Opinião

O papel do Judiciário na concretização da Agenda 2030 da ONU

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9 de julho de 2021, 13h06

Introdução
Em 2015, os líderes mundiais reunidos nas Nações Unidas elaboraram uma nova agenda para o desenvolvimento sustentável, denominada Agenda 2030. Foi estipulado um conjunto de metas globais que partiram de três pilares fundamentais: a erradicação da pobreza, a proteção do planeta e a garantia de prosperidade para todos. A Agenda 2030, aprovada pela Assembleia Geral da ONU, possui 17 objetivos principais (objetivos de desenvolvimento sustentável, ou ODS), cada qual com as respectivas metas que devem ser alcançadas pelas nações participantes nos próximos 15 anos. A concretização dessas propostas exige um comprometimento amplo e interativo dos governos, setor privado, sociedade civil e cidadãos.

Nos dias 2 e 3 de junho deste ano, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promoveu o 3º Encontro Ibero-Americano da Agenda 2030 no Poder Judiciário, com o objetivo de tratar da institucionalização dos ODS da Agenda 2030.

Nesse evento, foi abordado o protagonismo do Poder Judiciário na implementação das metas relacionadas ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 16 (ODS 16), que coloca em evidência a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas com acesso à Justiça para todos e com instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.

A boa administração do sistema de Justiça de um país pode impactar profundamente seus pilares básicos, com importantes desdobramentos sociais e econômicos. A adequação das soluções perpassa tanto pelo resultado em si como pelo momento correto em que as decisões são proferidas.

Nesse particular, as grandes questões que envolvem a eficiência da Justiça passam, obrigatoriamente, pela ideia de gestão. Outrossim, o uso de ferramentas tecnológicas ganhou força no início dos anos 2000.

O papel do Poder Judiciário para efetivação das metas da ODS 16
O Poder Judiciário brasileiro assumiu um protagonismo relevante na concretização das metas da ODS 16 no país, tendo sido reconhecido como o primeiro Judiciário no mundo a integrar oficialmente os ODS aos seus procedimentos cotidianos. Essa posição de vanguarda serve de referência para toda a América Latina. Em 2018, o Conselho Nacional de Justiça instituiu o comitê interinstitucional destinado a avaliar a integração das metas do Poder Judiciário aos ODS da Agenda 2030 da ONU, bem como preparar um relatório de trabalho com apoio de todos os tribunais.

Entre todas as medidas que estão sendo adotadas, cabe ressaltar as iniciativas que visam a estimular a ampliação do acesso à Justiça através da prevenção no tratamento dos conflitos com foco na consensualidade, da desjudicialização pela construção de soluções autocompositivas e pela incorporação de novas tecnologias na rotina judiciária.

O CNJ tem sido um importante condutor do Judiciário para que os ODS apresentem resultados práticos de transformação na vida das pessoas. Nessa perspectiva estratégica, os tribunais têm agido de forma proativa na identificação dos temas de maior judicialização e definição das matérias que terão um esforço ainda mais específico para o encaminhamento às formas consensuais de solução de conflitos.

Em oportunidades recentes, diversos tribunais brasileiros criaram seus laboratórios de inovação e inteligência e as iniciativas permeiam atualmente todos os ramos da Justiça: estadual, federal, trabalhista e eleitoral.

A respeito da inovação tecnológica, não há dúvidas de que a tecnologia pode tornar a Justiça mais efetiva e com mais qualidade e, por isso, pode ser considerada como uma ferramenta importante para a implementação do ODS 16.

A pesquisa da FGV sobre inteligência artificial
Nesse contexto, em 2020, o Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Poder Judiciário da Fundação Getulio Vargas fez um levantamento de abrangência nacional sobre o uso de inteligência artificial nos tribunais brasileiros.

A amostra da pesquisa mapeou iniciativas no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal Superior do Trabalho, nos Tribunais Regionais do Trabalho, nos Tribunais Regionais Federais e nos Tribunais de Justiça. Trata-se de uma sistematização inédita dos projetos de inteligência artificial em diversas etapas: em desenvolvimento, projeto-piloto e implementados.

Os resultados apontam que cerca de metade dos tribunais brasileiros possui projeto de inteligência artificial em desenvolvimento ou já implantados, na sua maioria, pela equipe interna dos tribunais, bem como a partir de parcerias que estão sendo capitaneadas pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

Com efeito, levando em conta que toda a sociedade foi catapultada para a virtualidade no ano de 2020 (diante da tragédia da pandemia) e com o aprofundamento sem precedentes da tecnologia na rotina coletiva, a produção de tais dados chega em boa hora.

