Opinião

Fornecedores e credores devem redobrar atenção com Lei do Superendividamento

Autor

  • Suzan Raphaellen Franche

    é advogada graduada pelo Centro Universitário Autônomo do Brasil (Unibrasil) e pós-graduada em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar.

12 de julho de 2021, 11h02

No último dia 2, foi publicada a Lei nº 14.181/2021, também conhecida como nova Lei do Superendividamento, por meio da qual restaram alterados dispositivos do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso. A intenção da nova lei é clara: introduzir no ordenamento jurídico brasileiro (mais) mecanismos: 1) de prevenção à situação de superendividamento do consumidor de boa-fé; e 2) facilitadores de negociação  tanto na seara administrativa quanto judicial.

Mas o que configuraria o chamado superendividamento? De acordo com a nova lei, entende-se como situação de superendividamento aquela em que o consumidor se encontra manifestamente impossibilitado de "pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial" (artigo 54-A, §1º).

Há alguns pontos da novel legislação a merecer destaque. No entanto, neste momento destaco os seguintes: a proteção conferida aos idosos na contratação de crédito; e, ainda, a instituição de uma espécie de "processo de recuperação judicial" voltado às pessoas naturais. Vale dizer que esse processo (denominado pela nova lei de "processo de repactuação de dívidas") pode ser instaurado a requerimento do consumidor superendividado com o objetivo de adimplemento das dívidas de forma menos onerosa e sem que haja o comprometimento de seu próprio sustento  decorrência lógica do direito à preservação do mínimo existencial.

Em linhas gerais, é de se reconhecer que existe harmonia entre os preceitos extraídos da Lei do Superendividamento e o restante da legislação brasileira. Veja-se, por exemplo, que essa lei é consentânea com os valores que permeiam o Código de Defesa do Consumidor  que, sabidamente, confere grande proteção à figura do devedor; e também com o prestígio à resolução de conflitos mediante métodos consensuais, traço marcante do novo paradigma inaugurado pelo Código de Processo Civil de 2015.

Em relação à figura do fornecedor, importa atentar-se à disposição contida no parágrafo único do artigo 54-D, introduzido pela novel legislação. É que, na oportunidade da contratação do serviço, caso não haja o fornecimento ao consumidor de todas as informações e documentos previstos em lei, está autorizada a redução judicial "dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original"; além disso, há previsão de "outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor". Ainda que a lei trate, especificamente, nessa hipótese, de contratos de oferta de crédito, não é demais lembrar a possibilidade de aplicação analógica a outras espécies de relação de consumo.

O credor também deve observar com cautela a previsão do §2º do artigo 104-A, que, ao tratar do processo de repactuação de dívidas, estabelece que o não comparecimento injustificado de qualquer credor ou de seu procurador à audiência de conciliação resultará em: 1) suspensão da exigibilidade do débito; 2) interrupção dos encargos da mora; e 3) sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida (esta última consequência somente se o montante devido ao credor ausente for certo e conhecido pelo consumidor). Além dessas consequências, o pagamento ao credor ausente na audiência conciliatória será estipulado para ocorrer apenas após o pagamento aos credores presentes na audiência.

Em resumo, com o advento da chamada Lei do Superendividamento, independentemente dos princípios contratuais e da existência  ou não  de abusividade no contrato firmado no âmbito da relação de consumo, o consumidor de boa-fé (vale frisar) passa a ter em seu favor a possibilidade de saldar as dívidas sem prejuízo de suas condições básicas de existência. De outro lado, é certo que o fornecedor/credor deverá, doravante, agir com redobrada atenção durante e após o estabelecimento da relação de consumo, sob pena de incidência de ônus financeiro que vai muito além do não adimplemento ou do adimplemento da dívida com a redução dos encargos legais decorrentes de qualquer obrigação não cumprida. Não por outra razão, há ainda mais motivos para que as partes  empresas e consumidores  encontrem-se bem assessorados em todas as etapas de negociação e contratação de prestação de serviços e/ou fornecimento de produtos.

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