Opinião

A resposta do Direito às tatuagens em animais

Autor

  • Camila Lira

    é estudante de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB bolsista de Iniciação Científica (Pibic/CNPQ) e pesquisadora do Laboratório Internacional de Investigações em Transjuridicidade (Labirint/UFPB).

20 de julho de 2021, 20h36

O 20 de julho é considerado o Dia Nacional do Tatuador, pois marca a data em que o tatuador dinamarquês Knud Harald Lykke Gregersen chegou ao porto de Santos, em 1969, dando início à tatuagem artística profissional feita com máquina elétrica no Brasil. Para marcar — perdoe-me o trocadilho — a data, permito-me uma reflexão sobre a tatuagem animal, algo que nos círculos artísticos vem ganhando alguma notoriedade nos últimos anos.

A tatuagem em animais pode ser encontrada desde 2.000 a.C., quando a antiga civilização egípcia costumava marcar seus rebanhos com as iniciais do proprietário ou o nome de sua fazenda, como um símbolo de propriedade ou de identificação. Apesar do hiato temporal entre o antigo relato histórico e os dias de hoje, a prática de tatuar animais ainda está em voga na sociedade, embora com uma simbologia mais diversa do que as retratadas anteriormente. Tatuagens em animais, seguindo a evolução das tatuagens humanas, passaram também a ser encaradas como formas de expressão individual ou autoral e até mesmo expressão artística, chegando a ser vistas até como como obras de arte.

Paralelamente à evolução da simbologia da tatuagem animal também ocorreu a evolução do próprio Direito Animal, o que levanta a questão ética, ambiental e, principalmente, as hipóteses de maus tratos quando se fala dessa atividade. Diante disso, recentemente a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou uma lei referente à prática de tatuar animais para fins estéticos.

A Lei 3.751/21, de autoria do deputado Carlos Minc (PSB), proíbe a realização de tatuagens estéticas e a implantação de piercings em animais domésticos e silvestres. A proposta altera o Código de Defesa dos Animais do estado, instituído pela Lei 3.900/02, e quem for pego fazendo um dos adereços em cães e gatos, por exemplo, pode pegar até três anos de prisão. Os estabelecimentos comerciais que forem identificados podem ter de pagar multas de até R$ 150 mil, dependendo do número de animais. Em caso de reincidência, a loja pode ser fechada. O deputado Carlos Minc afirma que constatou um crescente número de episódios de tatuagem de animais domésticos e a lei surge como forma de proteger esses animais da dolorosa prática, que pode levar ao adoecimento e à morte dos animais.

Um caso que ganhou notoriedade na internet nos últimos tempos foi o de um russo chamado Aleksandr, que causou enorme polêmica depois de postar a foto do seu gato, da raça sphynx (conhecido por não ter pelos), tatuado nas redes sociais. O gato Demons tem pelo menos quatro tatuagens relacionadas ao universo gangsta, todas feitas pelo seu tutor, que garante que o gato se recupera bem após as agulhadas e a anestesia.

O Brasil também esteve envolvido em polêmica semelhante quando um tatuador mineiro, conhecido como Jaykson Rockstrok, tutor de uma cadela pitbull, tatuou o animal e postou vídeos e fotos na internet da tatuagem, admitindo ter feito o procedimento no animal por puro desejo estético. Apesar de garantir que o animal foi anestesiado e que a atividade foi feita com um veterinário presente, Jackson foi alvo de retaliações, tendo de excluir a foto da tatuagem do animal e também desativar sua conta na rede social.

Outra ocorrência de grande repercussão envolveu o artista Wim Delvoye e sua polêmica obra "Art Farm", na qual tatua porcos com desenhos que referenciam elementos da pop arte. Delvoye é belga, mas comprou uma fazendo na China exclusivamente para criar e tatuar os porcos, principalmente para evitar o Direito Animal presente na União Europeia. Apesar de ser o mais polêmico e conhecido caso da atualidade, Delvoye não é o único a cruzar a linha do Direito Animal em nome de sua agenda artística.

É importante trazer esses casos, visto que os "tatuadores" envolvidos baseiam suas "defesas" e contra-argumentações no princípio da liberdade de expressão, mas os casos representam expressões diferentes e são tutelados por direitos diferentes.

