Opinião

A lição de LGPD do open banking às empresas

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20 de julho de 2021, 6h05

O cronograma do open banking no Banco Central deu início a uma das principais inovações do mecanismo: o compartilhamento dos dados pessoais de correntistas.

Pesquisa recente indicou que grande parte dos brasileiros não sabe diferenciar open banking de uma nova fintech, do novo horário de atendimento das agências ou de um bufê com bebida liberada. Por outro lado, parcela relevante da população já tem conhecimento dos direitos derivados da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), ao menos sabendo que agora existem alguns novos direitos.

Mas nem as pessoas que realmente entendem da lei de dados, nem os entusiastas do Direito Bancário, se dedicaram com profundidade a tratar do quanto o open banking viabilizou um dos frutos mais positivos da LGPD até o momento.

Essa próxima etapa do open banking justificou analogias pautadas pela comparação com um cadastro positivo. Existe um outro ângulo a ser explorado não só do ponto teórico, contudo, principalmente pelo aspecto prático, que vai além do poder público e setores regulados, mas principalmente por empresas privadas que buscam inovação e diferencial competitivo.

Para entender o raciocínio, vale lembrar que o legislador se acostumou a impor a obediência legal a sanções muito antes de qualquer coisa próxima à existência da psicologia como ciência. Ou seja, infinitamente antes dos experimentos do cão de Pavlov gerarem o estudo objetivo e técnico do condicionamento operante de Skinner (obter conscientemente resultados por reforços ou punições).

A evolução do estudo da psique humana, porém, trouxe uma preocupação legislativa de conseguir resultados com as chamadas sanções premiais, ao invés de sanções punitivas. As lições que Maquiavel foram parcialmente revertidas pela tal gamificação de que hoje tanto se fala. Estimulam-se comportamentos dos cidadãos por vantagens ao invés do medo.

O exemplo mais bem sucedido certamente foi o da Nota Fiscal Paulista, criada pelo governo de São Paulo e replicado por outros estados e municípios. Ao devolver uma parte do tributo ao contribuinte  no que hoje certamente seria chamado de "cashback Paulista" —, o Fisco estadual não gastou dinheiro público. Ao contrário, economizou nos custos com fiscalização e aumentou brutalmente a arrecadação. Até os estabelecimentos mais simples e informais se viram forçados a emitir notas e a se adaptarem ao SPED, por vontade dos seus clientes.

Na LGPD, por outro lado, o mote da obrigação mais visível é o tradicional caminho punitivo. Afinal, trata-se de lei geral de "proteção" de dados. Não por outra razão, há quem compare a atuação dos titulares com àquela dos "fiscais do Sarney" da década de 80. Pessoas que avaliarão o cumprimento da lei pelo bel prazer de punir.

E onde entra o open banking nisso? Simples, em benefício do titular, ele capitaliza o motivo da existência da LGPD: os dados representam um valor econômico.

O correntista deseja pagar suas faturas em dia, manter aplicações por longo prazo, não depender de cheque especial etc. para que um dia possa, talvez, obter um financiamento imobiliário nas menores taxas possíveis. Essa é a razão para que o titular dos dados tenha interesse no tratamento de seus dados pelo banco.

Ora, se esse é o valor do tratamento dos dados, não há razão para que este "patrimônio de informações" não seja usado para ampliar a concorrência entre os bancos e permitir que diferentes instituições tentem oferecer os melhores produtos a um mesmo cliente  como quer o open banking. Repita-se, a razão principal para o consentimento com o tratamento não é a segurança do banco, mas a contrapartida ao titular. São o direito e o desejo dele. Potencializar esse direito é incrível.

Significa dizer que a LGPD no open banking não é usada no seu aspecto negativo (repressivo), mas no seu aspecto positivo (assertivo)  como nas hipóteses de sanção premial. E esse é um ponto que várias empresas poderiam passar a observar.

Dados cujo tratamento dependam do consentimento poderiam ser obtidos com o esclarecimento ao titular de que o resultado da captação e análise poderiam ser transformados em uma espécie certidão ou atestado de relacionamento a ser usado por instituições parceiras. O titular veria um benefício e um prêmio em se relacionar com aquela empresa específica, estimulando esta interação.

É viável acreditar que dados de assiduidade de empregados possam ser usados para melhorar seu score junto a planos de saúde; para que dados de cookies sejam usados para descontos em empresas parceiras de site; histórico de compras em livrarias (ou acessos a bibliotecas) sejam usados como critério de desempate em processos seletivos universitários…

As possibilidades são infinitas, basta que a LGPD seja encarada como feito pelo open banking, não como um inimigo que está pronto para castigar deslizes, mas como uma fonte de acumulação de informações para proveito do titular. Procurar o bem muitas vezes pode recompensar.

Autores

  • é advogado com experiência no contencioso cível estratégico e arbitragem, bem como na área consultiva societária e imobiliária, professor e autor de diversos artigos e livros, especialista em Processo Civil pela PUC-SP, mestre em Direito Constitucional e membro da Comissão Especial de Coaching Jurídico da OAB-SP.

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