Opinião

Lavagem de dinheiro e mescla de capitais

Autor

  • André Callegari

    é advogado criminalista pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid professor nos cursos stricto sensu (mestrado e doutorado) do IDP/Brasília e sócio do Callegari Advocacia Criminal.

12 de julho de 2021, 16h09

Uma questão pouco debatida tanto na doutrina quanto na jurisprudência é a relativa à mistura de bens de procedência lícita como os bens de procedência delitiva do sujeito que pratica o crime de lavagem de capitais. Como a Lei 9.613/98 permite o sequestro de bens com a prova indiciária da infração penal (artigo 4º), caberá ao lavador fazer a prova da licitude de sua origem, invertendo-se o ônus probatório.

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Não bastasse esse problema inicial da constrição dos bens com uso de prova meramente indiciária, há outro problema mais grave em relação à contaminação ou não de todo o patrimônio do acusado de lavagem de dinheiro. Existem casos em que o patrimônio foi constituído muito antes da prática do delito antecedente que possibilitou o posterior crime de branqueamento de capitais, devendo-se, necessariamente, fazer essa separação sob pena de penalização injusta do acusado. Porém, na prática, muitas vezes o confisco e a alienação dos bens ocorre sobre a totalidade do patrimônio, sem a devida cautela de verificar se houve a mescla ou não.

Sobre a contaminação e descontaminação por mescla, Palma Herrera se refere aos casos em que um bem de procedência delitiva se mescla com outro que não o é, de maneira que resulta um novo bem, parcialmente ilícito e parcialmente lícito [1].

A mescla pode ocorrer, por exemplo, no caso de investimento de capital ilícito em empresas ou negócios regulares ou do uso na atividade empresarial do dinheiro poupado mediante a sonegação de impostos. Por isso, uma parte da doutrina sustenta que sempre que seja possível identificar a proporção dos bens ilícitos introduzidos no negócio lícito, o confisco deveria restringir-se exclusivamente aos valores de origem ilícito (teoria da contaminação parcial) [2].

A teoria da contaminação parcial indica que o bem mesclado só procede de um delito prévio na parte em que foi financiado por bens procedentes do delito ou seu substitutivos. Nesse sentido, somente poderia ser bem apto para a lavagem de capitais a parte de origem ilegal, e não o resto [3].

De outro lado, há a teoria da contaminação total, isto é, todo o patrimônio do lavador ficaria contaminado pela mescla de bens de origem delitivo. De acordo com essa teoria, o bem que foi obtido com uma parte de origem delitivo deriva totalmente do delito. Portanto, cada parte do bem contaminado procede do delito produzido e tudo sub-rogado que lhe substitui. Dessa maneira, quando a mescla de dinheiro se produz numa conta bancária, esta resultaria "envenenada" em sua totalidade. Essa postura tem como vantagem que se economiza na hora da prova, pois é suficiente a demonstração que uma parte dos bens são de origem delitiva para considerar a totalidade como precedentes de um delito, portanto, aptos para a lavagem; é suficiente provar que um bem mesclado tem sua origem num delito, com independência da quantia ilícita [4].

Oliveira sustenta que o princípio da contaminação total implica uma grave inversão do ônus da prova em prejuízo do acusado, a quem incumbiria provar a origem lícita de seu capital. Por isso, a solução mais adequada para esses casos é o confisco parcial (contaminação parcial); a solução da contaminação total somente estaria justificada quando a mescla de capitais foi precisamente a estratégia empregada pelo lavador para dissimular a origem ilícita [5].

Não pretendemos aprofundar o assunto neste momento, mas do que foi considerado pela doutrina é preciso cuidado no momento do confisco dos bens do lavador de capitais sob pena de injustamente retirar todo o seu patrimônio em face da contaminação total dos bens, quando, na realidade, o critério justo seria o da contaminação parcial. Além de preservar parte lícita do patrimônio que não tem origem delitiva, permite um critério mais equânime no momento do confisco.

 


[1] PALMA HERRERA, José Manuel. Los delitos de blanqueo de capitales. Madrid: Edersa, 2000, p. 363.

[2] OLIVEIRA, Ana Carolina Carlos. Blanqueo de Capitales. Lecciones de Drecho Penal Económico y de la Empresa. Barcelona: Atelier, 2020, p. 651.

[3] BLANCO CORDERO, Isisdoro. El delito de blanqueo de capitales. Pamplona: Aranzadi, 2012, p. 354.

[4] BLANCO CORDERO, Isidoro, ob. Cit,m pp. 350/351.

[5] OLIVEIRA, Ana Carolina Carlos, ob. Cit, p. 651.

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    é advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid, professor titular de Direito Penal no IDP/Brasília e sócio do escritório Callegari Advocacia Criminal.

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