Opinião

A importância da investigação defensiva em casos criminais ambientais

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26 de julho de 2021, 11h31

As pesquisas de opinião recentes mostram a preocupação cada vez maior de brasileiras e brasileiros com a preservação do meio ambiente. Desmatamento, mudanças climáticas, poluição e esgotamento dos recursos naturais são os temas mais preocupantes (Ibope, 2021).

Por sua vez, a Constituição de 1988, que é considerada um avanço político e jurídico na história nacional, instituiu que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" (artigo 225, §3º).

Nesse cenário, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar uma nova lei geral de licenciamento ambiental que, por exemplo, altera a Lei de Crimes Ambientais e aumenta significativamente a pena para o infrator que operar sem licença.

Existe, portanto, um forte apelo social e político pela repressão às infrações ambientais. E é nesse contexto que os tribunais brasileiros vêm se posicionando ao longo dos últimos anos, dispensando um tratamento cada vez mais rigoroso aos acusados de crimes ambientais. O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, vem decidindo que não se aplica o princípio da insignificância em matéria criminal ambiental (REsp 1455086/RS). Além disso, tem decidido que fica caracterizado o crime de poluição mesmo sem que haja prova de efetivo dano à saúde das pessoas, bastando para tanto que haja o potencial de dano para que seja instaurada a persecução penal (REsp 1.777.884/MS). Esses são apenas alguns exemplos dessa interpretação pretoriana cada vez mais rígida das regras penais ambientais.

Por outro lado, é oportuno observar que a instauração dos procedimentos criminais ocorre, quase sempre, a partir de uma comunicação feita pelos órgãos de fiscalização ambiental ao Ministério Público ou às autoridades policiais. Essas comunicações seguem instruídas, na maior parte das vezes, apenas com o auto de infração ambiental lavrado que, por sua vez, nem sempre está instruído de um laudo técnico ou de um laudo de constatação. A propósito, por mais que esses atos administrativos tenham presunção de veracidade e de legalidade, é certo que essa presunção é apenas iuris tantum, ou seja, cabe prova em sentido contrário em um processo administrativo dotado de contraditório e ampla defesa, mas os ônus probatórios são do autuado.

O fato é que, no desempenho das suas atividades, os órgãos ambientais não têm a praxe de aguardar a instrução de processos administrativos ou o julgamento definitivo desses autos de infração, se são subsistentes ou não, antes de enviar as cópias (comunicações de fatos ou notícias de crime) ao Ministério Público ou à polícia e isso, não raro, resulta em situações esdrúxulas em que o autuado (pessoa física ou jurídica) obtém uma decisão administrativa favorável, demonstrando que a infração ambiental, por exemplo, não existiu, mas, como já havia sido acusado criminalmente antes do resultado administrativo, viu-se diante de uma "escolha de Sofia": entre responder ao processo criminal e aquiescer a uma transação penal à qual não aderiria se o processo administrativo já tivesse chegado ao seu resultado final.

A autonomia absoluta entre as instâncias administrativa e penal ambiental, como vem sendo tratada, produz situações completamente paradoxais, que não ocorreriam se se adotasse sistemática semelhante à da Súmula Vinculante nº 24, que, para os ilícitos tributários (e penais tributários), impõe a conclusão obrigatória do processo administrativo antes da deflagração da persecução penal.  

Há ainda, no Brasil, aquelas situações em que o autuado prefere desde logo pagar a multa com desconto, sem oferecer defesa, vendo nisso uma vantagem, pois essa atitude evita o custo com honorários advocatícios e periciais, por exemplo.  Essa tática é, no entanto, um "tiro no pé", pois o pagamento da multa não impede que o órgão ambiental envie as cópias ao Ministério Público e às autoridades policiais e, na prática, não impede a persecução penal.

Além disso, há um outro problema que se verifica na experiência do dia a dia na advocacia em âmbito administrativo: mesmo apresentando requerimentos com o objetivo de instruir os processos administrativos com, por exemplo, depoimentos de testemunhas e laudos periciais, na prática e de fato, a produção dessas provas é muito difícil, senão impossível. Os órgãos ambientais costumam indeferir a sua produção, quando não simplesmente ignoram os pedidos de produção de provas, sem sequer intimar o autuado ou oportunizar a juntada de documentos após a apresentação de defesa, tornando o processo administrativo um autêntico simulacro.

Nessas circunstâncias, em que a produção de provas em favor do autuado no processo administrativo é inviável ou simplesmente não ocorre, mas, paralelamente, a persecução penal tem início, a realização de investigação defensiva tem nítida e indiscutível utilidade.

Em termos gerais, essa modalidade investigativa consiste na realização de diligências pelo próprio autuado ou investigado e seus advogados, com o auxílio ou não de experts de outras áreas de conhecimento ou apoio de agentes notariais, destinadas à coleta de provas, tais como declarações, documentos, perícias, registros fotográficos, mapas e outros elementos de informação disponíveis em bancos de dados ou em fontes abertas, públicas ou privadas, com a finalidade de contribuir para a elucidação de fatos considerados ilícitos, suas circunstâncias e consequências.

