Opinião

Doações se tornam urgência em um cenário de terra arrasada

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8 de julho de 2021, 7h13

Em março de 2020, logo após o carnaval, o vírus que já estava assombrando China e Europa começou a ser notícia por aqui e, mesmo sem nenhum planejamento do governo federal, o brasileiro se mostrou solidário. Campanhas organizadas por empresas e pessoas físicas passaram a dar as caras e essas foram, sem sombra de dúvidas, as ações coordenadas em meio ao caos — que poderia ser ainda pior do que estamos vendo.

Entretanto, com a economia apresentando índices frágeis de crescimento e o consequente e esperado aumento do desemprego, que agrava ainda mais a nossa tragédia social, não é de se espantar que tais ações tenham caído com o passar do tempo. A situação dos mais vulneráveis piorou muito com os recordes de contágio e mortes, além de um fantasma que volta a nos assombrar: estamos novamente no mapa da fome, índice que destaca nações em que mais de 5% da sua população não têm condições de se alimentar suficientemente. No nosso caso, estima-se que seja quase 10% da população nessa situação.

A pergunta que não quer calar é direta: as empresas poderão considerar como dedutíveis os gastos com doações na apuração do IRPJ e CSLL?

Acompanhamos diversas ações distintas nesse tempo que — sem previsões legais específicas — podem gerar dúvidas para as empresas quando da apuração dos seus tributos. Nesse contexto, existem exemplos de doações de alimentos e bebidas, itens de higiene e limpeza (principalmente considerando a necessidade de melhoria da sanitização de ambientes), compras de materiais de uso hospitalar, equipamentos médicos e, em alguns casos, aportes pecuniários relevantes para a viabilização de projetos de assistência social, atendimentos médicos, entre outros.

Considerando que essas despesas com as doações impactaram o resultado das companhias que patrocinaram essa enorme onda de apoio durante a presente pandemia, tem surgido o questionamento sobre a dedutibilidade das mesmas na apuração do IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido das Pessoas Jurídicas (CSLL).

Conforme definição da legislação, pessoas jurídicas optantes pela apuração do Imposto de Renda com base no lucro real podem efetuar doações e contribuições, mas para que elas sejam dedutíveis, precisam seguir algumas regras.

Em linhas gerais, devem ser feitas em benefício de instituições de ensino/pesquisas autorizadas, projetos culturais aprovados pela Secretaria Especial da Cultura e entidades civis legalmente constituídas sem fins lucrativos, prestando, portanto, serviços gratuitos em benefício de empregados da pessoa jurídica doadora e respectivos dependentes ou de toda a comunidade. A dedução não pode exceder isoladamente 4% do imposto devido antes do adicional com base no lucro real trimestral e também do lucro real apurado no ajuste anual.

Atualmente existem projetos de lei, como o PL 533/21, que propõem "novas" regras específicas para a dedução das doações destinadas a ações de enfrentamento aos efeitos da pandemia na apuração do IRPJ, de forma a comportar todo aquele esforço engendrado pelas empresas que não são compatíveis com as regras atuais de dedutibilidade desses gastos.

Entretanto, será que nossa legislação pátria suporta enfrentar a discussão sobre a dedutibilidade de tais doações sem a necessidade de criação de novas regras?

Um primeiro ponto a considerar é o cumprimento integral do importante papel de responsabilidade social corporativa e o atingimento incondicional da esperada função social das empresas, conforme preconizado, inclusive, pela nossa legislação no parágrafo 4º do artigo 154 da Lei 6.404/76:

"O conselho de administração ou a diretoria podem autorizar a prática de atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais".

Outro aspecto importante são as regras básicas para dedutibilidade das despesas operacionais e não operacionais: não podem ser consideradas como custos, devem ser "despesas necessárias" comprovadas, escrituradas e deduzidas no período-base competente. Dessa forma, eliminamos as dúvidas sobre todos esses gastos nas ações de enfrentamento da pandemia, pois são considerados como despesas fundamentais ao remontar o arcabouço legal acerca da função social das empresas (que está prevista em legislação e protegida pela Lei Maior), possibilitando às companhias que ultrapassem aquele único objetivo inicialmente esperado da percepção de lucros a qualquer custo.

Isso, inclusive, é o que pode tornar essa uma prática mais constante, como ocorre frequentemente nos Estados Unidos e na Europa de forma fluída, honesta e às claras.

Como tributarista, creio que não precisamos de novas leis ou definições para a dedutibilidade das doações destinadas ao enfrentamento da pandemia. O que devemos é seguir os pilares legais estabelecidos no ordenamento jurídico nacional sobre a necessidade das despesas e a função social das mesmas, ou seja, não é falta de dispositivo, mas, sim, de incentivar — por meio de divulgação — uma possibilidade que já existe.

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