Opinião

Sobre restrições à liberdade por vacinas e democracia na França

Autor

  • Sonia Rabello

    é jurista professora colaboradora do Lincoln Institute of Land Policy (EUA) no Programa de Capacitação para América Latina ex-procuradora-geral do município do Rio de Janeiro e professora titular na FDir/UERJ (aposentada).

17 de julho de 2021, 7h13

No último dia 12, o presidente da França, Emmanuel Macron, fez um comunicado aos franceses para dizer, resumidamente, que terminou a fase do incentivo pedagógico à vacinação, passando-se, então, para a fase de restrições sociais ao não vacinados: "Reconhecer a boa cidadania e focar as restrições nos não vacinados, e não em todos". O avanço da variante Delta na França impulsionou esta determinação governamental, no país onde a liberdade é um pressuposto do Estado de Direito, cunhada na moeda do antigo franco francês.

Portanto, faz-se necessário desmistificar a ideia de que a liberdade, como direito fundamental protegido, é uma garantia total e absoluta. Ledo engano. Numa democracia, todas as garantias e direitos, mesmos os fundamentais, são tutelados pelo Estado para uma finalidade social, ou seja, para garantir o bem-estar de todos, e não para que seja somente um direito individual em si mesmo.

No caso específico francês, as restrições agora feitas pelo governo bem exemplificam esses princípios: os que não querem ser vacinados podem continuar sem imunização, mas terão de ficar praticamente reclusos à sua individualidade e à sua casa, privados do convívio social.

Mas, se o indivíduo quiser um convívio social mais amplo, não poderá se autodeterminar quanto à sua não imunização, considerando agora que esse fato pode afetar gravemente toda a sociedade. Por isso, as restrições do Estado aos não vacinados são todas sociais: proibição de frequência aos lugares coletivos públicos e privados como restaurantes, parques de diversões, shopping centers, e uso de transportes de longas distância, a exemplo de trens e aviões. Seguem ainda restrições mais drásticas ao "direito" ao trabalho daqueles que atendem a idosos, doentes e grupos de risco, ainda que particulares, a quem a vacinação é obrigatória, bem como para aqueles que trabalham em hotéis e pousadas.

Na França, algumas dessas medidas  assim como até certo ponto no Brasil , sequer precisam de leis, e podem ser tomadas diretamente pelo Poder Executivo, já que se inserem no dever geral de tutela do Estado quanto ao bem-estar geral da população, no chamado poder de polícia administrativa. Esse poder é dado ao chefe do Executivo como um poder-dever, significando que ele, o Executivo, não só tem o poder de fazê-lo, como também tem o dever.

Portanto, é saudável e verossímil que se acredite que a garantia de liberdade, como princípio fundamental do Estado de Direito, não é total e nem irrestrita. O Estado de Direito, ou seja, o conjunto de regras que determinada sociedade escolheu para reger o seu grupo social, é o limite pactuado à nossa liberdade. Então, nossa grande e maior liberdade é somente a garantia que temos de nos manifestar para escolher aqueles que vão estabelecer as normas para restringir a nossa liberdade em função do interesse geral desse mesmo grupo social. Por isso, toda norma jurídica é em si mesma restritiva da liberdade, e tem necessariamente essa função social.

A liberdade não nasce e nem é criada pela norma; é apenas garantida por ela nos limites em que interessa à sua função social  uma função do que o grupo social acredita ser bom para a sociedade. E é esse o compromisso da democracia, afinal: a garantia da liberdade de escolher quem fará as normas que irão restringir a nossa liberdade individual.

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    é jurista, professora colaboradora do Lincoln Institute of Land Policy (EUA) no Programa de Capacitação para América Latina, ex-procuradora-Geral do município do Rio de Janeiro e professora titular na FDir/UERJ (aposentada).

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