Opinião

A 'Serasa' licitatória da nova Lei de Licitações

Autor

  • Laércio José Loureiro dos Santos

    é mestre em Direito pela PUC-SP procurador municipal e autor do livro Inovações da Nova Lei de Licitações (2ª ed. Dialética 2023 — no prelo) e coautor da obra coletiva A Contratação Direta de Profissionais da Advocacia (coord.: Marcelo Figueiredo Ed. Juspodivm 2023).

7 de julho de 2021, 10h39

A nova Lei de Licitações apresenta inúmeros mecanismos para tornar a Administração Pública um ambiente dotado de eficiência e governança corporativa.

Partindo do pressuposto teórico da "teoria dos jogos" e da assimetria de informações entre o setor público e o setor privado, a lei é o primeiro passo rumo à efetiva aplicação do princípio constitucional da eficiência previsto no artigo 37, caput, da Carta Federal.

Partindo-se do pressuposto de que o setor privado é o detentor de quantidade e qualidade superiores de informações técnicas, a lei cria mecanismos para tentar o "equilíbrio" de tais informações.

Assim, mecanismos privados como o uso da "Serasa" foram criados pela nova lei com a previsão de banco de dados do Portal Nacional de Contratações Públicas, a exemplo do que os atores da iniciativa privada já realizam como etapa prévia de seus negócios.

Referido portal tem como finalidade dar eficácia aos contratos administrativos e prevenir contratos desastrosos, além de servir como registro compulsório de publicidade e uso facultativo como plataforma licitatória.

Assim, prevê o artigo 94 do novo códex licitatório:

"Artigo 94  A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos e deverá ocorrer nos seguintes prazos, contados da data de sua assinatura".

O referido PNCP também tem a finalidade (facultativa) de realização de licitações. Assim prevê o artigo 174 da nova lei:

"Artigo 174  É criado o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), sítio eletrônico oficial destinado à:
I
 divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos por esta lei;
II
 realização facultativa das contratações pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos".

O tema que mais promete polêmica quanto ao PNCP é o seu caráter de "banco de dados" do desempenho de licitantes.

Assim, prevê o artigo 37, II da Lei federal nº 14.133/21:

"Artigo 37  O julgamento por melhor técnica ou por técnica e preço deverá ser realizado por:
(…)
III  atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores aferida nos documentos comprobatórios de que trata o §3º do artigo 88 desta lei e em registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP)".

Já o artigo 88, §3º, que tem remissão legislativa no artigo citado, prevê a atribuição de notas de desempenho do licitante. Assim:

"Artigo 88  Ao requerer, a qualquer tempo, inscrição no cadastro ou a sua atualização, o interessado fornecerá os elementos necessários exigidos para habilitação previstos nesta lei.
(…)
§3º A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirá documento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada".

Na licitação de técnica ou de técnica e preço a avaliação de desempenho terá peso significativo o que poderá gerar a judicialização da própria inserção da informação junto ao PNCP, tal como já ocorre no âmbito da Serasa.

Não só nas licitações de técnica ou técnica e preço terá relevância, mas também nas demais licitações, já que o desempenho poderá ser critério de desempate.

Assim, prevê o artigo 60 do códex licitatório:

"Artigo 60  Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:
(…)
II  avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, para a qual deverão preferencialmente ser utilizados registros cadastrais para efeito de atesto de cumprimento de obrigações previstos nesta lei".

Dessa forma, aparentemente, há uma lacuna acerca da permanência da informação desabonadora que deverá ser preenchida pela hermenêutica dos operadores do Direito.

Por quanto tempo a informação negativa poderá permanecer no banco de dados do PNCP?

Uma primeira análise leva-nos a analisar o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que, além da defesa do consumidor, também regulamenta a questão dos bancos de dados em seu artigo 43, estabelecendo prazo de cinco anos, salvo se não houver prescrição em prazo inferior.

Assim:

"Artigo 43  O consumidor, sem prejuízo do disposto no artigo 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos"(grifo do autor).

Ainda que se argumente pela inaplicabilidade do CDC em razão da existência do poder público como parte, ainda assim chegaríamos à mesma conclusão temporal, analisando a regra quanto ao Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin).

Assim, decidiu o STJ, aplicando o Decreto 20.910/32, verdadeiro dogma temporal quando se trate do poder público:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO
ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADministrATIVO. EXCLUSÃO DO NOME DO
DEVEDOR NO CADIN. MULTA ADministrATIVA. PRESCRIÇÃO. DECRETO
20.910/32
. PRAZO QÜINQÜENAL. INAPLICABILIDADE DO PRAZO VINTENÁRIO
PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL" 
(AgRg no AgRg no REsp 1042030 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL
2008/0062566-1, ministro Luiz Fux, julgamento: 27.10.2009, publicação: 09.11.2009 – grifos do autor).

O óbice quanto à aplicação da regra de permanência no Cadin seria o fato de que o mero desempenho do licitante não seria uma "multa".

Ora, ainda que não seja multa, o registro do desempenho negativo tem caráter de sanção tal e qual a multa.

Outro argumento favorável ao prazo quinquenal de manutenção da informação desabonadora junto ao PNCP é a previsão, na própria nova Lei de Licitações, quanto ao prazo de cinco anos para a prescrição das sanções previstas na lei federal nº 14.133/21.

A manutenção no PNCP de informação desabonadora também é uma sanção (ainda que indireta) e, portanto, deve ter prazo para seu término. Assim:

"Artigo 158  A aplicação das sanções previstas nos incisos III e IV do caput do artigo 156 desta lei requererá a instauração de processo de responsabilização, a ser conduzido por comissão composta de dois ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e circunstâncias conhecidos e intimará o licitante ou o contratado para, no prazo de 15 dias úteis, contado da data de intimação, apresentar defesa escrita e especificar as provas que pretenda produzir.
(…)
§4º. A prescrição ocorrerá em cinco anos, contados da ciência da infração pela Administração, e será".

Assim, seja pela aplicação da regra específica dos bancos de dados (CDC), seja pela aplicação do Decreto 20.910/32, seja — ainda — pela aplicação da jurisprudência quanto à permanência do Cadin para multas ou, ainda, pela previsão do artigo 158, §4º, da própria Lei federal nº 14.133/21, chegamos à conclusão do prazo quinquenal para manutenção das informações desabonadoras junto ao PNCP.

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