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Faria: A ADI 5529 e seus impactos na autoridade concorrencial

15 de julho de 2021, 19h16

Por Luísa Campos Faria

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O aguardado julgamento da ADI 5529, que tratava do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI), Lei nº 9279/1996, foi encerrado no dia 12 de maio e o referido dispositivo foi considerado inconstitucional por nove dos 11 ministros da casa, que acompanharam o entendimento do relator, ministro Dias Toffoli, restando vencidos os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. O parágrafo único do artigo 40 da LPI concedia a denominada extensão automática da vigência de patentes em casos de demora na análise do processo.

A previsão, uma espécie de remédio conferido pelo ordenamento ao problema relativo ao backlog de patentes, trazia em sua redação que "o prazo de vigência não poderia ser inferior a dez anos para a patente de invenção e a sete anos para a patente de modelo de utilidade, a contar da data de concessão". O referido dispositivo, portanto, acabava por conferir ao titular de uma patente acréscimo proporcional no tempo de vigência de sua patente de modo a compensar o período relativo entre o depósito e a concessão.  

Na prática, portanto, nos casos em que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) demorasse mais do que dez anos para realização da análise do pedido da patente, o período de vigência desse direito poderia ser exercido por tempo superior aos 20 anos inicialmente concedidos pelo ordenamento. Assim, se o INPI demorasse, por exemplo, 12 anos analisando determinado pedido, a patente referente àquele pedido teria vigência equivalente a 22 anos, e assim sucessivamente, sem que houvesse um limite legal para tanto, deixando os jurisdicionados à mercê do tempo depreendido pelo INPI.

Embora o INPI tenha lançado um plano de combate ao backlog de patentes e venha apresentando resultados extraordinários ao longo dos últimos dois anos, a fim de coibir a demora na análise das patentes submetidas a seu escrutínio — trabalho este inclusive ignorado no voto do ministro relator —, fato é que a previsão de extensão automática realizada por meio do parágrafo único do artigo 40 caiu, e o prazo de vigência das patentes de invenção concedidas no Brasil agora se limita a 20 anos, e as de modelo de utilidade, a 15 anos.

A indefinição relativa ao prazo máximo de vigência, desta feita, trazia algumas questões ao Judiciário e, também, à autoridade concorrencial brasileira. A patente, em se tratando da concessão do direito de propriedade e de uso exclusivo — de monopólio, portanto — por sobre uma invenção por período determinado, tem-se que a vigência e o período de vigência destas acarretam consequências para todo o mercado relevante ao qual determinada invenção ou modelo de utilidade se refere. Nesse sentido, e tendo em vista os benefícios econômicos relativos à exploração desse direito de exclusividade, muitos são os processos judiciais iniciados a fim de discutir a validade e a legalidade da vigência de uma patente nos mais diversos mercados. 

A autoridade concorrencial, nessa seara, costuma entrar nas controvérsias acerca do prazo de vigência de patentes para tratar de condutas relativas ao sham litigation — ou abuso de direito de petição. Instituto ligado o Direito norte-americano, a conduta de sham estabeleceu-se pela análise de cinco casos principais: 1) Eastern Railroad Presidents Conference vs. Noerr Freight Inc.; 2) United Mineworkers of America vs. Pennington, que gerou a doutrina Noerr-Penington, segundo a qual o direito de petição deveria ser protegido ainda que o exercício deste prejudicasse a livre concorrência ou servisse à consolidação de poder de mercado; 3) Walker Process Equipment Inc. vs. Food Machinery and Chemical Corporation, que originou a primeira exceção à Noerr-Penington —  a Walker Process Doctrine —, segundo a qual um réu por violação de patente poderia demonstrar que a patente mantida indevidamente constituiria monopolização ilegal ou uma tentativa ilegal de estabelecimento de monopólio; 4) Professional Real Estate Investors Inc. and Kenneth F. Irwin vs. Columbia Pictures Industries Inc., caso em que foi estabelecido o "teste PRE" [1]; e, por fim, 5) USS-Posco Industries vs. Costa Building & Construction Trade Council, que consolidou o "teste USS-Posco" [2], utilizado até os dias atuais como standard para análises relativas a casos envolvendo a conduta de sham.

No Brasil, entre as análises realizadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), merece menção entendimento exarado no voto proferido pela então conselheira Ana Frazão no caso envolvendo a farmacêutica Eli Lilly. A interpretação dada pela então conselheira foi no sentido de que somente se verificaria ilicitude quando ausente a boa-fé nas condutas processuais da representada, notadamente na falta de respeito aos deveres de diligência e lealdade processual. A bem da verdade, os casos envolvendo sham litigation não se limitam a controvérsias relativas ao prazo de vigência de direitos patentários, mas os principais casos analisados pela autoridade brasileira envolvendo em especial o setor farmacêutico parecem girar em torno de controvérsias acerca da aplicação da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996), e da proteção conferida pelos direitos de patente, sejam estas de invenção ou de modelo de utilidade.

