Processo tributário

A tutela provisória, o Supremo Tribunal Federal e a compensação

Autor

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

25 de julho de 2021, 8h00

Recentemente a comunidade jurídica comemorou a declaração de inconstitucionalidade do §2º do artigo 7º da "nova" Lei do Mandado de Segurança [1] (Lei federal 12.016/2009), que vedava a concessão de medida liminar autorizando a compensação. A referência é ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.296 pelo Supremo Tribunal Federal, em 9/6/2021 [2].

Conecta-se esse julgado com o Código de Processo Civil (CPC)/2015 ante o disposto em seu artigo 1.059, que determina a aplicação do artigo 7º, §2º, da Lei federal 12.016/2009 à tutela provisória requerida em face da fazenda pública. Essa referência internormativa resulta na extensão das vedações à concessão de liminar previstas na Lei do Mandado de Segurança aos pleitos de tutela provisória deduzidos em ações de rito comum [3] [4], ensejando a impossibilidade de concessão de tutela provisória para autorizar a compensação tributária.

Declarada a invalidade do dispositivo da lei do mandado de segurança, seria possível admitir que a remissão feita no artigo 1.059 do CPC/2015 restou prejudicada, sinalizando que a partir de então a compensação tributária poderia ser deferida por meio de decisões judiciais de natureza provisória.

A questão, contudo, não é tão simples assim.

Pedidos de tutela provisória para autorizar a compensação tributária são requeridos, basicamente, em demandas tributárias cujos objetos são: 1) a validade do tributo e por meio das quais se pretende o reconhecimento do indébito tributário e sua satisfação pela via da compensação [5]; ou 2) as restrições impostas ao exercício do direito de compensar propriamente dito (regime de compensabilidade) em situações em que a existência do indébito (elemento da compensação) já se encontra reconhecido.

Sob a perspectiva instrumental do processo, a que assumimos [6], nas ações cuja pretensão à compensação pressupõe o reconhecimento do indébito tributário, a primeira hipótese acima referida, por uma decorrência de ordem material, o afastamento da vedação processual à concessão de tutelas provisórias autorizadoras da compensação não produz, pragmaticamente, efeito algum.

Isso porque, independentemente da inconstitucionalidade da regra processual, o artigo 170-A do Código Tributário Nacional (CTN) [7], comando material, impede o contribuinte de aproveitar tributo objeto de "contestação judicial" antes que transite em julgado a decisão judicial que o reconheça como indevido. Trata-se de regra que proíbe a tomada de crédito (indébito tributário) pelo contribuinte e, consequentemente, o encontro de contas necessário para implicar a extinção do crédito tributário (débito do contribuinte) em momento anterior ao trânsito em julgado da decisão que reconhece o indébito tributário que será objeto da compensação (artigo 156, II, do CTN).

Nessa hipótese (a primeira adrede referida), encontrando-se a relação entre contribuinte e Fazenda Pública em estado de conflituosidade objetivando o reconhecimento judicial do pagamento indevido, enquanto esse estado não esteja definitivamente encerrado positivamente em favor do contribuinte, não é ele dotado de crédito oponível à Fazenda Pública.

Como apontamos [8], sobre as tutelas de natureza provisória no processo tributário não recai o efeito da coisa julgada, mantendo-se ativa a disputa entre contribuinte e Fisco, dependente que é de uma decisão final (a sentença), de modo que é irrecusável a existência da "contestação judicial de tributo" a que alude o artigo 170-A do CTN, do que decorre permanecer eficaz a proibição da compensação antes do trânsito em julgado da decisão que assegure crédito do contribuinte (indébito tributário).

Isso autoriza concluir que a extirpação do §2º do artigo 7º da Lei do Mandado de Segurança e a invalidação por arrastamento do artigo 1.059 do CPC/2015 não gera permissão para o contribuinte compensar quando demanda o reconhecimento do indébito tributário, pois o artigo 170-A do CTN impede-o.

Esse panorama de necessária confrontação entre pedido de tutela provisória e dispositivos materiais objeto do conflito não passou despercebida ao ministro Marco Aurélio na citada ADI 4.296, quando, em seu voto, afirma que cabe ao Estado-juiz no exercício da jurisdição de caráter provisório "examinar o pedido formulado e, ante o arcabouço normativo, concluir pela adequação, ou não da tutela de urgência, pouco importando o sentido desta" [9].

