Opinião

A ineficiência da vedação ao voto plural

Autor

7 de julho de 2021, 15h11

O voto plural é um mecanismo que permite ao acionista de uma companhia um poder de voto desproporcional ao número de ações detidas e que já vigora em diversos sistemas jurídicos, a exemplo de Inglaterra, França e Estados Unidos, conforme expõe Francisco Müssnich [1]. Entretanto, a legislação brasileira ainda não converge com tais jurisdições, uma vez que se atém à regra de que uma ação confere o poder de um voto ao acionista, vedando a existência de classe acionária em sentido diferente, haja vista o parágrafo segundo do artigo 110 da Lei 6.404/1976 [2].

Embora à primeira vista possa parecer uma regulação desejada, por garantir a equidade entre acionistas, há de se notar que ela tende a ser ineficiente. Nesse raciocínio, cabe refletir sobre a seguinte situação: determinado sócio é de extrema importância para o desenvolvimento da sociedade. Porém, não possui ou não deseja integralizar novo montante que possivelmente seria necessário para que pudesse aumentar sua participação acionária e, consequentemente, tomar as decisões da companhia. Ainda assim, o mercado deseja delegar a esse indivíduo o poder decisório, uma vez que ele possui amplo conhecimento de gerenciamento do negócio e é capaz de alcançar resultados excelentes para a sociedade.

Com isso, não cabe ao legislador restringir a opção dos players do mercado de adquirir ou não participação em uma companhia na qual certo acionista detém poder de voto desproporcional às ações adquiridas. Ora, a compra de ativos não é impositiva, já que o indivíduo apenas a adquire caso julgue devido. Desse modo, cabe a ele decidir se deseja ingressar em uma sociedade em que o voto plural é previsto, tendo em vista as circunstâncias envolvidas no caso concreto, a exemplo de possível crença de prosperidade econômica societária e, consecutivamente, valorização da ação.

Sob essa ótica, Robert Cooter e Thomas Ulen [3] explicam que os custos de transação devem ser analisados a partir de três vieses: 1) o custo de localização, referente à facilidade de localizar as partes e os direitos em questão; 2) o custo de negociação, atinente ao número de pessoas envolvidas na transação; e 3) o custo de execução, que diz respeito à probabilidade de supervisão e cumprimento do acordo. Quanto menores forem esses custos, menor deve ser a intervenção estatal e maior a liberdade das partes para que o resultado seja otimizado.

Logo, à medida que um potencial adquirente da ação de uma companhia deseje estabelecer uma negociação sobre o ativo, evidencia-se que: 1) o vendedor e os direitos em pauta são facilmente localizáveis. Afinal, no Brasil existe uma bolsa de valores — vide a B3 — que permite uma conexão entre os players do mercado e um órgão que regula as questões relativas ao assunto — a Comissão de Valores Mobiliários. Por conseguinte, verifica-se um baixo custo de localização.

Além disso, nota-se que: 2) o custo de negociação também é baixo, pois a decisão de compra e venda cabe, em regra, apenas ao adquirente e ao alienante; destaca-se que o 3) custo de execução é mitigado, por meio da própria CVM, que atua na fiscalização do Mercado de Valores Mobiliários [4]. Com isso, resta nítida a ineficácia da restrição legal aos estatutos sociais estabelecerem a possibilidade do voto plural, haja vista que a aquisição só ocorre caso o potencial adquirente julgue ser de seu interesse e, se esse for o caso, o custo de transação entre as partes não tende a ser elevado.

Ainda que haja situações em que companhias já em vigência desejem alterar seu estatuto social prevendo a possibilidade da inserção do voto plural, o que poderia ser considerado prejudicial a sócios detentores de ações de tal sociedade que tenham votado de forma contrária, há de se analisar a situação de maneira mais profunda. Sob essa perspectiva, é válido analisar o artigo 129 da Lei 6.404/76, que institui o princípio majoritário como a regra do direito das companhias — observadas as exceções legais. Isto é, mesmo que seja possível a configuração de prejuízos pontuais, a vontade da maioria deve prevalecer e vincular todos, inclusive os ausentes ou dissidentes, o que é explicado por Alfredo Lamy Filho e José Luiz Bulhões Pedreira.[5]

Embora o princípio seja suficiente para sanar a questão, a fim de proporcionar resultados satisfatórios para um maior número de indivíduos, cita-se a possibilidade da extensão do direito de recesso aos acionistas dissidentes nas companhias que vierem a adotar o voto plural. Ressalta-se que tal aparato já vigora no Direito brasileiro, haja vista o artigo 137 da Lei 6.404/1976. Assim, os sócios que considerarem inoportuna a permanência na sociedade que aderir ao voto plural poderão utilizar o direito de retirada, alocando, assim, suas preferências de uma maneira ótima.

 


[1] MÜSSNICH, Francisco. Voto plural: quebrando paradigmas. Valor Econômico, 15 dez. 2017. Disponível em: <https://alfonsin.com.br/voto-plural-quebrando-paradigmas/>. Acesso em: 16 de junho de 2021.

[2] BRASIL. Lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Dispõe sobre as Sociedades por Ações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6385.htm>. Acesso em: 16 de junho de 2021.

[3] COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Law & Economics. 5. ed. Boston: Pearson Education, 2007.

[4] BRASIL. Ministério da Fazenda. O que é a CVM?. Disponível em: <https://www.gov.br/cvm/pt-br/acesso-a-informacao-cvm/servidores/estagio/2-materia-cvm-e-o-mercado-de-capitais>. Acesso em: 28 de abril de 2021.

[5] PEDREIRA, José et al. Direito das Companhias. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!