Opinião

Spacs: o fenômeno das sociedades 'cheque em branco'

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23 de julho de 2021, 16h06

Já conhecidas no exterior, as tão faladas companhias de propósito específico de aquisição (Spacs, sigla em inglês para Special purpose acquisition companies) ingressam no mercado de capitais brasileiro com o propósito de transformar o aquecido — porém lento e incerto — processo de ofertas públicas iniciais, os IPOs.

Tratam-se de sociedades não operacionais, recém-constituídas por gestores (os sponsors) que fazem captações financeiras na bolsa de valores para depois buscarem aquisições. Daí o apelido de sociedades "cheques em branco": o alvo do investimento é desconhecido em um primeiro momento, ou seja, primeiro faz-se o levantamento do capital para que, em seguida, os sponsors possam buscar sociedades "candidatas" às aquisições. Por isso é tão importante que as Spacs tenham gestores de confiança e com credibilidade: eles irão receber aportes de investidores que sequer sabem qual empresa será comprada, sem qualquer garantia de retorno, na expectativa de que os sponsors encontrem ativos com preços atrativos.

Em um cenário de juros baixos, alta liquidez e necessidade de recuperação do mercado pós-pandemia, as Spacs têm aparecido como uma interessante alternativa para que investidores possam aproveitar as curtas janelas de oportunidade do mercado para captar recursos. Tais sociedades têm como "propósito específico" procurar uma sociedade de capital fechado para ser adquirida com os recursos do IPO e posteriormente sofrer incorporação, de modo que o produto final é uma sociedade operacional de capital aberto. Ou seja, sob a ótica das potenciais targets, as Spacs servem como um mecanismo para que empresas ainda não preparadas para abrir o capital possam fazê-lo de forma simplificada, sem cumprir todos os requisitos normalmente exigidos em termos de contabilidade e governança, entre outros.

Nesse contexto é que as Spacs tendem a ganhar adeptos rapidamente no Brasil, considerando que investimentos no país têm como pano de fundo um cenário de incerteza econômica e política constante, o que faz com que o contexto mude com frequência maior do que a desejável. Daí a importância de os sponsors estarem em uma estrutura menos engessada — a cada janela de oportunidade, faz-se a capitalização e, por conseguinte, a aquisição de ativos que sirvam ao propósito específico de investimento daquela Spac.

Cabe lembrar que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda não possui regulamentação específica para as Spacs e o prazo para manifestações na consulta pública iniciada em fevereiro de 2021 findou-se no início deste mês de julho. A expectativa é que nos próximos meses a CVM tenha um projeto pronto para regulamentação.

No âmbito da CVM, discute-se, entre outros, qual será a estrutura jurídica e legislação aplicável a essas sociedades (se sociedade anônima ou fundos de investimento em participações, por exemplo) e quem serão os investidores (se qualquer perfil de investidor será aceito ou se o acesso será permitido apenas a investidores qualificados — conceito este que tem inclusive sido repensado na CVM). De todo modo, mesmo sem regulamentação, o mercado avalia que há ao menos 20 startups candidatas para futuras Spacs, que poderão receber uma estrutura pronta para serem listadas em bolsa — ou seja, um pré-IPO, já contratado.

Ainda que o cenário seja de otimismo, alerta-se ao fato de que investir em Spacs pode ser mais arriscado do que entrar em um IPO tradicional de uma sociedade que cumpra todos os requisitos regulatórios hoje necessários. Isso porque, sendo a Spac uma sociedade não operacional, apesar de o processo de IPO ser menos burocrático, a sua estrutura será usada justamente como uma forma de captação sem que ela precise passar por todas as exigências do mercado formal. Em outras palavras: faz-se o IPO da Spac e usa-se a sua estrutura para comprar uma target que, por si só, não atenderia a todos os requisitos do mercado para abrir capital na bolsa.

Em um cenário de muitas teorias e poucas certezas, o que se tem a fazer é acompanhar o modus operandi das Spacs no exterior para que dessas operações o investidor brasileiro possa extrair orientações, pontos de melhoria e maiores informações de mercados de maior atividade e sofisticação.

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