Para essas demandas (as da primeira hipótese) se está diante de verdadeira vitória de Pirro [10], isto é, aquela em que o êxito obtido (o reconhecimento da inconstitucionalidade) não gera o benefício pragmático esperado. Foi extirpado do ordenamento jurídico o dispositivo de lei de natureza processual e pragmaticamente não se consagra efeito algum, já que disposição normativa material, do CTN, veda a possibilidade de compensação. Ganha-se a ação, mas perde-se a batalha.

Por sua vez, estando-se diante de medida judicial cujo litígio envolve a segunda hipótese, que supõe já reconhecido o indébito tributário, o resultado do julgamento do Supremo produz impacto positivo para o contribuinte.

Isso porque trata-se de hipótese não "enquadrada" no conteúdo do artigo 170-A do CTN, uma vez que não há "contestação judicial" de tributo, tão somente lide a respeito das regras que eventualmente impeçam o contribuinte de promover a compensação tal como posta em lei.

Nesse caso (especificamente a segunda hipótese), vislumbra-se a possibilidade de numa demanda tributária de rito comum consagrar-se efetivo resultado prático da declaração de inconstitucionalidade do §2º do artigo 7º da Lei do Mandado de Segurança em ações de rito comum, já que não mais há restrição material ou processual à concessão de tutelas provisórias. Aqui, sim, a invalidade declarada pelo STF resulta em verdadeira vitória do contribuinte.


[1] "Artigo 7º – Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
§2º. Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza".

[2] Até a elaboração deste trabalho, o acórdão não havia sido publicado.

[3] Internormativa = entre textos normativos.

[4] Para compreensão do que são ações de rito comum, remetemos a leitora ou o leitor ao artigo de autoria de Rodrigo Dalla Pria publicado nesta coluna em 18/07/2021 (ver aqui).

[5] A referência é ao cumprimento de sentença (execução de sentença nos termos do CPC/1973), uma vez que reconhecido o indébito tributário o contribuinte pode optar por efetivar a sentença por uma de duas formas, ou mediante cumprimento de sentença e posterior expedição do precatório, ou via compensação, nos termos da lei do ente tributante diante do que dispõe o artigo 170 do código tributário nacional (CTN).

[6] Sugerimos ao leitor e à leitora para melhor compreensão dessa assertiva a leitura dos seguintes trabalhos: https://www.conjur.com.br/2021-mar-02/paulo-conrado-processo-tributario-instrumentalidade.

[7] "Artigo 170-A – É vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.

[8] Sobre essa questão remetemos a leitora e o leitor à opinião apresentada no seguinte texto: https://www.conjur.com.br/2021-mar-16/camila-vergueiro-processo-tributario-tutela-provisoria

[9] Importante registrar que, em seu voto, o ministro Marco Aurélio reconheceu a inconstitucionalidade do §2º do artigo 7º da lei federal 12.016/2009. A referência feita a essa específica passagem do voto tem o objetivo exclusivo de demonstrar que promovendo a análise por ele sugerida de forma ampla, a conclusão é a de que o arcabouço normativo tributário não autoriza a compensação mediante o deferimento de tutela jurisdicional provisória, seja ela proferida em mandados de segurança ou ações de rito comum.

[10] A expressão "Vitória de Pirro" recebeu o nome do rei Pirro do Epiro, cujo exército havia sofrido perdas irreparáveis após vencer os romanos na Batalha de Heracleia, em 280 a.C., e na Batalha de Ásculo, em 279 a.C., durante a Guerra Pírrica. Após a segunda batalha, Plutarco apresenta um relato feito por Dioniso de Halicarnasso:
"Os exércitos se separaram; e, diz-se, Pirro teria respondido a um indivíduo que lhe demonstrou alegria pela vitória que "uma outra vitória como esta o arruinaria completamente". Pois ele havia perdido uma parte enorme das forças que trouxera consigo, e quase todos os seus amigos íntimos e principais comandantes; não havia outros homens para formar novos recrutas, e encontrou seus aliados na Itália recuando. Por outro lado, como que numa fonte constantemente fluindo para fora da cidade, o acampamento romano era preenchido rápida e abundantemente por novos recrutas, todos sem deixar sua coragem ser abatida pela perda que sofreram, mas sim extraindo de sua própria ira nova força e resolução para seguir adiante com a guerra." – fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Vit%C3%B3ria_p%C3%ADrrica – acesso em 19/07/2021, 12:00.

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    é advogada, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, professora do Curso de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET), do programa de pós-graduação Lato Sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGVLAW) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de Extensão "Processo tributário analítico" do IBET e coordenadora do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do IBET.

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