Opinião

Estamos brincando de fazer processo?

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25 de julho de 2021, 7h13

Eis uma reflexão sincera do tipo de processo que temos praticado na Justiça do Trabalho, especialmente em São Paulo, nestes tempos de pandemia. E eu sei que nem todos olharão com bons olhos o que eu tenho a dizer, mas isso nunca me impediu de dizer o que penso, então vamos lá:

Citações sem aviso de recebimento
Há pouco mais de um ano temos enfrentado um crônico problema: a ausência de um convênio do TRT-2 com os Correios para rastrear e identificar o destino das cartas de citações e intimações enviadas às partes. Algo impensável no Processo Civil, que exige a carta com aviso de recebimento (para identificar quem e quando recebeu o documento), virou lugar comum por essas bandas a citação "acho que". "Acho que foi citado". Foi? Não sei.

Aí eis que surge a recomendação CR 72/2020 do TRT-2, que permite que o advogado do autor faça a carta com AR, pague sua postagem, junte comprovantes de entrega e despesa e possa ser ressarcido posteriormente. Ótimo, como saber se o teor juntado pelo advogado foi o mesmo enviado ao interessado com absoluta certeza? 

Permitir que o advogado custeie a postagem e seja ressarcido faz sentido, mas a carta deveria ser preparada e enviada pelo serventuário. Ou estamos terceirizando nosso trabalho?

Audiências virtuais no afogadilho e sem acessibilidade
No justificado clamor pelo distanciamento social, e na necessidade de dar andamento aos processos, foi regulamentada a audiência virtual (eu me recuso a usar o esdrúxulo nome "telepresencial", não insistam). Ótimo. Grande parte dos jurisdicionados trabalhistas possui equipamentos de baixa qualidade, celular pré-pago, internet ruim, e parcos conhecimentos tecnológicos. A par dos episódios de aglomerações no mesmo ambiente entre partes, advogados e testemunhas, com a confiabilidade duvidosa de depoimentos assim produzidos. Recentemente o CNJ reafirmou que as partes têm o direito ao fornecimento de salas pelos tribunais com o equipamento adequado para prestarem depoimentos. O TRT-2 equipou as salas de audiência com câmeras e microfones para tal. Adiantou? Óbvio que não, os fóruns permaneceram fechados de abril a julho, sem considerar 2020. E vez por outra aparecem decisões que penalizam partes por ausência mesmo quando comunicado antecipadamente pelo interessado o problema de acessibilidade. Desculpem, processo não é número…

Diligências virtuais dos oficiais de Justiça
No contexto da pandemia, até meados de julho, foram praticamente abolidas diligências presenciais de oficiais de Justiça. Constatou-se que absolutamente todos tinham comorbidades que lhes afastavam do trabalho presencial. Eu vou me abster de comentar essa totalidade "curiosa", mas… Será que toda diligência presencial implica aglomeração? Uma simples citação pessoal? Abundaram citações por WhatsApp e e-mail sem prévia autorização judicial, que até podem ser admitidas por instrumentalidade das formas, mas como exceção, e não como regra. Avaliações pela internet… Se for para avaliar um bem pela internet, eu mesmo faço isso, oras…

Audiências gravadas sem degravação ou transcrição
Eis a polêmica da vez, e aqui talvez eu apanhe bastante, mas vamos lá. Há decisões do CNJ dispensando a transcrição de depoimentos de audiências gravadas, mas não sua degravação posterior. É certo que a CLT exige o registro em ata dos acontecimentos em audiência, mas seu texto não foi talhado para a realidade de 2021, com audiências virtuais gravadas. O CSJT tentou disciplinar a questão ao dispensar a transcrição no Ato Conjunto 45, que foi suspenso horas depois de sua publicação. É inegável que a simples gravação dinamiza a audiência, embora eu prefira a boa e velha transcrição para facilitar o meu trabalho ao sentenciar. 

Mas a questão gerou um debate desnecessário entre magistratura e advocacia, pois em outros ramos do Judiciário a solução se dá pela adoção de programas que degravem automaticamente ou pela degravação terceirizada. Não vejo como esse serviço possa ser repassado ao advogado, por ser obrigação do Estado, mas também não entendo como esse serviço mecanizado de transcrição seja obrigação do magistrado, cujo papel precípuo é pacificar o conflito, e não operacionalizar registros. Será tão difícil assim licitar em busca de programas que resolvam a questão? Ou a tecnologia só interessa na hora de terceirizar trabalhos e despesas?

Enfim, retomo a pergunta: estamos brincando de fazer processo?

Autores

  • é juiz do Trabalho substituto, juiz auxiliar na 3ª Vara do Trabalho de Santo André, mestre em Direito do Trabalho, escritor, autor do livro "Acidentes de Trabalho no Esporte Profissional", da editora LTr, e professor universitário e de cursos preparatórios para concursos.

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