Demissão em massa

Juíza critica reforma trabalhista, mas nega reintegração de funcionários da Fogo de Chão

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22 de julho de 2021, 18h59

A reforma trabalhista de 2017 autorizou as demissões coletivas sem acordo, convenção ou autorização prévias. Com esse entendimento, a 7ª Vara do Trabalho de São Paulo negou pedido de reintegração de funcionários demitidos em massa.

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Justiça nega reintegração de 255 funcionários demitidos pela rede de churrascarias Fogo de Chão
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Trata-se de ação civil pública, interposta pelo Ministério Público do Trabalho, contra a rede de Churrascarias Fogo de Chão. Segundo o MPT, a empresa dispensou 255 funcionários no estado de São Paulo sem negociação coletiva, participação sindical e pagamento das verbas rescisórias.

O Ministério Público destacou que a rede de churrascarias pertence a um grupo com grande poder econômico, com atuação em outros países, e teriam condições de arcar com todos os débitos de natureza trabalhista; concluiu dizendo que a conduta da requerida foi ilícita e desproporcional, visto que ultrapassou o poder diretivo do empregador.

Diante deste cenário, o MPT pediu que a Justiça determine a reintegração de todos os empregados dispensados a partir de abril de 2020, em meio a pandemia de Covid-19, com ressarcimento integral das verbas salariais relativas ao período de afastamento.

As rés argumentaram que as dispensas efetivadas no início da epidemia foram lícitas, pois não há imposição legal para que o empregador negocie previamente com o sindicato da categoria. Além disso, alegaram que a pandemia levou o faturamento das empresas "próximo ao zero" e se caracteriza como força maior.

A juíza Juliana Petenate Salles pontou que, quanto a necessidade de prévia negociação coletiva para dispensas coletivas, em 2009 o Tribunal Superior do Trabalho estabeleceu a negociação coletiva como requisito para a validade de demissões em massa de empregados.

Porém, com o advento da Lei 13.467 (reforma trabalhista), as dispensas imotivadas individuais foram equiparadas às coletivas (artigo 477-A); assim, mesmo no caso de dispensas massivas, não há necessidade de autorização prévia do sindicato, nem de acordo coletivo para sua efetivação, afirmou Petenate.

Para ela, é inegável o retrocesso que essa norma representa e suas disposições vulnerabilizam a parte trabalhadora hipossuficiente. De qualquer forma, o artigo 477-A é válido e constitucional, sendo válidas as rescisões contratuais operadas de acordo com a reforma trabalhista.

A magistrada também entendeu não estar configurada abusividade na conduta das empregadoras. Ela lembrou que, no contexto da pandemia, a atividade econômica preponderante desenvolvida pelas requeridas — rodízio de carnes — foi "extremamente" afetada a partir de março de 2020.

"Mesmo considerando a hipótese de as rés adaptarem o serviço ao sistema 'delivery', é de se reconhecer — pela natureza e praxe daquilo que se espera ao procurar um rodízio de carnes — que não teria o mesmo sucesso e resultado (financeiro) que o formato padrão outrora proporcionava", entendeu a magistrada.

Foge da razoabilidade, explicou a juíza, impedir que as requeridas promovam dispensas coletivas, porque não é possível prever nem mesmo quando voltará à normalidade a atividade econômica desempenhada e diante da drástica redução de faturamento.

A decisão reconheceu a legalidade e validade dos atos de demissões praticados e indeferiu o pedido de condenação por danos morais.

Respeito a lei
A advogada trabalhista Mariana Machado Pedroso, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados, ressaltou que a decisão envolvendo a churrascaria está em linha com a atual redação da CLT, que equiparou as dispensas coletivas às individuais, não exigindo qualquer formalidade além do pagamento das respectivas verbas rescisórias. Disse que não cabe ao Judiciário avaliar a pertinência da alteração legislativa, se essa foi sancionada e está em vigor.

Para Rodrigo Marques, sócio coordenador do Nelson Wilians Advogados, especialista em Direito Trabalhista, o momento histórico vivido pela sociedade deve ser considerado nesses casos, pois a empresa verificou que a única possibilidade de manter suas atividades de forma regular e saudável e, inclusive, continuando ativos os demais contratos de trabalho, seria por meio da dispensa de determinado grupo de profissionais.

No mesmo sentido, entendeu Carlos Eduardo Dantas Costa, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Peixoto & Cury Advogados. "É evidente que o negócio da Fogo de Chão foi impactado pela pandemia e, se a empresa chegou à conclusão de que as dispensas eram necessárias, ela deve ter assegurada a possibilidade de exercer seu direito", afirmou.

Entendimento contrário
O MPT também ajuizou ACP contra a empresa Fogo de Chão, por conta das demissões, no Rio de Janeiro. A 52ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro entendeu que a reclamada não precisava de autorização sindical para dispensar seus empregados. Mas, conforme fundamentos constitucionais, como o princípio da dignidade humana, precisava dialogar com o ente sindical, buscando uma saída menos injusta para os empregados. Como isso não ocorreu a dispensa coletiva foi ilegal.

Assim, a justiça carioca julgou procedente o pedido de reintegração dos empregados dispensados coletivamente e fixou indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 17 milhões.

O Tribunal Superior do Trabalho, porém, suspendeu em seguida a reintegração de cerca de 120 funcionários dispensados pela rede de churrascaria no Rio de Janeiro.

"É muito ruim que desligamentos coletivos, as conhecidas 'demissão em massa', sejam equiparados a desligamentos individuais. Entretanto, a reforma — para mim, deforma ou demolição — trabalhista de 2017 fez isso, fragilizando trabalhadores e sindicatos. Assim, dois caminhos se abrem para o judiciário: realizar o controle difuso de constitucionalidade, enquanto não ocorre o controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal  — e até de convencionalidade, quando houver afronta a convenções internacionais ratificadas pelo Brasil — ou aplicar simplesmente a lei. Dizer que um ou outro [caminho] estão errados é difícil. Errada está a legislação infraconstitucional, quando não se conforma, como me parece ser o caso, com a normatividade dos princípios, notadamente aqueles positivados na Constituição", diz José Roberto Dantas Oliva, advogado e juiz do Trabalho aposentado.

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1000630-41.2020.5.02.0007

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