Racismo estrutural

Ofensas raciais provocam criação de movimento de advogadas negras na OAB-SP

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7 de julho de 2021, 18h43

A chacina de maio no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, escancarou a tensão racial na política interna da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil e pode ter importantes desdobramentos na campanha eleitoral deste ano.

arquivo pessoal
Movimento fixou outdoor para promover debate sobre equidade racial na OAB-SP
Arquivo Pessoal

Na ocasião, a Comissão da Igualdade Racial da entidade divulgou nota de repúdio ao massacre e criou hostilidade a um grupo de advogadas negras no WhatsApp, batizado de "Mulheres de Ordem" e que reúne 160 pessoas.

Houve ataques diretos e as profissionais representantes da advocacia negra foram nomeadas de "ativistinhas" e, em dado momento, existiu a promessa de que seriam feitos prints da conversa e seriam divulgados os contatos dessas mulheres para autoridades policiais.

O incidente  confirmado pela ConJur  foi o estopim para criação do movimento "Elo". Liderado por mulheres negras, mas composto por advogadas e advogados negros e de outras etnias, o grupo lançou um manifesto para promover a questão racial no pleito da entidade, marcado para novembro deste ano.

Em entrevista à ConJur, a porta-voz do movimento, Lazara Carvalho, explicou que a iniciativa tem cunho de oposição ampla e que não representa nenhuma candidatura.

"Sofremos vários ataques e insultos racistas. Nos acusaram de racismo reverso e uma das pessoas disse que estaria mandando prints da discussão para colocar na 'nossa conta'. Não sabemos com quem nossos contatos foram compartilhados e sabemos que isso é muito perigoso, pois existem grupos muito extremistas", explica.

Uma das primeiras ações do grupo foi fixar um outdoor na região de Barueri, na Grande São Paulo. A localidade foi escolhida porque lá atua um grupo organizado de advogados que promoveu uma série de ataques contra as advogadas.

Lazara explica que o caso foi relatado em ofício enviado ao presidente da OAB-SP, Caio Augusto Silva dos Santos, ainda em maio, mas que até o momento nenhuma providência foi tomada. No manifesto, o Elo afirma que a "atual gestão se distanciou do brado 'coragem e inovação', outrora entoado como lema de campanha, mantendo velhas práticas obsoletas de gestão segregante".

"Causa espécie e estranheza o silêncio desta instituição face ao histórico processo de exclusão da população negra, LGBTQIAP+, mulheres, pessoas com deficiência, idosos e classe trabalhadora, que denota endosso aos mais recentes acontecimentos que eclodiram, no estado e no país, em que a violação dos direitos humanos, a violência racial, a violência de gênero e de classe se tornaram a regra, ao arrepio da Constituição e em direto e severo prejuízo das instituições democráticas, sistematicamente atacadas", diz trecho do documento. Leia aqui na íntegra.

Lazara explica que o grupo busca discutir pautas que vão além da questão racial e reitera que o fato de outras pautas serem citadas no manifesto não diminui o trabalho de outras comissões.

Na época da divulgação do manifesto, Lazara foi alvo de ataques raciais e recebeu a seguinte mensagem:

Sua negrinha desgraçada. Fale só sobre a sua raça ou você é bicha também?

"Essa pessoa será processada. E o fato de abordarmos a outras pautas além da advocacia negra não quer dizer que não reconhecemos o importante trabalho de outras comissões. A crítica que temos não é sobre o trabalho de nenhuma comissão, mas a postura da atual gestão", afirma.

Ela explica que todos os advogados que integram o movimento assumiram o compromisso de não concorrer à eleição e de não apoiar nenhum candidato, já que isso esvaziaria o propósito da iniciativa. 

Recorte racial
Em junho deste ano, um grupo de conselheiros que compõe a atual gestão da seccional paulista da OAB divulgou uma carta aberta à advocacia em que manifesta sua dissidência em relação à presidência da entidade.

Todas as conselheiras negras e conselheiros eleitos na chapa da atual gestão assinaram a carta aberta. Em entrevista à ConJur, a ex-presidente da Comissão de Igualdade Racial, Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, afirma que alguns itens básicos para inclusão da advocacia negra foram encampados como compromissos de campanha pela atual gestão e que não foram cumpridos.

"Não é uma questão do número de conselheiros negros. O que queríamos era ter voz dentro da OAB-SP. E para que isso aconteça é preciso que a instituição esteja disposta a ouvir esses conselheiros. Isso se tornou extremamente difícil. Após as eleições, grande parte dos quadros da instituição trata essas pautas como ideológicas e não como uma questão de cidadania", diz.

Desses compromissos, o único cumprido foi a implementação do censo da advocacia paulista. "Não era o que gostaríamos, mas foi o possível, muito por causa do empenho pessoal da atual diretora tesoureira da OAB-SP, Raquel Elita Alves Preto", diz. 

As reivindicações dos representantes da advocacia negra foram condensadas em um documento apresentado à direção da OAB-SP. Dos pedidos, apenas o censo foi implementado. Clique aqui para ler na íntegra.

"A pauta racial é tida como uma pauta ideológica e por conta disso existe uma dificuldade em se discutir esse tema dentro da OAB-SP. Para fora da OAB-SP, o trabalho da comissão transcorre sem problemas. O nosso problema é da porta para dentro. Quando você vai para instâncias de poder dentro da instituição, se percebe o cerceamento que sofremos", argumenta.

Maria foi uma das mulheres negras desqualificadas no grupo de WhatsApp de membros da Ordem. "Uma advogada que nunca me viu na vida e que não me conhece desqualificou o meu trabalho. E apesar dela sempre se ancorar no mantra de que não era racista, a cada postagem ela se mostrava ainda mais racista", lembra.

Maria classifica a OAB-SP como uma instituição racista. "Falo isso com tranquilidade, já que não vou concorrer a nada e nem apoiar ninguém. Estamos falando de uma instituição racista. Uma instituição que sempre foi dirigida por homens brancos. Claro que sabíamos que não iríamos mudar tudo nessa gestão, mas queríamos ao menos iniciar uma mudança", sustenta.

Headhunter
Integram os quadros da OAB-SP 350 mil advogados. A cadeira de presidente da maior seccional da Ordem do país tem forte peso político, projeção midiática e orçamento farto. Apesar de ainda não ter começado oficialmente, as articulações políticas já estão em pleno andamento.

Em dezembro de 2020, o Conselho Federal da OAB aprovou a aplicação imediata de cota racial de 30% nas eleições. A reserva mínima valerá pelo período de dez eleições e já passa a abarcar também as subseções da entidade.

Lazara Carvalho afirma que o Elo identificou que uma das pré-candidaturas contratou dois headhunters para identificar por meio do Linkedin — rede social voltada ao mercado de trabalho — advogados e advogadas negras para preenchimento da cota racial.

"Imagina que chegamos nesse nível de pessoas serem chamadas para compor a chapa com base nos perfis profissionais e étnicos que interessam a determinado candidato. É o auge da mercantilização da advocacia negra", afirma Lazara.

Ela afirma que a revelação de que headhunters estavam prospectando profissionais para compor a chapa de uma candidatura foi revelada quando profissionais conhecidos foram abordados por meio do Linkedin. "Perguntaram coisas como em qual instituição de ensino a pessoa se formou, onde ele fez pós-graduação, quem conhecem e aí fazem um convite para conversar com determinado candidato. Uma das pessoas foi a uma dessas conversas e tomamos conhecimento de que existem headhunters à procura do tipo de advogado ou advogada que é interessante para algumas candidaturas. O que é absurdo", diz.

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