Equívocos e ilegalidades na prisão de Roberto Dias
13 de julho de 2021, 6h03
No último dia 7, ao prestar depoimento na CPI da Covid-19 no Senado, o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias foi preso em flagrante por falso testemunho. O presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), após a revelação de áudios que suspostamente desmentiam a versão de Dias, especialmente no ponto em que o ex-diretor afirmava que o encontro com o cabo da Polícia Militar Luís Paulo Dominguetti, em um restaurante de Brasília, teria sido acidental, determinou a prisão em flagrante nos seguintes termos:
Para além do escárnio com a vida humana que representa a suposta venda da vacina Covaxin intermediada pelo cabo da PM mineira, que teve atenção não habitual do Ministério da Saúde, especialmente do ex-diretor Roberto Dias e do ex-secretário executivo coronel Élcio Franco, alguns pontos devem ser esclarecidos em relação a situação jurídica da prisão em flagrante: é possível prender em flagrante por falso testemunho? A prisão do ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias foi correta? O ex-diretor, mesmo estando na condição de testemunha, poderia omitir fatos para não se autoincriminar?
O flagrante traz à mente a ideia de coisas percebidas enquanto ocorrem. Na lição de Aury Lopes Junior, "essa certeza visual da prática do crime gera a obrigação para os órgãos públicos, e a faculdade para os particulares, de evitar a continuidade da ação delitiva, podendo, para tanto, deter o autor". E por que se permite que seja tomada essa medida tão severa de privação da liberdade? Exatamente pelo fato de a prisão em flagrante ser uma medida pré-cautelar, de natureza pessoal, cuja precariedade vem marcada pela possibilidade de ser adotada por particulares ou autoridade policial, e que somente está justificada pela brevidade de sua duração e o imperioso dever de análise judicial em até 24 horas, em que cumprirá ao juiz (na audiência de custódia) analisar sua legalidade e decidir sobre a manutenção da prisão (agora como preventiva) ou não.
Na condição de testemunha, qualquer pessoa pode ser presa em flagrante delito quando descumprir o dever de dizer a verdade, salvo quando a resposta a determinado questionamento possa autoincriminá-la, ocasião em que pode se recusar a responder ou até mesmo apresentar a sua versão para os fatos. Portanto, ninguém está obrigado a praticar ato de prova que lhe possa prejudicar (testemunha é um meio de prova).
Dessa forma, mesmo na condição de testemunha qualquer pessoa pode se recusar a responder quando possa gerar sua autoincriminação. Eugênio Pacelli pontua com precisão que "o direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, insculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio".
Não se pode esquecer que, embora Roberto Dias estivesse na condição de testemunha, é investigado pela CPI, na medida em que teve seus sigilos telefônicos e telemáticos quebrados por determinação da referida comissão. Uma questão importante, subjacente a essa condição, deve ser destacada: a comissão deveria ter informado ao depoente a condição de investigado? Sem sombra de dúvida que sim. A CPI não pode utilizar o estratagema de convocar um investigado na condição de testemunha com escopo de extrair dele informações que poderiam incriminá-lo, sob pena de determinar a sua prisão em flagrante por falso testemunho. Fazendo isso, afrontará direta e visceralmente o direito de defesa, o qual a "não autoincriminação" é um princípio caro e não pode ser sobrepujado por artimanhas jurídico-políticas.
Assim, não há como fugir da abusividade, desproporcionalidade e ilegalidade da prisão do ex-diretor Roberto Dias e deve ser combatida com a máxima veemência pelo Poder Judiciário, para que não haja a banalização dessas medidas restritivas da liberdade pela presidência da CPI da Covid-19.
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