Opinião

As licitações internacionais sob a nova Lei de Licitações

Autor

  • Rodrigo Loureiro

    é coordenador internacional da Escola Superior de Advocacia da OAB-RJ presidente da Comissão Franco-Brasileira da Ordem dos Advogados de Paris e sócio da Briganti Advogados.

3 de julho de 2021, 7h12

A nova Lei de Licitações, embora apresente várias novidades, não é disruptiva, pois ela não substituiu por completo o descrito pela Lei nº 8.666/1993. A nova lei veio aperfeiçoar o texto antigo, unificando diversas normas legais e infralegais sobre licitações e contratos, legitimando entendimentos do Tribunal de Contas da União (TCU) e acolhendo lições da doutrina.

A Lei 8666/93 e a Lei do Pregão, assim como a Lei do Resolução da Diretoria Colegiada (RDC), permanecem em vigor pelos próximos dois anos, dando ao gestor público a possibilidade de optar pelo regime antigo ou pelo atual, definido pela Lei 14.333/2021.

Nosso foco aqui são as licitações internacionais. Entender quais são as principais mudanças trazidas pela nova lei. O que antes se observava na lei antiga era um conceito de licitações internacionais equivocado e impreciso, trazendo muitos questionamentos pelo fato de que não havia uma definição explícita do conceito de licitação internacional.

Já na nova lei, há uma definição clara do que vem a ser uma licitação internacional e isso se dá mais precisamente no artigo 6º da referida lei, o que vem na contramão dos conceitos equivocados dispostos na antiga Lei 8666/93. Assim sendo, passamos a ter uma só conceituação de licitação internacional, que passa a ser definida como a licitação processada no território nacional, na qual é admitida a participação de licitantes estrangeiros — abro aqui um espaço para ressaltar que o licitantes estrangeiros passam a poder participar das licitações nacionais, igualmente. Podem os participantes estrangeiros quotar em moeda estrangeira, porém o pagamento, por força de lei, deverá ser efetuado em moeda nacional. Segue ainda a definição de licitação internacional como sendo aquela cujo objeto contratual pode ou deve ser executada no todo ou em parte em território estrangeiro.

Como dito acima, os participantes estrangeiros podem participar de quaisquer licitações no Brasil, seja nacional ou internacional. Esse é um grande avanço da nova lei e visa a alinhar o país com as normas contratuais exigidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) que é modelo para os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Existe a questão da autorização para funcionamento das empresas estrangeiras de funcionarem no Brasil, que sequer é tratada nessa nova lei. Porém, por força do disposto nos artigos 1134 a 1143 do Código Civil, qualquer empresa para funcionar no Brasil precisa ser autorizada a funcionar no Brasil, sendo ela estrangeira ou brasileira. O que facilita para o licitante estrangeiro é que ele não precisará apresentar essa autorização para participar da licitação, e, sim, como qualquer empresa no Brasil, deverá apresentar esta autorização para dar início às operações.

Passo em seguida a analisar algumas sistematizações e as bases normativas sobre a nova lei de licitações com financiamento externo.

Aos acordos internacionais, e isso naturalmente por força de lei, têm de se efetuar o controle de constitucionalidade prévio.

Os principais organismos internacionais têm uma participação ativa em todas as fases do processo, definindo as regras e validando os empréstimos no caso de financiamento por esses organismos internacionais, tais como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

A nova lei diz que, para que uma licitação possa ser validamente realizada, com base nas regras do organismo internacional, há de se observar estes requisitos a seguir:

O primeiro desses é que deve haver uma imposição do organismo internacional para que as suas regras sejam compulsórias para o empréstimo ou doação.

O segundo requisito é a origem estrangeira dos recursos. Não é tratado pela nova lei, porém é admitida e normalmente se usam as regras do organismo internacional mesmo quando houver um cofinanciamento, ou seja, um investimento dividido entre a organização internacional e a Administração Pública.

O terceiro requisito trata das regras dos organismos internacionais que não podem conflitar com os princípios constitucionais em vigor. O financiamento por um organismo internacional na maior parte das vezes trata-se de um empréstimo e, dessa forma, devem ser observados com a devida seriedade.

O quarto requisito é a indicação no contrato de empréstimo ou doação, das regras do organismo internacional. Isso não constava da antiga lei, mas passa a constar de forma explícita da nova Lei 14.133, o que oferece maior segurança aos participantes.

O quinto requisito é no sentido de que haja um parecer favorável do órgão jurídico contratante do financiamento, previamente à celebração do contrato. Isso também não constava da lei anterior.

Nas licitações com financiamento estrangeiro, a atuação do organismo internacional habitualmente é muito mais ativa, desde a aprovação do edital, o exame das fases dos atos praticados, a fiscalização da aplicação dos recurso, com a devida atenção para a legitimidade processual.

Note-se que se houver questionamentos judiciais aos atos que foram praticados, em algumas situações, cabe questionar não somente a Administração Pública, mas igualmente o organismo internacional. A jurisprudência já tem várias decisões firmando a legitimidade processual do organismo internacional de participar de discussões judiciais sobre as licitações internacionais.

A título de curiosidade processual, quando houver um litígio ou questionamento, a competência é da Justiça federal, e havendo um recurso este será dirigido diretamente ao Superior Tribunal de Justiça. Havendo a participação de organismo internacional, por força de disposição constitucional, a competência recursal é do STJ.

Essa lei traz explicitamente a isonomia entre brasileiros e estrangeiros, o que já era garantido pela Constituição Federal, assim sendo a única possível exceção legal se dá quando se tratar de incentivo ao desenvolvimento nacional, área de segurança nacional, como o setor de defesa.

Permanece, como na anterior, a participação de empresa estrangeira em consórcio, porém a nova lei prevê que a empresa estrangeira pode ser líder deste consórcio, pondo fim à regra da lei antiga que era claramente inconstitucional e ilógica. Se a empresa estrangeira pode participar de uma licitação isoladamente, por que quando se tratar de participação em consórcio, esta empresa estrangeira não poderia ser a líder do consórcio? Seria ilógico permitir um poder maior e restringir um poder menor.

Autores

  • é o sócio responsável pelo Desk França do escritório Briganti Advogados e corresponsável pela Comissão Franco-Brasileira da Ordem dos Advogados de Paris

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