Freios e Contrapesos

Sistema de escolha dos ministros do STF funciona, diz Álvaro Palma de Jorge

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17 de julho de 2021, 9h53

Um dos principais chavões referentes à escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal é o de que o Senado não desempenha papel algum nesse processo: diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, a Câmara Alta brasileira apenas se curvaria à vontade de um imperial presidente da República. Prova disso seriam as supostas sabatinas mornas — com aura de ato meramente pró-forma — a que os indicados são submetidos.

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Advogado Álvaro Palma de JorgeReprodução

Estudiosos do assunto, no entanto, entendem que essa percepção é equivocada. Um deles é Álvaro Palma de Jorge, autor do livro Supremo Interesse protagonismo político-regulatório e a evolução institucional do processo de seleção dos ministros do STF, em que analisa em detalhes a composição da Corte desde o início da República. "Porque a mera existência do poder do Senado de derrubar um nome faz com que o presidente tenha uma tarefa anterior, de ir ao Senado para convencê-lo de que aquele nome é palatável", afirmou, em entrevista à ConJur.

A indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal — feita pelo presidente Jair Bolsonaro nesta semana — poderá fornecer novos elementos para a compreensão da dinâmica entre presidente da República, senadores e outros atores envolvidos no processo. Além de trazer à baila uma antiga discussão: quais são os critérios corretos para tais indicações? 

Para de Jorge, a resposta é que o atual modelo é válido e tende a ser aperfeiçoado. "Há muito espaço para ser aprimorado, tanto do lado das práticas do Senado quanto do lado das práticas do presidente, e eu desgosto bastante da ideia de que, gostando ou não do presidente, você retire da mão do chefe do Executivo, eleito pela maioria da população, uma prerrogativa para jogar para dentro de uma corporação de ofício qualquer. Essa para mim é a resposta errada para todos os problemas que se apontam lá", disse ele — para quem o atual sistema está funcionando e vem sendo aperfeiçoado desde a Constituição de 1988.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista

ConJur Como o senhor analisa a questão da escolha dos ministros do Supremo no Brasil?
Álvaro Palma de Jorge  Se você olhar historicamente, o nosso processo de escolha é semelhante, diria praticamente idêntico, do ponto de vista formal, ao processo que acontece nos Estados Unidos. Isso tem a ver com a nossa inspiração na primeira Constituição Republicana, principalmente no trabalho do Ruy Barbosa, que se inspirou no modelo institucional norte-americano e trouxe para cá uma série de instituições constitucionais previstas na Constituição Americana.

A primeira organização do Governo Provisório Republicano, ainda falando sobre a estruturação da Justiça, se referia aos Estados Unidos como um país para se buscar inspiração, quando houvesse aqui lacuna nas leis. Isso reflete uma ideia ou conceito de separação de poderes, ou um modelo de freios e contrapesos. A escolha do ministro que vai para o órgão do Judiciário depende da indicação do chefe do Executivo e da casa mais alta do Congresso Nacional. É o que os americanos chamavam de checks and balances em funcionamento, não é a vontade singular do presidente, não é só o Senado.

Esse modelo, principalmente depois da Constituição de 88, sofreu muitas críticas, porque houve sempre a preocupação de que a pessoa que fosse para o Supremo acabasse por não ter a independência necessária para atuar ou que fosse agir muito próximo ao presidente, e assim por diante. E, por conta dessas políticas, surgiram diversas propostas de emenda constitucional para modificar a forma de escolha.

ConJur Mas nenhuma prosperou até hoje.
Álvaro Palma de Jorge Nenhuma prosperou até hoje. Eu te confesso que sou simpático à ideia de deixar esse modelo funcionando mais algum tempo.

