Anos de chumbo

Condenação por crimes cometidos por agente da ditadura estimula novas ações

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18 de julho de 2021, 16h18

Com o entendimento de que a Lei de Anistia (Lei 6.683/1979), que impede a punição a crimes políticos cometidos de 1961 a 1979, foi julgada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, diversas denúncias apresentadas pelo Ministério Público Federal contra agentes da ditadura foram rejeitadas nos últimos anos.

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Condenação de agente da ditadura renova discussão sobre anistia dos acusados por crimes no período

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Mas uma decisão recente da Justiça Federal de São Paulo pode dar novo fôlego a essas denúncias. Pela primeira vez no país, o juiz Sílvio Gemaque, da 9ª Vara Criminal Federal de São Paulo, condenou um agente da ditadura.

O delegado aposentado do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo Carlos Alberto Augusto, conhecido como Carlinhos Metralha, foi condenado a 2 anos e 11 meses de prisão por sequestro e cárcere privado de Edgar de Aquino Duarte, desaparecido desde 1971.

O juiz seguiu decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, em 2010, obrigou o Brasil a investigar e punir os culpados pelo desaparecimento de militantes políticos na Guerrilha do Araguaia. A decisão ainda deverá ser discutida nas cortes superiores.

Como afirmou a procuradora Eugênia Gonzaga, uma das responsáveis pela chamada Justiça de Transição, que tenta punir crimes da ditadura, para o jornal O Globo, a decisão é um alento, já que a maioria das cerca de 50 denúncias que o MPF apresentou não foram aceitas ou foram julgadas improcedentes.

Com a primeira condenação, o MPF tem esperança de alcançar resultados semelhantes em processos que discutem as mortes ocorridas na Casa de Itapevi, na Grande São Paulo, endereço clandestino usado pelas forças de repressão na década de 1970.

No local, pelo menos oito militantes do PCB foram mortos na Operação Radar, a mesma que levou ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog. O endereço passou a ser o destino de prisioneiros políticos após o fechamento da chamada Casa da Morte, aparelho da repressão em Petrópolis, na Região Serrana do Rio.

O MPF sustentou que não cabe prescrição ou anistia no caso, uma vez que as execuções na Casa de Itapevi ocorreram em um contexto de ataque generalizado do Estado contra a população civil, o que constitui crime contra a humanidade, como sustentou o juiz Gemaque.

Estatuto de Roma
Em entrevista ao jornal O Globo, o jurista José Carlos Moreira da Silva Filho, que foi vice-presidente da Comissão de Anistia, disse que a condenação (de Carlinhos Metralha) é um marco de que a discussão sobre os crimes da ditadura não está enterrada.

O jurista lembrou outro avanço judicial que ocorreu em março, quando o Tribunal Regional Federal da 2ª Região determinou que a Justiça de Petrópolis abra processo contra o sargento Antonio Waneir Pinheiro de Lima, acusado de sequestrar, manter em cárcere privado e estuprar uma militante, Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da Casa da Morte, em 1971. Etienne morreu em 2015.

O TRF-2 entendeu que a Lei da Anistia viola a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Estatuto de Roma, que estabelece que crimes contra a humanidade não são alcançados por prescrição e anistia. O Brasil é signatário de ambos.

Lei da Anistia em discussão
O MPF apresentou em fevereiro deste ano um recurso para levar até o STF a discussão sobre uma denúncia movida contra cinco militares pelo assassinato do então deputado federal Rubens Paiva durante a ditadura militar. No recurso, o órgão pede que a Corte rediscuta a compatibilidade da Lei da Anistia com a Constituição brasileira.

A denúncia foi apresentada em 2014 na Justiça Federal de primeira instância. No fim do ano passado, o STJ acolheu a argumentação da defesa dos militares e determinou o trancamento da ação penal em 1ª instância. O entendimento foi de que o assassinato de Paiva havia sido perdoado pela Lei da Anistia.

O plenário do Supremo chegou a discutir em 2010, em uma arguição de descumprimento de preceito fundamental, a possibilidade de punição a militares acusados de tortura. Por sete votos a dois, o STF entendeu que eles estavam protegidos pela Lei da Anistia.

O tema é pendente no STF depois que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil a apurar e punir crimes da ditadura. Num julgamento de extradição, o ministro Edson Fachin, do STF, considerou que crimes contra a humanidade não prescrevem.

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