A investigação defensiva nada mais é, em realidade, do que a concretização do direito à prova, em sua ampla acepção, tal como cristalizado na Convenção Americana de Direitos Humanos, em seu artigo 8º, itens 1 e 2, "b", "c", "d", "e" e "f", em que se estabelece não só a garantia de intervenção da defesa técnica nos procedimentos penais, mas sobretudo o direito à atividade probatória, onde se inclui, evidentemente, a iniciativa direta do defensor na coleta de elementos probantes.

Embora encontre amparo no regramento convencional, investigação defensiva é instituto de recente criação no Brasil, por meio do Provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da OAB, cuja validade tem sido reiteradamente apreciada pelos tribunais superiores.

O ministro Sérgio Kukina, do Superior Tribunal de Justiça, admitiu ser legítimo ao acusado instruir o processo penal lançando mão do instrumento da investigação defensiva (MS 26627/DF). Por seu turno, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, também decidiu que a investigação defensiva é admissível, pois situa-se no âmbito da garantia do contraditório, que deve estar presente desde a fase de investigação criminal (PET 7612/DF), como também assentado noutras decisões da nossa Corte Suprema.

Mais recentemente, ganhou destaque na mídia a decisão proferida pela 5ª Turma do TRF da 3ª Região, na APL 500189-10.2020.4.03.6181, em que o relator, desembargador federal Mauricio Kato, com base no Provimento 188/2018 da OAB, assim se pronunciou:

"… O inquérito criminal defensivo é um expediente cujo objetivo é assegurar ao advogado o direito-dever de reunir evidências probatórias que permitam fundamentar as teses favoráveis ao seu assistido. Tal atividade, desde que obedecidas as restrições de atuação do particular no que reporta à liberdade individual, privacidade, imagem, dentre outros direitos que afetem a vida alheia, não é proibida pelo sistema jurídico pátrio".

O Provimento nº 188/2018 instituiu, portanto, um instrumento válido, legítimo e cada vez mais aceito no âmbito do Poder Judiciário como desdobramento do princípio da ampla defesa e do devido processo legal, pelo qual a defesa (constituída ou dativa) de qualquer pessoa, em qualquer procedimento de natureza penal, está autorizada a amealhar indícios e elementos de prova aptos a serem usados em diversos momentos, tanto na fase extrajudicial (procedimento administrativo ou investigação criminal) como em processo judicial, em prol daquele que sofre a ação persecutória do Estado, como se extrai claramente do disposto nos artigos 3º, 4º e 6º do referido diploma.

Na seara do Direito Penal Ambiental, a investigação defensiva assume especial relevo no que diz respeito à produção da prova técnica, em geral urgente e assentada em elementos perecíveis ou mutáveis, que se revela sempre mais fidedigna e precisa quanto mais próxima estiver da data, do local e das circunstâncias existentes no momento da consumação do suposto ato ilícito.

A prova colhida pela defesa, com o devido rigor técnico, concomitantemente ao(s) levantamento(s) de dados conduzidos pelas autoridades ambientais ou policiais, pode ser o diferencial entre a procedência ou improcedência de uma autuação ou, principalmente, entre o oferecimento de uma denúncia e o arquivamento da investigação criminal.

Mais: não é raro, infelizmente, que o órgão ambiental ou a autoridade policial não disponha da tecnologia ou dos recursos necessários para a produção de determinados laudos ou pareceres técnicos, tornando verdadeiramente imprescindível a contribuição do particular interessado, via investigação defensiva, na reconstrução dos fatos. 

Numa investigação de crime de poluição, por exemplo, dada a orientação do STJ mencionada anteriormente, é essencial à defesa do acusado a apresentação de um laudo demonstrando que os fatos eventualmente praticados não deram causa a danos à saúde das pessoas, nem mesmo potencialmente, para que se possa demonstrar a atipicidade da conduta.

Em outras palavras, as informações amealhadas na investigação defensiva podem servir para identificar circunstâncias de fato que mostrem inexistir culpabilidade do acusado no episódio, podendo mostrar eventos de força maior, fato de terceiro ou exercício regular de direito que, ao final e ao cabo, são ao mesmo tempo excludentes de responsabilidade administrativa e criminal, que, na ausência de uma apuração adequada, poderiam passar despercebidas ou se perderem com o decurso do tempo, inviabilizando o exercício do direito de defesa.

Enfim, nesse contexto em que há uma opção da sociedade brasileira por tornar cada vez mais intensa a repressão às infrações ambientais, ao mesmo tempo em que os ônus probatórios recaem sobre os autuados, é essencial poder contar com um instrumento como a investigação defensiva, na medida em que fortalece a posição processual do indivíduo investigado, conferindo efetividade às garantias constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, especialmente em favor dos que adotam boas práticas ambientais no desempenho de suas atividades.

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  • Brave

    é advogado, mestre em Direito das Relações Sociais.

  • Brave

    é advogado, sócio do escritório Andersen Ballão Advocacia, especialista em Direito Empresarial pela Unifae, especialista em gestão de recursos hídricos pela UFPR, mestre em Direito pela UFSC, doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela UFPR e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB-PR.

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