Escritos de mulher

Médicos e curandeiros sem freios

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21 de julho de 2021, 8h00

Todo ser humano, quase sem exceção, em algum momento da vida precisará curar-se de alguma doença ou de algum mal-estar. A regra geral é que as pessoas procurem a assistência à saúde mental e física, para si ou para outrem, com muita frequência, tendo em vista o aumento da longevidade e os problemas físicos e mentais dela decorrentes, além dos desmatamentos, do desequilíbrio ecológico, das epidemias, da poluição ambiental, da falta de saneamento básico, da alimentação muito processada e da superpopulação.

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Alguns médicos são considerados "deuses", amados por pacientes que lhes devem a vida. No entanto, como o ser humano não é perfeito, aliás, muito pelo contrário, a busca pela cura em certas ocasiões desemboca em armadilhas. E o Brasil, por alguma razão ainda não plenamente elucidada, vem mostrando seu lado obscuro e cruel da busca pela saúde.

Foi assim que nos confrontamos com médicos que abusavam e até estupravam mulheres no próprio consultório, sendo que vários casos ficaram muito conhecidos depois da revelação da conduta desses profissionais. Algo estarrecedor, inadmissível e até inimaginável em razão do grau de crueldade que foi relatado pelas vítimas.

O Código Penal Brasileiro prevê várias modalidades de crimes sexuais, entre as quais podemos citar o estupro, a violação sexual mediante fraude, o assédio sexual, a importunação sexual e a corrupção de menores, além de outras formas de agressão. Nunca esperávamos, porém, que tais condutas escabrosas pudessem ocorrer dentro de consultórios médicos, hospitais, templos religiosos e outros locais de "salvação", com tamanha frequência.

Além dos médicos propriamente ditos, o Brasil é pródigo em curandeiros. Podemos considerar que João de Deus tenha sido o mais emblemático desta última categoria, sendo sua conduta suficientemente grave para passar à nossa história, por ter praticado estupros e outros abusos sexuais contra meninas, adolescentes e moças em situação de vulnerabilidade. Da mesma forma que alguns médicos adotaram conduta antiética ao tratar de suas pacientes, aqueles que se apresentavam como tendo o poder de "cura espiritual" se achavam no "direito" de se aproveitar da fragilidade alheia. São pessoas sem escrúpulos, que criaram as condições propícias para atacar clientes angustiadas em razão de enfermidades próprias ou de familiares.

Além das ocorrências envolvendo mulheres que buscavam ajuda médica, psicológica ou espiritual para si mesmas ou para terceiros, ainda se verifica no Brasil o desrespeito do paciente homem em relação à mulher médica ou paramédica. A internet vem se mostrando palco de numerosas reclamações trazidas por mulheres da área da saúde que sofrem abordagens inadequadas ou mesmo agressivas no atendimento a pacientes homens. Uma das envolvidas nesse tipo de situação publicou recentemente no UOL que um paciente de ortopedia, após fazer-lhe insistentes elogios, pediu-lhe que abaixasse a máscara para ele "ver esse sorriso lindo". Embora a médica tenha sido dura contra esse tipo de desrespeito, ela afirma que as brincadeiras de mau gosto continuam acontecendo, da mesma forma que os tratamentos íntimos descabidos, tais como ser chamada de "meu anjo" ou "mocinha". Por sua vez, a farmacêutica de um hospital em Brasília postou na internet que um senhor se dirigiu a ela dizendo: "Embrulhada assim já é linda, imagine descascada". Tendo sido essa a gota d'água para seus nervos, a moça informou que, a partir daí, desenvolveu transtorno de ansiedade e ficou anos sem emprego.

Não há dúvida de que esse tipo de tratamento desrespeitoso, dirigido às mulheres, mesmo que em geral não constitua crime, pode provocar prejuízos psicológicos. Tais fatos podem constituir ofensas a serem ressarcidas na área cível.

O Brasil é pródigo em ocorrências envolvendo mulheres de todas as classes sociais que já sofreram ataques físicos, sexuais, morais e psicológicos, patrimoniais etc., por terem, sem saber, procurado profissionais desrespeitosos em momentos de dor e fragilidade. A falta de educação e de decoro é a regra que nos vem de um passado colonial truculento, espoliador, estuprador e assassino. Está claro que, em nosso país, ninguém defenderá verdadeiramente as mulheres, a não ser que elas mesmas o façam. Temos leis suficientes para a proteção da vida e da integridade da população feminina e muitos agressores vêm sendo punidos nos últimos anos, mas ainda é pouco. Buscamos, agora, que fatos desabonadores de nossa cultura parem de acontecer por uma tomada de consciência da população e pela união das mulheres em torno de seus direitos.

Pessoas que sofreram abusos praticados por parentes, amigos, profissionais da saúde, curandeiros, colegas de trabalho, superiores hierárquicos, treinadores esportivos, professores, chefes ou subordinados não mais devem ficar caladas. Denunciar é necessário, acima de tudo para valorizar as vítimas, punir agressores e colaborar para que outras pessoas venham a ser poupadas.

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