ConJur Por quê?
Álvaro Palma de Jorge  Porque nos Estados Unidos, que é a nossa comparação, também se diz que o modelo funciona melhor, e a verdade é que o modelo está funcionando de forma contundente há mais tempo. Principalmente desde a década de 60, quando Nixon chegou ao poder. Ele foi o primeiro presidente americano a colocar na pauta eleitoral o tema de escolha de juiz. Porque ele veio com a história do law and order. tinha a corte de Warren, na década de 50, que era uma corte muito progressista, uma corte defensora de direitos e o Nixon, na convenção em que o nome dele foi confirmado para a candidatura a presidente, disse: "Está na hora de escolhermos juízes alinhados com a ideia de law and order". A ideia é que a interpretação da Constituição deve ser uma interpretação restritiva, e não expansiva, mais formal. "Quem estiver na Suprema Corte está escrevendo a Constituição", disse Nixon.

A cada escolha de ministro, existia um debate sobre qual é a visão daquele sujeito, porque ele vai preencher o conteúdo da Constituição. O processo amadureceu durante esse tempo, fazendo com que o Senado desse indicações ao presidente do perfil de candidato que seria aceito ou não. Muitas coisas importantes surgiram desses debates nos Estados Unidos. Por exemplo, a primeira vez em que assédio sexual no ambiente de trabalho ganhou uma dimensão de debate nacional e internacional foi justamente na indicação do Clarence Thomas (ex-juiz da Suprema Corte).

Então, o processo de escolha tem um potencial muito interessante de controle. Não é verdade o que se presume, de que todo mundo que o presidente indica é aprovado sem maiores jurisprudências. Porque a mera existência do poder do Senado de derrubar um nome faz com que o presidente tenha uma tarefa anterior, que é o que está acontecendo no momento, de ir ao Senado para convencê-lo de que aquele nome é palatável.

ConJur Já houve casos notórios de recusa do Senado em aceitar um nome indicado?
Álvaro Palma de Jorge  No Brasil a gente teve alguns casos, mas foram no governo Floriano Peixoto. O que aconteceu é que a Constituição sequer previa a necessidade de haver de conhecimento jurídico. Ele chegou a enviar nomes de engenheiros e médicos. Desde então, não há registros de negativa, mas qual é a relevância disso?

A verdade também é que até 1988 ninguém se importava com isso. Passamos por vários períodos ditatoriais, tivemos o período grande do Vargas, e, em períodos ditatoriais, as coisas são por natureza fechadas, pouco transparentes, e o Judiciário não tem esse poder todo de enfrentar os ditadores. De modo que não faz tanta diferença, nesses períodos, se você tem um juiz com um perfil mais A, mais B ou mais C. Se se está vivendo em um regime de força, o ministro é aposentado compulsoriamente quando "necessário", como aconteceu aqui.

Também não era tão necessário se ter esse foco sobre a indicação do ministro porque o Supremo não mandava tanto no país quanto passou a mandar em 88, no momento em que a Constituição se ampliou bastante. E temos hoje o maior período de democracia da nossa história republicana fazendo com que as instituições funcionem normalmente. Assim, temos visto corriqueiramente o Supremo Tribunal Federal se postando como um limite à atuação tanto do Legislativo quanto do Executivo.

ConJur O senhor diz no seu livro que existe uma crítica de que as sabatinas no Senado funcionam mal. Por que existe essa percepção?
Álvaro Palma de Jorge  Eu acho que elas vêm progressivamente melhorando, e sendo modificadas. Se você pegar, por exemplo, as sabatinas lá atrás do ex-decano da Corte, do ministro Celso Mello, ela durou cerca de meia hora. Se você for olhar as transcrições daquelas sabatinas antigas, eram meramente um momento festivo, rito de passagem, celebrava o currículo do candidato, e não havia nenhuma pergunta mais contundente sobre a visão de mundo daquele candidato. Então essa era uma crítica verdadeira, mas se examinarmos a evolução das sabatinas, ela demonstra que o processo precisa permanecer mais um tempo assim. Estamos amadurecendo nesse processo. O Brasil não viveu do ponto de vista do regime democrático, de continuidade, por muito tempo, a utilização desse processo de forma livre e com o Supremo no papel que tem hoje, ou seja, um papel de relevância que não tinha, pelo menos da mesma forma anteriormente. O Senado está aprendendo. Veja que nesse caso da indicação do advogado-geral da União, está indicado o nome, mas ainda há incerteza sobre a aprovação.

