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STF julga medidas para reintegração de beneficiários do Bolsa Família na epidemia

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5 de julho de 2021, 18h29

A União deverá reintegrar as famílias excluídas do programa Bolsa Família enquanto durar a epidemia da Covid-19. Além disso, o programa de transferência de renda deve fazer frente à situação de pobreza e vulnerabilidade, sem discriminação de qualquer natureza. Este é o entendimento defendido pelo ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, em ação que começou a ser julgada no Plenário virtual da Corte, em sessão que se encerra em 2 de agosto. Até a publicação deste texto, apenas mais um voto havia sido dado: do ministro Alexandre de Moraes, acompanhando o relator.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Governo não pode discriminar estados, diz Marco Aurélio, relator do casoFelipe Sampaio/SCO/STF

"A distribuição de recursos deve refletir as necessidades locais: a maior quantidade de famílias pobres nos Estados da Região Nordeste tem de impactar o número de novos benefícios, sob risco de contrariedade ao princípio da igualdade", diz o ministro Marco Aurélio em seu voto.

Ele julgou o pedido dos estados da Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte procedente, determinando ainda: "(i) a indicação de critérios e cronograma para a concessão dos benefícios do Bolsa Família, (ii) a disponibilização de dados a fundamentarem a supressão de novos ingressos no Programa, (iii) a suspensão dos cortes durante a crise sanitária decorrente da pandemia covid-19, ressalvada a possibilidade de cancelamento em virtude de fraude, pagamento do auxílio emergencial e descumprimento das condições, e (iv) a liberação imediata de recursos destinados a inscrições, respeitada a proporcionalidade, considerados aqueles que necessitam do benefício e residem nos Estados do Nordeste, em face dos demais entes federados, e observados os índices de pobreza e extrema pobreza aferidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), além da disponibilidade orçamentária do Programa."

Entenda o caso
Em março de 2020, o ministro Marco Aurélio
deferiu liminar, acolhendo pedido de estados do Nordeste, para que o governo federal suspendesse os cortes no Bolsa Família enquanto perdurar o estado de calamidade pública.

Por unanimidade, a medida cautelar foi referendada em agosto do ano passado. Porém, em petição apresentada nos autos da Ação Cível Ordinária, o governo da Bahia alegou que a União estaria descumprindo essa decisão. Segundo o informado, entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021, houve redução de 12.706 inscritos no Bolsa Família no estado, enquanto, no mesmo período, houve aumento de contemplados nas Regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

Diante da notícia do descumprimento da decisão, o ministro Marco Aurélio determinou a reintegração das famílias. A União interpôs agravo, argumentando que os desligamentos estão relacionados a fraudes e à suspensão temporária, em razão do pagamento de auxílio emergencial e de ações de verificação de condições. Sustentou, ainda, que o estado de calamidade pública teve a vigência encerrada em 31/12/2020, conforme o Decreto Legislativo 6/2020.

Estes argumentos, contudo, foram rechaçados pelo relator. "Não se valora a miséria em função do local, devendo haver isonomia no tratamento, presente o objetivo constitucional de erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais e regionais. Não se pode conceber comportamento discriminatório da União em virtude da unidade federativa onde residem os cidadãos", escreve ele em seu voto.

Segundo o ministro, é de se esperar que a região Nordeste abrigue o maior número de beneficiários dos programas de transferência de renda. E sustenta que "a Constituição busca a transformação social, com o objetivo maior de erradicar a pobreza, uma das fontes de discriminação, visando o bem de todos, e não apenas daqueles nascidos em berço de ouro".

Desequilíbrio regional
O voto de Marco Aurélio sinaliza desequilíbrio tanto na concessão de novos benefícios quanto na liberação considerados aqueles já inscritos na região Nordeste. Conforme indicam os documentos juntados na ação, em dezembro de 2019 havia 939.594 famílias nordestinas que, embora vivessem em pobreza extrema, não estavam cobertas pelo programa, sendo incluídos, em janeiro de 2020, apenas 3.035 beneficiários na Região — 0,32% da demanda. Informações do governo indicam o acréscimo, nos três primeiros meses de 2020, de 32.121 inscritos, representando 3,4%, enquanto as Regiões Sul e Sudeste responderam por 68% das concessões.

No Sul, 186.724 famílias se encontravam na mesma situação, mas foram deferidos 29.308 benefícios, correspondentes a 15,7% da demanda. Em 2018, havia 47% dos brasileiros abaixo da linha da pobreza e estavam na Região Nordeste, sendo 53% residentes no estado do Maranhão, ao passo que o Sudeste apresentou diminuição nos índices de miséria. Análises disponíveis no site da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação do Ministério da Cidadania, mostra a redução, na Região Nordeste, entre maio de 2019 e março de 2020, do número de beneficiários, de 7.186.148 para 6.658.677.

Após período de estabilidade, o quantitativo voltou a cair, de junho de 2020 a fevereiro de 2021, passando de 7.096.522 a 7.044.959. No Sudeste, o indicativo se manteve praticamente o mesmo, sendo contemplados, em março de 2021, 3.982.851 inscritos no Programa, maior resultado considerados os anos de 2019 a 2021. O quadro é similar na Região Sul, em que a quantidade de beneficiados sofreu aumento de 832.307, em janeiro de 2019, para 948.545, em março de 2021.

"A diferenciação adotada pelo Executivo federal sinaliza discrímen que vai de encontro aos objetivos do constituinte de 1988, no que impõe, às famílias que vivem no Nordeste, obstáculos à fruição de direitos e liberdades fundamentais. Na linha preconizada por Gilberto Bercovici, a igualdade de oportunidades exige distribuição equânime de renda e serviços públicos essenciais, evitando-se prejuízo ao cidadão em razão de habitar determinada unidade federativa", salienta Marco Aurélio.

Clique aqui para ler o voto de Marco Aurélio
 ACO 3.359

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