Merecem destaque algumas das análises realizadas pela autoridade concorrencial brasileira: O já citado caso envolvendo a farmacêutica Eli Lilly [3], instaurado em dezembro de 2011, a partir de representação feita pela Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos, que resultou na condenação da farmacêutica pela prática de sham litigation. A Eli Lilly estaria impondo barreiras artificiais à concorrência ao ajuizar múltiplas ações judiciais inclusive em comarcas distintas em face do INPI e da Anvisa a fim de obter exclusividade na comercialização do medicamento cloridrato de gencitabina, princípio ativo do medicamento Gemzar, utilizado para o tratamento de câncer. O Cade entendeu que teria havido abuso em razão de a farmacêutica ter omitido do Judiciário informações relevantes a fim de evitar a improcedência de seus pedidos, de maneira com que, portanto, teria havido má-fé ao acionar o Poder Judiciário e não configurando-se a impetração de processos para discutir matéria em que existisse controvérsia relevante.

Controvérsia semelhante serviu de subsídio a investigação aberta contra a farmacêutica AstraZeneca. Arquivada pela Superintendência-Geral, a investigação tratava de suposta prática de sham litigation e estratégias envolvendo o abuso do direito de patente nos mercados de medicamentos à base de: 1) esomeprazol (Nexium, utilizado para tratamento gastrointestinal); 2) quetiapina (Seroquel, utilizado em tratamentos psiquiátricos e de esquizofrenia); e 3) rosuvastatina cálcica (Crestor, utilizado contra doenças cardiovasculares). A investigação, no entanto, foi arquivada pela Superintendência-Geral do Cade, tendo em vista de que a instrução realizada não encontrou indícios de que ações judiciais e processos administrativos impetrados pela AstraZeneca carecessem de fundamento jurídico ou tivessem feito uso da má-fé a fim de ter qualquer sentença tida como procedente, em linha com a jurisprudência do Cade.

Em virtude, portanto, da zona cinzenta desencadeada pela incerteza acerca do período de vigência de uma patente, é comum ter-se, de um lado, uma parte que acredita haver um abuso do direito de propriedade intelectual detido por um inventor, e, de outro lado, players e consumidores interessados no fim desse direito para que possam acessar determinada tecnologia a fim de fornecê-la ou consumi-la. O posicionamento do STF nesse sentido serve como verdadeiro encerramento a controvérsia jurídica relevante e faz com que, a partir do fim do julgamento — 12 de maio, portanto —, não haja controvérsia jurídica ou dúvida razoável envolvendo a aplicação de direitos patentários decorrentes da extensão legal anteriormente prevista pelo artigo 40 da LPI. Mais do que isso, o Supremo ainda procedeu com a modulação dos efeitos da decisão e para o caso de fármacos, a decisão ainda teria efeitos ex tunc. Dessa feita, as patentes já concedidas com a aplicação da extensão perderam seu período adicional, passando a ostentar vigência de apenas 20 anos.

Espera-se, assim, que as análises das condutas relativas ao abuso de direito de patentes e sham litigation ainda em análise possam ser calcadas em maior certeza quanto à abusividade das partes representadas, bem como uma diminuição de processos envolvendo esse tipo de conduta no âmbito do Cade. Com o aumento da segurança jurídica ao fim da controvérsia ganham os órgãos, sejam estes do poder judiciário ou da seara administrativa, e, consequentemente, o jurisdicionado. 

 

Referências bibliográficas
RECENA, Martina Gaudie Ley; LUPION, Ricardo. Breves Reflexões sobre a Aplicação da Sham Litigation. Revista Jurídica Luso Brasileira, ano, v. 4, 2018.

SILVA, Lucia Helena Salgado; ZUCOLOTO, Graziela Ferrero; BARBOSA, Denis Borges de. Litigância predatória no Brasil. 2012.

 


[1] De acordo com o teste PRE, para que uma ação seja considerada sham, devem estar presentes 2 condições: (i) a ação deve ser desprovida de fundamento, não havendo qualquer expectativa da parte autora em efetivamente ter seu pedido julgado procedente, e (ii) deve ser analisado se ação infundada tem o condão de prejudicar os negócios de um concorrente, ou seja, se possui caráter anticompetitivo.

[2] O teste POSCO, por sua vez, instituiu que o sucesso ou os fundamentos legítimos de uma ação não poderiam ser analisados de forma isolado, sendo necessária a adoção de uma visão holística de todas as ações impetradas, no sentido de que o relevante seria entender se a propositura de ações sucessivas teriam objetivos anticoncorrenciais independentemente da controvérsia jurídica aventada.

[3] Processo Administrativo nº 08012.011508/2007-91.