Reflexões trabalhistas

Greve nas atividades essenciais na crise da Covid-19

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

9 de julho de 2021, 8h00

Se antes da Constituição Federal do Brasil de 1988 a greve nas atividades normais era, na prática, quase que proibida (ex vi do procedimento exigido pela Lei n° 4.330/64), nos serviços essenciais o rigor era ainda maior, conforme se depreende do texto da Lei n° 4.330/64, bem como do Decreto-Lei n° 1.632/78 e da Lei n° 6.620/78 (Lei de Segurança Nacional).

A grande novidade é que a Constituição de 1988 assegurou o direito de greve de forma ampla nas atividades normais e também, nas atividades essenciais, dizendo que a lei definirá tais atividades e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da população (artigo 9º, §1º), de maneira que os direitos do cidadão, constitucionalmente assegurados, também sejam respeitados.

A Lei n° 7.783/89 define serviços e atividades essenciais no artigo 10, em 11 incisos. O artigo 11 diz que nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade e o parágrafo único, que são necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Como se infere da lei, a greve nas atividades essenciais é admitida com restrições, sendo considerado um direito sob condição, exigindo-se, para a sua validade, o cumprimento de requisitos especiais e específicos, como a comunicação ao tomador de serviços e à população atingida com antecedência mínima de 72 horas, além de exigir o cumprimento, durante a greve, das necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, não se admite uma greve nas atividades essenciais com adesão de 100% dos trabalhadores.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) define serviço essencial como aquele cuja interrupção possa colocar em risco a vida, a segurança ou a saúde da pessoa em toda ou em parte da população.

O ponto fundamental sobre o tema centra-se na afirmação constitucional e legal de que os trabalhadores nas atividades essenciais também podem fazer greve, mas com restrições, como, por exemplo, atendendo às necessidades inadiáveis da comunidade, que são aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Por exemplo, não se pode paralisar 100% das atividades. Embora a lei não diga qual o percentual de atendimento, este deve ser encontrado para cada caso, com razoabilidade, de modo que sejam assegurados os direitos do cidadão, mas também não seja negado o direito fundamental de greve dos trabalhadores.

Por isso diz o artigo 11 da Lei de Greve que nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

A obrigação de atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade não é somente dos sindicatos, dos empregadores e dos trabalhadores. É de todos em conjunto, como reza a lei, de comum acordo, exatamente porque o que está acima de tudo e de todos é o interesse público da coletividade.

O Brasil não optou pela proibição do direito de greve nas atividades essenciais, como o fez em relação aos militares (CF, artigo 142, inciso IV).

É certo que tudo deve ser feito para evitar greve em atividades essenciais, ficando seu exercício como último remédio. Mas para que a greve não aconteça nas atividades essenciais, ou aconteça em poucas situações, é necessário que existam mecanismos eficazes de solução dos conflitos de trabalho envolvendo essa espécie de trabalhadores, porque conflitos sociais entre trabalho e capital existem e precisam ser resolvidos.

Nas relações entre capital e trabalho, os conflitos sociais ganham maior relevância, como é por demais óbvio. Em outras palavras, é preciso olhar com outro olhar para os trabalhadores das atividades essenciais, porque se seus serviços deixarem de ser feitos, o maior prejudicado é o povo, que na prática fica sem os trabalhos desses profissionais.

No tocante à pandemia da Covid-19, tem chamado a atenção, pela sua grande importância, a execução das atividades essenciais por milhares de trabalhadores, que vêm doando e colocando em risco sua saúde e vida para atender as demais pessoas.

A pandemia da Covid-19 vem se arrastando por mais de 15 meses e já atingiu, no Brasil, mais de 500 mil mortes e milhares de infectados. São muitas categorias de trabalhadores que exercem atividades essenciais nessa pandemia, mas os trabalhadores da saúde certamente são os mais prejudicados, os quais vêm doando suas vidas para salvar as vidas das demais pessoas. São profissionais que trabalham dia e noite, em todos os dias da semana, cumprem jornadas extenuantes e nem sempre recebem equipamentos e tratamento adequados. Nesses 15 meses de pandemia não pararam sequer para dar atenção aos seus entes queridos, dos quais muitos estão isolados para evitar mais contaminação. Muitos desses trabalhadores se contaminaram e morreram de Covid-19.

O serviço que eles prestam na área da saúde é essencial, sem a menor duvida, porque vivem para salvar vidas. Mas e eles, como profissionais, também não deveriam ser tratados como essenciais nas relações de trabalho com seus tomadores de serviços? Certamente que deveria ser assim, mas não o é em muitas situações. Os profissionais da saúde de menor qualificação têm os piores salários e como é publico e notório, por isso também têm que trabalhar em mais de um lugar para sobreviverem.

A negociação coletiva é o melhor meio para se discutir os problemas que afligem essa categoria de trabalhadores (como em todas as demais), e é o que os trabalhadores buscam, mas nem sempre os tomadores de seus serviços se empenham para tanto, até porque sabem que o discurso da pandemia e da essencialidade da atividade da saúde é por demais convincente para pedirem liminares na Justiça do Trabalho para impedirem quaisquer movimentos dos trabalhadores. Basta isso e não precisam se preocupar com as condições de trabalho desses trabalhadores, que em muitas situações, são péssimas e com suas justas reivindicações.

As atividades essenciais são importantes, sim, mas elas somente ganharão sua devida importância quando todos, tomadores de serviços, poderes públicos e respectivas autoridades e a sociedade valorizarem os trabalhadores que a exercem.

É oportuno destacar nesse aspecto a atuação da Justiça do Trabalho, a quem cabe não apenas emitir liminares determinando a suspensão de paralisações nas atividades essenciais, especialmente na área da saúde, determinando que com 100% dos trabalhadores permaneçam trabalhando sob a espada de altíssimas multas contra os sindicatos das respectivas categorias.

A essência da atuação da Justiça do Trabalho está na conciliação entre capital e trabalho. Dessa forma, sobressai como importante na autuação dessa especializada, diante da noticia de greve nas atividades essenciais ou de simples ameaça (às vezes os trabalhadores ameaçam fazer greve como legitimo instrumento de pressão contra os tomadores, que não lhes dão a devida importância), promover a conciliação das partes envolvidas, a qual cabe em qualquer instancia, em qualquer tipo de ação (inclusive nas cautelares) e em qualquer fase do processo, como orientam o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Código de Situação Tributária (CST).

Para pedir a atuação conciliatória na Justiça do Trabalho, especialmente nos casos de conflitos coletivos de trabalho, nem de um processo formal se precisa. Basta o interessado pedir uma mediação pré-processual, porque a conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, mas, lamentavelmente, nem todos os magistrados assim entendem.

Nesse sentido se pronunciou a presidenta do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Cristina Peduzzi em evento online promovido pelo CNJ, destacando a mediação e conciliação como instrumentos de democratização da Justiça.

A importância do diálogo responsável e construtivo em tempos de pandemia, inclusive no espaço virtual, atende às questões coletivas de relevância nacional, porque a conciliação e a mediação são instrumentos muito importantes não somente para aproximar as partes do conflitos, mas também para o magistrado que as conduz ter oportunidade de se aproximar mais das partes e do conflito e levar em consideração elementos que muitas vezes não constam do processo e, com isso, poder, com mais acuidade, proferir sua decisão. "Mais do que solucionar o processo, ela consegue resolver o litígio  aquele desencontro que motivou o ajuizamento da ação  e, por isso, tem uma eficácia muito maior", destacou o ministro Cláudio Brandão, do TST.

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    é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos.

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