ConJur Ainda há dúvidas.
Álvaro Palma de Jorge Isso não era a regra; por mais que o presidente entendesse que ia enfrentar eventual oposição no Senado, a verdade é que os nomes foram aprovados. Hoje, quando entra a incerteza nesse jogo, na minha opinião quer dizer o seguinte: já está funcionando.

ConJur — Qual sua opinião sobre o atual critério de escolha do indicado ao Supremo? 
Álvaro Palma de Jorge   Não é uma escolha de qualquer pessoa, a gente está falando da escolha do presidente da República, eleito pela maioria da população. E segundo: estamos falando de uma escolha que é condicionada, é uma escolha com que o Senado pode concordar ou pode não concordar. Quando a Constituição de 1988 foi promulgada e as medidas provisórias começaram a ser utilizadas, houve um movimento muito grande para falar sobre abuso, reedição de medida provisória indevidamente, medida provisória sobre qualquer assunto. Um dia o Supremo falou assim: "Olha, não é para qualquer assunto. Se o Congresso rejeitar a medida provisória, você não pode reeditá-la no dia seguinte". Aí o que é que aconteceu? Claro, teve um período que o Senado aprendeu, ou o Congresso aprendeu que poderia e usou a sua prerrogativa para emendar a Constituição e dizer assim: "Olha, a medida provisória, agora tem um regramento especial, tem que mudar isso, não pode ser sobre qualquer matéria, não pode ser sobre matéria penal, não pode ser isso e não pode ser aquilo…" O que ele fez? Ele exerceu seu papel constitucional. Assim, o processo é tão bom na medida em que os atores desempenham seu papel constitucional. O papel constitucional do Senado é efetivamente controlar essa vontade unilateral do presidente. Claro que se o Senado não controla e simplesmente aprova o nome, como costumava ocorrer, sem maiores debates, evidentemente que você diminui a qualidade do processo, mas o potencial está lá.

ConJur Existem algumas propostas para mudança nos critérios de escolha, como fazer lista tríplice ou escolher entre determinada categoria profissional. O senhor acha que isso prospera? Ou o modelo que está aí vai continuar existindo, mas se aperfeiçoando cada vez mais como o senhor fala?
Álvaro Palma de Jorge  Eu não consigo antecipar por quanto tempo o modelo permanece e quando o Congresso tenderá a mudá-lo. A preocupação com essas tentativas de mudança, é que seja uma tentativa de corporações de ofício para disputar poder e escolher quem pode ir para o Supremo. Você transfere essa escolha discricionária de um presidente, gostando ou não, eleito pela maioria da população, e vai jogar para dentro de instituições não eleitas, muitas vezes, em que o processo vai ocorrer de forma muito menos transparente. Mal ou bem há um elemento democrático na escolha pelo presidente da República, que pode ser efetivamente barrada por uma boa atuação do Senado.

ConJur — Esse modelo de escolha que temos hoje tende a permanecer, mas evoluindo conforme a situação política?
Álvaro Palma de Jorge Eu defendo que esse modelo deva permanecer assim por pelo menos mais algum tempo, porque ele ainda está na sua adolescência, a gente está com trinta e poucos anos de Constituição, e talvez nos últimos quinze é que esse tema tenha ganho efetivamente a atenção devida. Portanto, eu acho que há muito espaço para ele ser aprimorado, tanto do lado das práticas do Senado, quanto do lado das práticas do presidente. Não gosto da ideia de que, gostando ou não do presidente, se retire da mão do chefe do Executivo, eleito pela maioria da população, uma prerrogativa para jogar para dentro de uma corporação de ofício qualquer. Essa é a resposta errada para todos os problemas que se apontam por lá.

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