Tatuagens são expressões individuais que representam um valor estético para quem as faz, uma forma de exteriorizar suas personalidades e de se expressar. Já no caso de Wim Delvoye, elas se tornaram uma forma de expressão e manifestação artística que transcende o valor o conceito estético. "Mostro ao mundo obras de arte que estão tão vivas que têm que ser vacinadas… Vivem, mexem, irão morrer. Tudo é real", provoca o belga.

Diante disso, fica claro que o projeto de Delvoye vai além da sua própria satisfação estética, há um trabalho artístico e um desenvolvimento de conceito e expressão artística. Por esse motivo, a discussão sobre o choque entre direito à liberdade de expressão e direito ao meio ambiente saudável cabe somente nesse contexto, na qual há uma manifestação artística envolvida, pois, apesar de controversa, a obra de Delvoye segue o movimento artística de sua época, assim como segue um desenvolvimento do que para alguns é arte e expressão artística. Diferentemente do que ocorre com os casos tutelados pela Lei do Rio de Janeiro.

Já no que toca à lei recentemente aprovada no Rio, a sua tutela está baseada no fato de proteger os animais domésticos e silvestres de devaneios egoístas e superficiais de seus tutores, evitando maus tratos como forma de salvaguardar o Direto Animal e, consequentemente, o direito ao meio ambiente saudável previsto na Carta Magna de 1988. Por esse motivo, a lei não atinge o direito à liberdade artística, mas envolve a repreensão de tutores que exploram seus animais por mero deleite estético próprio.

Outros estados seguiram a tendência da lei. No Distrito Federal também foi sancionada lei com o mesmo teor no mês de abril, proibindo a realização de tatuagens e colocação de piercings permanentes em animais com fins estéticos, de autoria do deputado Daniel Donizet (PL). A prática ficou equiparada a maus tratos, constando com multa de até cinco salários mínimos por cada tatuagem feita e piercing aplicado. A lei do Distrito Federal vai além da lei aprovada no Rio e inclui todos os animais, e não só os domésticos.

A letra da lei se encontra sucinta sobre o assunto:

"Artigo 5º-A — Considera-se abuso ou maus-tratos contra os animais, entre outras condutas cruéis;
XXXV — a realização de tatuagens e a implantação de piercings em animais domésticos e silvestres".

Questões mais complexas acerca da tatuagem para identificação estão a depender das análises doutrinárias e jurisprudência dos tribunais do estado do Rio de Janeiro.

Como citado anteriormente, a prática de tatuar animais como forma de identificação e de rastreamento é ancestral, principalmente para animais de rebanho. Mas quando se trata de animais domésticos há inúmeras alternativas mais responsáveis e recomendáveis para essa finalidade, como coleiras, chips e rastreadores. Além disso, diante das falas dos responsáveis pela criação da lei fluminense e da análise do Código de Defesas dos Animais do estado, a finalidade é punir os tutores que usam a tatuagem em animais para fins estéticos, fúteis, que por meros devaneios submetem seus animais domésticos aos riscos inerentes aos processos de sedação, a probabilidade de infecções durante o processo de cicatrização, queimaduras e irritações crônicas.

Antes de concluir, é importante clarificar que a lei sancionada no Rio de Janeiro é um avanço para a compreensão de práticas cruéis envolvendo animais e seus tutores, assim como para o Direto Animal brasileiro, que segue a passos lentos em comparação a outros países. No estado de Nova York, por exemplo, lei de conteúdo semelhante à ora analisada foi sancionada já no ano de 2014, proibindo tatuagens e piercings em animais domésticos devido à onda de gatos punks no estado americano. Como exposto, a lacuna para o Direito brasileiro é de quase oito anos, e além disso, o Brasil caiu no ranking de legislação de proteção animal, recebendo nota D no Índice de Proteção Animal, ficando atrás de países como México, Índia e Malásia no ano de 2020. Por esse motivo, o Direito Animal brasileiro necessita de evolução, como a das leis analisadas, para que as marcas deixadas na vida dos animais sejam apenas aquelas relacionadas a garantir sua vida digna, e não marcas de tinta e agulha sobre sua pele.

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    é estudante de Direito do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB, bolsista de Iniciação Científica (Pibic/CNPQ) e pesquisadora do Laboratório Internacional de Investigações em Transjuridicidade (Labirint/UFPB).

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