No Brasil, a quantidade de litígios, estimada pelo CNJ no "Relatório Justiça em Números 2020" em cerca de 78,7 milhões, demonstra a existência de espaço e necessidade para aprimoramento das técnicas de gestão dos órgãos, processos e pessoas ligadas ao Poder Judiciário, de modo que inovações adequadas e bem-sucedidas se mostram relevantes para melhorar os impactos econômicos e sociais atrelados à atuação judicial.

Os dados apresentados no relatório permitem verificar o desenvolvimento dos sistemas de inteligência artificial, que é tratada como a grande aliada para o aumento da produtividade do Poder Judiciário brasileiro, assim como identifica importantes investimentos direcionados à automação de algumas atividades.

Os principais objetivos atendidos pela inteligência artificial (IA) nas cortes brasileiras são a otimização do atendimento ao público, a melhor gestão dos recursos humanos para a atividade-fim do Judiciário e o aumento da celeridade na tramitação processual.

Uma parcela considerável desses projetos foi desenvolvida ao longo dos anos de 2019 e 2020 da seguinte maneira: 47 pela própria equipe interna dos tribunais; três resultaram de uma parceria com as universidades; 13 foram elaborados em parceria com uma empresa privada; e um por outros órgãos.

Esse investimento em projetos de inteligência artificial não resultou em aumento nas despesas do Poder Judiciário. Segundo dados do "Relatório Justiça em Números 2020" do CNJ, a série histórica de despesas com informática ficou praticamente estável no patamar de R$ 2,2 bilhões [1].

No que concerne às novas tecnologias, o relatório identificou que elas aumentam a produtividade e a qualidade, gerenciam a escassez a longo prazo e hoje são ferramentas essenciais à gestão dos tribunais. As ferramentas de IA podem ser utilizadas no sistema de Justiça com diversas finalidades: a) busca de jurisprudência avançada; b) resolução de disputas online; c) análise preditiva de decisões; d) triagem de processos; e) agrupamento por similaridade de jurisprudência; f) transcrição de voz para textos com contexto; g) geração semiautomática de peças; entre outras.

Para ilustrar essas funcionalidades, podemos destacar os sistemas Gemini, Secor e Mandamus.

O sistema Gemini, desenvolvido no âmbito da Justiça do Trabalho, identifica e agrupa os recursos ordinários similares, tarefa antes desempenhada pelos servidores do gabinete, mediante a leitura de cada recurso. Essa atividade visa otimizar a produção de votos e evitar decisões divergentes, bem como aumentar a produtividade na elaboração das minutas dos votos nos gabinetes.

Já o robô Secor, sistema de inteligência artificial desenvolvido pela equipe interna do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), auxilia na sistematização de dados a serem enviados para o CNJ e conclui a atividade — que cerca de cinco servidores levariam um semana — em apenas 29 minutos.

No âmbito do Tribunal de Justiça de Roraima, o sistema Mandamus, desenvolvido pela equipe interna do tribunal, objetiva conferir maior funcionalidade ao cumprimento dos mandados. O sistema utiliza a IA em três etapas: análise da decisão, confecção do mandado e distribuição dos mandados que são classificados por urgência, natureza, complexidade e geolocalização dos endereços. O sistema permite o acompanhamento do cumprimento do mandado e até a eventual redistribuição do mandado. O aplicativo disponível para os oficiais de Justiça permite o envio do mandado por e-mail, ou WhatsApp. A contrafé é eletrônica. Dispensando que o oficial de Justiça leve qualquer documento. Depois do cumprimento do mandado, há o registro de várias informações sobre o ato de cumprimento que passará a fazer parte de um banco de dados. A assinatura da certidão pelo oficial também é realizada pelo aplicativo.

A construção desse panorama é relevante na medida em que visa a proporcionar uma compreensão prática por profissionais de áreas distintas da computação, em particular, pelos próprios juristas, sobre a parte operacional dessas ferramentas tecnológicas, o que permitirá uma melhor avaliação dessas máquinas no que concerne ao seu desempenho, as vantagens que proporciona em termos de celeridade e efetividade para o andamento processual e como se compatibiliza com o trabalho dos servidores da Justiça.

Tratando de um tema muito dinâmico, os dados serão atualizados a cada edição anual do projeto. Em 2021, na segunda edição da pesquisa, seu escopo foi ampliado para incluir outras tecnologias além de IA.

Clique aqui para ler o relatório da primeira edição da pesquisa, desenvolvida em 2020

 


[1] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2020. Brasília: CNJ, 2020. Disponível em < https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justiça-em-Números-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf> acesso em 13 de outubro de 2020.

Autores

  • é ministro do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior Eleitoral, coordenador Acadêmico do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getúlio Vargas.

  • é pesquisadora externa colaboradora do Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da Fundação Getúlio Vargas e professora do Curso de Direito da UFF-Volta Redonda.

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