Opinião

Os quatro anos da CLT repaginada

Autor

  • Hélio Gomes Coelho Júnior

    é advogado especialista mestre e professor de Direito do Trabalho pela PUC-PR presidente do Instituto dos Advogados do Paraná na gestão 2017/2019 e da Confederação dos Institutos dos Advogados do Brasil na gestão 2019/2020.

15 de julho de 2021, 7h11

A velha Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), do ano de 1943, nascida na ditadura Vargas, adolesceu, amadureceu e envelheceu servindo a todos os governos da República — de Gaspar Dutra a Dilma, sem exceção, passando, assim, resoluta, inclusive pela ditadura militar —, tendo sobrevivido a três Constituições (1946, 1967 e 1988). Daqui a dois anos fará 80 anos ainda como marco regulatório de uma relação, empresa e empregado, marcada pela reinvenção constante. A CLT ainda regula o trabalho em radiotelegrafia e só há pouco regrou o teletrabalho. É um texto jurássico às gerações de pessoas jurídicas e físicas, millenials ou Z.

Para surpresa de todos, em um ambiente institucionalmente esgarçado, com um Executivo (Temer) e um Legislativo (Eunício e Maia) desacreditados e acuados e com um Judiciário (Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior do Trabalho) ativíssimo, acabou vindo a lume a mais inesperada, extensa e funda revisão da CLT, a partir de uma anêmica proposta (meia dúzia de itens) do Executivo, que o Congresso Nacional aproveitou para, em menos de seis meses, reescrever a CLT.

A Lei n 13.467, de 13/7/17 (DOU de 14.07), veio para modificar notavelmente a CLT.

E, passados quatro anos da sua edição, pois a vigência ocorreu a partir de novembro de 2017, o que se pode constatar?

Os que a maldisseram, erraram.

As associações dos juízes do trabalho (Anamatra) e procuradores do trabalho (ANPT), de modo apriorístico, ou seja, sem experimentação, sentaram a pua e, sem cerimônias, apresentaram 125 "enunciados" — sim, uma centena e um quarto de outra centena — para dizer à cidade e ao mundo que o Brasil não respeitava as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a sua Constituição Federal.

Agiram como bumbo: ressoaram, mas vazios por dentro.

A propósito, no mês passado, o Brasil deixou a short list da OIT que arrola os países que afrontam as suas convenções. O assunto teria passado "batido", não fosse um artigo escrito por um juiz do Trabalho, lotado no Tribunal Regional Federal (TRT) da 1ª Região, Otávio Torres Calvet, e alguns poucos registros em jornais.

Ou seja, quando convém, as associações de classe usam às largas a mídia. Quando não lhes convém, elas se recolhem no auto "cancelamento". Antes bumbo, agora flauta doce.

E as ações diretas de (in)constitucionalidades que estão no STF?

O STF, em um julgamento de relatoria do ministro Fachin, que ficou vencido, julgou duas dezenas de uma só vez para dizer que é constitucional, sim, a CLT que faculta, e não mais obriga, a contribuição aos sindicatos.

Ou seja, confederações, federações e sindicatos perderam a "receita" certa e foram obrigados a sair da "zona de conforto", ou do colinho do Estado, o que tanto agradava ao governo, aos políticos e aos sindicalistas. Os empregados e as empresas sustentaram um grande negócio.

Hoje, no STF, ainda tramita um punhado de ADIs, sendo que a principal deverá ser julgada no próximo mês, após vários e vários adiamentos, qual seja a "validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente" (Tema 1046).

Por outras, o STF dirá se é válida a CLT quando ela diz que a negociação sindical se sobrepõe à lei, quando o direito regulado não está previsto na Constituição Federal.

Minha opinião: os ministros do Supremo, por maioria de votos, dirão que o "negociado vale sobre o legislado" quando o direito não for constitucional.

E os sindicatos?

Juntaram-se, articularam-se e foram inimigos fidagais.

A CLT revisada tirou-os do sonolento comodismo pelo corte das gordas contribuições compulsórias, como acima visto.

Sem as receitas certas, ao natural, desacelerou-se a volúpia de criação de sindicatos. Há um movimento reverso. Os sindicatos tendem à aglutinação de bases territoriais, quando não à própria redução da representatividade, repassando a sindicatos com base estadual ou federações a tarefa.

Se o "negociado sobre o legislado" for avalizado pelo Supremo, sem dúvida que os bons sindicatos, os criativos e competentes, resgatarão o protagonismo e poderão reaprender, inclusive, a arrecadar, fundados em velha premissa: bons serviços adensam as filiações e geram receitas. Repito, a regra vale para os sindicatos obreiros e patronais.

E a Justiça do Trabalho?

A lei que aniversaria, não paire dúvida, tirou da Justiça do Trabalho a capacidade de legislar por jurisprudência (por exemplo, a terceirização só é possível na atividade meio, as normas coletivas não caducam, preposto deve ser empregado) e a obrigou a respeitar o devido processo legal (por exemplo, empresas e sócios não serão arrostados em execuções e não terão seus bens apropriados sem que haja o regular direito de defesa).

Bom dizer que, desde 2017, os tribunais do Trabalho, o superior e os regionais, não se dispuseram a rever o sem-número de súmulas, orientações jurisprudenciais e enunciados, que editaram por anos e décadas, que estão desconforme com a CLT revisada.

Os jurisdicionados, algo como 32 milhões de trabalhadores com carteira e milhares de empresas, continuam aguardando que os juízes façam a operação desmonte, depurando tudo que criaram, interpretando a lei velha ou ocupando espaços que ela deixava, ante a nova normativa legal.

O vagar é um sintoma do desagrado, percebe-se.

Como ao juiz cabe aplicar o Direito posto, e não o suposto, já há novos paradigmas jurisprudentes.

E a advocacia trabalhista?

Também foi chacoalhada, o que era necessário.

Reclamar sem critério pune o reclamante, que deve pagar custas e honorários advocatícios. A parte que mal atua no processo deve ser punida e multada. Os pedidos devem ser apresentados com liquidez.

O número de ações ajuizadas decresceu, ainda que, ano e meio de pandemia e milhões de desempregados por força dela, não se possa precisar o quanto. Mas, sim, diminuiu, especialmente os pedidos formulados em cada ação, que despencaram.

A "reforma" da CLT, sem meias palavras, passou a exigir um profissional mais competente técnica, comportamental e conceitualmente. A advocacia trabalhista foi convidada a um necessário up grade, não sendo equivocado dizer que muitos já a deixaram.

Jurisdição voluntária, arbitragem, empregados autossuficientes, negócios processuais e por aí vai uma nova estrada…

O Brasil, enfim, fez a travessia e alcançou uma normativa trabalhista mais próxima da efetivamente necessária, dado que incentiva a contratualidade entre empregado e empregador, revigora a negociação coletiva, remoça o processo do Trabalho e prudentemente instrui a produção jurisprudencial, e, como cereja do bolo, transmite uma necessária segurança jurídica.

A CLT deixou de iluminar o passado.

Há mais a fazer. Mas não exatamente agora, em um governo que, nos primeiros de seus atos, extinguiu o Ministério do Trabalho, realocando suas atribuições na Economia (Guedes) e na Justiça (Moro). Um sinal claro de que o Brasil pode e deve esperar.

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