Opiniões de juristas

Presidente da CBF não cometeu assédio moral ou sexual contra funcionária, diz defesa

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12 de julho de 2021, 18h21

O presidente afastado da Confederação Brasileira de Futebol, Rogério Caboclo, pediu à Comissão de Ética da entidade a sua recondução ao cargo e o arquivamento do procedimento contra ele por suposto assédio moral e sexual.

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Advogados dizem que Rogério Caboclo não poderia ter sido afastado da CBF
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Uma funcionária da CBF disse que Caboclo frequentemente trabalha alcoolizado e promoveu piadinhas e intromissões constrangedoras sobre a vida íntima dela na frente de outros funcionários. Também contou que ele lhe fez perguntas sexuais e criticou suas roupas de trabalho.

A defesa de Caboclo, comandada por Fernanda Tórtima, sócia do escritório Bidino & Tórtima Advogados, e Wladimyr Camargos, sócio do Camargos Advogados, afirmou que não houve assédio moral ou sexual — no máximo, deselegância. Segundo a defesa, a funcionária da CBF tinha relação de amizade e intimidade com Caboclo e sua família e comentava aspectos de sua vida pessoal com eles.

A empregada da confederação gravou uma conversa sobre temas sexuais e depois enviou o áudio para a TV Globo, que publicou reportagem no Fantástico sobre o caso. Na conversa, Caboclo contou da vida sexual com sua mulher e perguntou das relações da funcionária, questionando se ela se masturbava.

No entanto, o Laboratório de Perícias Ricardo Molina de Figueiredo afirmou que a versão integral da gravação demonstra que a funcionária incentiva e provoca a continuidade da conversa. E disse que não há demonstração de contrariedade, salvo no último minuto, quando ela já tinha gravado o que queria.

Conforme o perito, ela parece "bem à vontade" com o assunto e reage rindo a algumas falas do presidente afastado. E aponta que em nenhum momento Caboclo fala algo que pudesse ser interpretado como um convite ou pressão para uma relação sexual.

E as gravações são provas ilícitas, que não podem ser usadas para fins de acusação, apenas de defesa, alegaram os advogados do presidente afastado da CBF. Isso porque o artigo 8º-A da Lei 9.296/96, alterado pela Lei "anticrime" (Lei 13.964/2019), estabelece que "a captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação".

Sem assédio
Em parecer, o professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Juarez Tavares opinou que Rogério Caboclo não praticou o crime de assédio sexual (artigo 216-A do Código Penal). O jurista apontou que não houve ato de constrangimento, elemento do delito.

Segundo Tavares, "em se tratando de prática de ato de natureza sexual (conjunção carnal ou ato libidinoso), que é próprio do constrangimento, não se pode compreender por 'vantagem ou favorecimento sexual' uma troca de mensagens eróticas ou indagações sobre a vida sexual da vítima, ainda que isso pode satisfazer o autor".

"Isso quer dizer que a finalidade especial do agente não pode refletir uma mera suposição ou conjectura, senão a manifestação de uma intenção específica. Essa manifestação, assim, deve se dar por meio de expressões que possam indicar, sem rodeios, sob a forma de convites, propostas ou insinuações diretas, o intuito de constrangimento, isto é, o que o agente quer, afinal, alcançar, que é a realização de uma conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso com a vítima", avaliou o professor.

Conforme o jurista, "perguntas íntimas, como se a pessoa se masturba ou não, podem ser grosseiras, deselegantes e até ofender, mas não se refletem em propostas, convites ou insinuações diretas, no sentido da obtenção de um comportamento sexual por parte da vítima, não podem implicar assédio sexual".

Por sua vez, a professora da Universidade de São Paulo Helena Regina Lobo da Costa disse em parecer que o crime de assédio sexual "deve ter sua aplicação restrita a condutas que lesionem a liberdade e a autonomia sexuais da vítima". E, no caso, Caboclo não fez nenhuma proposta, implícita ou explícita, de prática de ato sexual.

Helena também ressaltou que em nenhum momento o presidente afastado da CBF tocou na funcionária. E analisou que ela deu continuidade à conversa.

"A suposta vítima, quanto a esse ponto, participa ativamente da conversa; ri espontaneamente em vários trechos; dá a entender que já havia conversado sobre tais temas anteriormente com o consulente [Caboclo]; confirma a possibilidade de ser feita uma segunda pergunta de natureza íntima e, a seguir, diz estar ficando sem graça. Contudo, apenas expressa claramente seu dissenso e sai da sala após a referida indagação sobre prática de masturbação."

Em outro parecer, os professores Luís Greco e Alaor Leite, da Universidade Humboldt, de Berlim, com colaboração da professora Beatriz Corrêa Camargo, opinam que os fatos não configuram, nem em tese, crime de assédio sexual.

"Enfim, a compreensão de que, em primeiro lugar, o termo 'assédio sexual' abriga variadas acepções, existindo, ao lado de sua conotação cotidiana, política ou moral, uma acepção especificamente jurídico-penal, de conteúdo semântico mais restrito, e de que, em segundo lugar, tanto a interpretação sistemática quanto a própria construção interna do próprio tipo demandam sua restrição a agressões à autodeterminação sexual, conduz-nos inequivocamente à resposta de que o consulente [Caboclo] não realizou os elementos descritos pelo tipo penal do artigo 216- A do Código Penal."

Além disso, a defesa sustentou que o presidente afastado da CBF não cometeu assédio moral ao supostamente chamar a funcionária de "cadelinha do Manoel" e lhe oferecer um biscoito de cachorro. Isso porque Caboclo pediu desculpas a ela, dizendo que queria dizer para ela largar o diretor Manoel Flores, mas falou de "forma errada", por sua "concepção burra e talvez machista".

A defesa também afirmou que Rogério Caboclo não praticou assédio moral ao comentar em tom jocoso, quando entrou na sala, que ela estava noiva do funcionário Tiago Aguiar, que morava com ela.

"Por outro lado, igualmente não está configurada a prática de assédio moral. Em primeiro lugar, porque as situações que se podem reputar como indesejadas foram pontuais. Em segundo lugar, porque não se vislumbra, uma vez considerado o conjunto probatório dos autos, que o defendente tivesse intenção de prejudicar a carreira da denunciante, de menosprezá-la profissionalmente ou, menos ainda, causar-lhe desconforto que gerasse um pedido de demissão", alegou a defesa.

Afastamento irregular
A defesa também destacou que o afastamento de Rogério Caboclo do comando da CBF foi irregular. Afinal, essa decisão só poderia ter sido tomada pela assembleia geral, e não pela diretoria da entidade, conforme o artigo 38 do Estatuto da CBF, opinou em parecer o professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Fabio Ulhoa Coelho.

Até porque Caboclo não teve a oportunidade de exercer seu direito de defesa. Dessa maneira, seus advogados declaram que o afastamento do cargo é antecipação da pena, ordenada por diretores que têm interesse na medida.

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