Olhar econômico

Adequada tipificação penal reduz prejuízo à economia e ao consumidor

Autor

  • João Grandino Rodas

    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP da qual foi diretor mestre em Direito pela Harvard Law School mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

15 de julho de 2021, 11h17

Por sua necessidade de adaptação às necessidades sociais, a mobilidade urbana está sempre em permanentemente mutação. Nesse contexto, a locação de veículos é, ao mesmo tempo, um serviço necessário e um mercado promissor no Brasil. Tal setor é composto por algumas empresas de grande porte que, sozinhas, possuem 953 pontos de atendimento e frota aproximada de 590 mil carros e por centenas de outras, de médio e pequeno porte; espalhadas em todos os estados brasileiros.

Spacca
Assim como em outros segmentos, o setor de locação de veículos sofre a ação criminosa especializada de furto de veículos, conforme amplamente noticiado pela imprensa. Organizações criminosas locam e retiram os veículos das locadoras, mediante a apresentação de documentos válidos (cartão de crédito e Carteira Nacional de Habilitação ou CNH) e, durante a vigência contratual, desconectam o sistema de rastreamento, impossibilitando na prática qualquer ação de recuperação por parte das locadoras. A desconexão normalmente ocorre na proximidade da fronteira de países vizinhos, como Bolívia e Paraguai.

De acordo com levantamento junto à duas grandes locadoras, nos últimos anos, 3 mil veículos locados tiveram sistema de rastreamento desconectado. Apenas 30% deles foram recuperados, tendo havido prejuízo de R$ 100 milhões, considerando-se apenas o valor médio de mercado dos veículos, sem computar diárias de locação não pagas e eventuais lucros cessantes pela indisponibilidade do carro para novas locações.

Examinando-se as respectivas ocorrências, percebe-se que as autoridades policiais divergem na tipificação do fato: 1) apropriação indébita (artigo 168 do Código Penal); 2) estelionato (artigo 171 do Código Penal); ou ainda 3) mero desacordo comercial. No último caso, o registro da ocorrência em delegacia é negado, sob o argumento de se tratar de assunto próprio da área cível, impossibilitando qualquer restrição de circulação (barreira policial ou radar eletrônico) do veículo furtado no território nacional.

Lembre-se, ademais, que mesmo sendo o fato tipificado como apropriação indébita ou estelionato, não é permitida a inclusão de restrição em cadastro nacional, como o Infoseg (restrito apenas a casos de roubo e furto), do Conselho Nacional de Justiça, que, ensejaria a apreensão do veículo no território brasileiro, uma vez lavrado boletim de ocorrência. Ou seja, a controvérsia em relação à tipificação dos crimes e a dificuldade no registro das respectivas ocorrências acabam facilitando e servindo de incentivo à atividade criminosa.

As organizações criminosas responsáveis pela prática do crime de furto de veículos de locadoras subdividem-se em grupos com funções específicas no intuito de atingir, passo a passo, sua finalidade  o furto qualificado de veículo mediante fraude  : 1) locação do veículo; 2) desconexão do sistema de rastreamento; 3) distribuição dos veículos; 4) desmanche e comercialização das peças; 5) logística para a utilização de estradas em região de fronteira não fiscalizadas (mormente Bolívia e Paraguai).

Importante destacar que, no ato da locação, estando presente o animus de se apossar de coisa alheira móvel, nasce a possibilidade de caracterização como furto qualificado, nos termos do §4º, do artigo 155, do Código Penal. Aquele que se passa por cliente, aparentemente idôneo e se utiliza de fraude e da desconexão de rastreadores para atingir seu objetivo, incide, portanto, em furto qualificado.

No furto mediante fraude, o objetivo principal do agente é, desde o início, subtrair um bem, valendo-se de plano ardiloso para que seja reduzida a vigilância da vítima, deixando seus bens desprotegidos. Apesar de haver alguma semelhança na conduta acima, não se trata de estelionato. Nesse sentido, a doutrina de Guilherme de Souza Nucci: "O cerne da questão diz respeito no modo de atuação da vítima, diante do engodo programado pelo agente. Se este consegue convencer o ofendido, fazendo-o incidir em erro, a entregar, voluntariamente, o que lhe pertence, trata-se de estelionato; porém, se o autor, em razão do quadro enganoso, ludibria a vigilância da vítima, retirando-lhe o bem, trata-se de furto com fraude".

Maior segurança das locadoras e o enfraquecimento das organizações criminosas depende da pacificação do adequado entendimento como crime de furto qualificado, quando houver desconexão do sistema de rastreamento de veículos, o que possibilitará: 1) responsabilização penal mais severa dos seus autores; e 2) inclusão de restrição de circulação dos veículos furtados, em todo o território nacional; o que ensejará recuperação de maior número de veículos e reduzirá os impactos econômicos para o setor; que, em última análise, acaba suportado pela economia nacional, pelos consumidores e pela sociedade como um todo.

Autores

  • Brave

    é presidente e coordenador da Comissão de Pós Graduação Stricto Sensu do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e Sócio do Grandino Rodas Advogados. Desembargador Federal aposentado do TRF-3 e ex-reitor da USP. Professor Titular da Faculdade de Direito da USP, da qual foi diretor, mestre em Direito pela Harvard Law School, mestre em Diplomacia pela The Fletcher School e Mestre em Ciências Político-Econômicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!