mas teses para defender a lei processual penal e a Constituição. A segunda não resiste ao academicismo mais básico. Cuida-se de proteger não a banditolatria, mas, sim, a democracia.

O processo penal em terras brasileiras vem experimentando um desmonte teórico-argumentativo por conta da total insatisfação popular em relação aos crimes de corrupção praticados pelos altos escalões da República e por conta de uma criminalidade de rua que vem atingindo cada vez mais de perto o cidadão comum. São reclamos válidos, mas não podemos esquecer que a lei vale, e como vale.

Eu, pessoalmente, já fui vítima de um roubo com arma de fogo. O criminoso simplesmente apontou um revólver 38 no meu peito e subtraiu minha carteira. Contudo, não tive sentimentos ou desejos de vingança. Não é assim que o Direito Processual Penal trabalha, ou seja, como um aparelho repressor voltado para a inflição de dores e humilhações a quem se afastou da lei penal.

As etapas da história em que métodos de tortura eram amplamente usados, a pena de morte era uma constante na sociedade e a vingança privada, permitida por certas autoridades, ficaram apenas nos registros dos nossos livros fúnebres. Não podemos retroceder e resgatar toda essa máquina de sofrimentos desnecessários. Na prática, o que isso deixou de bom? Nada.

O processo penal é o mastro responsável por sustentar a democracia de determinado país. Quanto mais resistente o mastro, mais haverá a possibilidade desse regime político navegar com segurança. O processamento penal reflete o status institucional de um sistema democrático e ainda humaniza o direito de punir praticado pelo Estado. As garantias processuais são um bom exemplo disso.

Ser garantista é acreditar e lutar por um sistema de Justiça Criminal mais humano, justo e civilizado. Afinal de contas, a pena, instrumento por excelência de combate aos criminosos, deve ser condição de sentido para um modelo mais racional de julgamento de ilícitos praticados pelo(s) agente(s) do(s) fato(s) delituoso(s). Ser garantista é rejeitar o passado, lutar pelo presente e mirar no futuro.

Quando a lei é contra os nossos interesses, imediatamente nossa posição é a não aceitação ou a resistência ao comando normativo. Mas quando a lei é a favor, de pronto nos mantemos em uma posição de aceitação dela. Essa cultura antilegalista no Brasil tem de mudar. Ainda mais quando o nosso Estado de Direito tem a pretensão de se afirmar como democrático.

O processamento criminal é um dispositivo eficaz na contenção do poder punitivo do Estado. O alargamento da malha punitiva deve ser visto com desconfiança. A um porque processo penal é a racionalização democrática do direito de punir. A dois porque não é superlotando ainda mais os estabelecimentos penais do país que nós conseguiremos eliminar a criminalidade. A três porque processo penal é garantia, não histeria.

No rio da história, há séculos e séculos, houve uma Inquisição que destruiu vidas humanas sem nenhuma proporcionalidade. Sem nenhum filtro. Hoje, a doutrina e as leis penal, processual penal e constitucional foram alvos de um processo racional-humanizador. Em outras palavras, os mecanismos de punição começaram a investir na pena, mas dessa vez com uma perspectiva calcada na dignidade da pessoa humana.

O que aprendemos com a história? Ela serve para nos ensinar que os erros do passado não devem ser esquecidos, justamente para não os repetirmos. Serve também para mostrar que humanização não é sinônimo de impunidade. Vou além. A própria humanização da pena, por meio de suas finalidades de prevenção e ressocialização, demonstra que o Estado não deseja que o crime ocorra ou, no caso de acontecer, que o autor da infração penal seja reintegrado à sociedade.

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