Paradoxo da Corte

Superlativo incremento da advocacia durante a pandemia

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

20 de julho de 2021, 8h01

É truísmo afirmar que muitos negócios comerciais e prestadores de serviços sofreram demasiadamente com a duradoura crise gerada pela pandemia, experimentado prejuízos significativos, em quase todos os cantos do planeta.

Alguns setores da economia, no entanto, resistiram à estagnação do tráfico financeiro, como revelam por exemplo os indicativos do agronegócio, do comércio online de bens de consumo e de alimentação, e, ainda, do exponencial aumento de usuários de serviços de comunicação por meio de plataformas eletrônicas.

Auspiciosa também tem sido em vários países do mundo a demanda por serviços de advocacia empresarial, em particular, nas áreas consultiva e contenciosa. Verifica-se, com efeito, em recente reportagem estampada na revista The Economist (15 de julho de 2021), que muitos escritórios de advocacia dos Estados Unidos, de porte médio e grande, passaram a trabalhar bem mais nos anos de 2020 e 2021, em pleno recrudescimento da pandemia, visto que, na gestão de estratégias corporativas, a imprevisão e a instabilidade do mercado ensejaram que grande número de empresas procurasse levantar capital, fundir-se, comprar sociedades rivais ou ser incorporadas. Múltiplas operações envolveram novas estruturas jurídicas, como empresas de aquisição de propósito específico (spacs), que abriram capital na bolsa de valores para, por exemplo, fazer a fusão com uma startup promissora. Além disso, os problemas decorrentes de contratos que não puderam ser honrados contribuíram igualmente para a judicialização de litígios, visando ao reequilíbrio das posições contratuais. Ademais, também houve e continua havendo ampliação da quantidade de empresas que buscam o caminho da recuperação judicial. Alguns escritórios de advocacia americanos estão tão sobrecarregados, que atualmente têm inclusive recusado clientes!

De acordo com a referida matéria, o jornal especializado American Lawyer noticia que a receita total dos 100 maiores escritórios de advocacia aumentou em média, quase 10% no ano de 2020. Ao mesmo tempo, despesas como viagens e gastos que deveriam ser cobertos pelos clientes praticamente desapareceram. Não obstante, à medida que os Estados Unidos se normalizam e a economia reabre, estas despesas podem começar a crescer novamente, comprimindo as margens do respectivo faturamento.

Os sócios-gerentes dos maiores escritórios estão, portanto, pensando no que vem a seguir. “Mayer Brown está expandindo sua área de recuperação (reorganization) e falência, provavelmente já antevendo o fim dos programas de estímulo do governo que mantiveram até agora a subsistência de muitos negócios”.

Análoga situação se verificou na Itália, em que mais de sete milhões de pessoas físicas e jurídicas recorreram a um advogado no ano de 2020, somente na esfera contenciosa. As controvérsias versaram principalmente sobre disputas relacionadas ao domicílio, condomínio e bens em geral (28,3% dos casos), seguidas de trabalho, previdência e assistência (20%), em terceiro lugar demandas, sinistros e indenizações (11,7%), depois questões criminais (6,2%) e problemas fiscais e tributários (6,2%), cobrança de dívidas (6,2%), responsabilidade médica e de saúde (6,2%).

É interessante notar que, de acordo com o V Rapporto Censis sull’avvocatura italiana-2021, encomendado pela Cassa Forense (Caixa de Assistência da Advocacia Italiana), quase 50% dos italianos que procuraram um advogado o fizeram por meio de videoconferência.

Fusões e aquisições, mercado de capitais e discussões tributárias e trabalhistas e questões sucessórias, originadas pela crise, garantiram, também aqui no Brasil, um movimento satisfatório, acima do comum, para os escritórios de advocacia em 2020, já sinalizando que o mesmo ocorreu no primeiro semestre de 2021. O faturamento em algumas bancas chegou a superar aquele alcançado em 2019. “Terminamos 2020 melhor do que em 2019. Em março eu acharia que isso era uma piada”, assevera Alexandre Bertoldi, sócio-gestor do escritório Pinheiro Neto, um dos maiores do país (cf. Beatriz Olivon, Escritórios de advocacia conseguem faturar mais em meio à pandemia, Valor Econômico, 29 de janeiro de 2021).

E isso, por certo, pelo fato de que o Brasil ultrapassou os 20 milhões de empresas em atividade, marca impulsionada pelo desempenho na abertura de novos negócios em 2020, o ano mais promissor em pelo menos uma década. O tempo médio para abrir novas empresas é outro aspecto positivo para o empreendedor: minimizada a tradicional burocracia, o tempo foi reduzido à metade nos dois últimos anos. Enquanto em janeiro de 2019 era de 5 dias e 9 horas, agora é de 2 dias e 13 horas. Os dados foram detalhados na recente apresentação do boletim anual do Mapa de Empresas pela Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia. Este é sem dúvida um dos importantes fatores que propiciaram maior procura de serviços profissionais de advogado especializado na área de consultoria empresarial.

Já no que se refere à advocacia contenciosa, mais de um ano depois de o vírus ter se disseminado em território brasileiro, com a crise econômica sem precedentes, observou-se considerável ampliação dos litígios em matéria tributária, em virtude da eclosão de novas teses, decorrentes da pandemia, acerca da necessidade de diferimento da exigência dos tributos.

Ademais, tem sido notória a tensão das relações entre locador-locatário, em particular de imóveis para uso não residencial, que acabou gerando expressivo grupo de demandas judiciais. Ressalte-se, nesse particular, que nem mesmo a intervenção estatal, com a edição de legislação emergencial tentando regular as relações ex locato, conseguiu diminuir o ajuizamento de ações correlatas.

Nota-se outrossim relevante crescimento de processos trabalhistas, discutindo questões básicas como pagamento de verbas rescisórias, como multas de 40% de FGTS e aviso prévio aos trabalhadores despedidos em razão das dificuldades pelas quais passam os empregadores. E estas demandas continuam se multiplicando dia após dia.

No âmbito do direito de família e sucessões, igualmente, constata-se vertiginosa ampliação dos casos de divórcio durante a pandemia, como reflexo da convivência diuturna imposta pelo isolamento social. O número de divórcios formalizados em cartórios de notas do país subiu 26,9% de janeiro a maio deste ano, em relação ao mesmo período de 2020. Foram 29.985 separações nos cinco primeiros meses de 2021 contra 23.621 de janeiro a maio do ano passado, segundo os dados revelados pelo Colégio Notarial do Brasil. No campo do direito das sucessões, do mesmo modo, tem ocorrido um crescente interesse por planejamento sucessório e elaboração de testamentos, que superam qualquer marca já registrada.

Segundo informativo das cinco maiores câmaras de arbitragens de São Paulo, 18% foi a média de crescimento da instauração de processos arbitrais no primeiro trimestre de 2021, em comparação com o mesmo período do ano passado.

Destaque-se, por fim, que todo esse amplo panorama bem demonstra a importância do papel do advogado, nos mais variados aspectos sociais, em momentos de grande impacto que afetam a humanidade, a comprovar a instigante narrativa desenvolvida pelo querido amigo José Roberto de Castro Neves, no seu belíssimo livro Como os advogados salvaram o mundo – A história da advocacia e sua contribuição para a humanidade (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2018).

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