Opinião

MP 1.040/2021: inconstitucionalidades, jabutis e mudanças processuais à vista

Autor

  • Felipe Borring Rocha

    é mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa/RJ) doutor em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF) professor de Direito Processual Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro professor de cursos de pós-graduação e preparatórios para concursos públicos articulista palestrante autor dentre outros dos livros Teoria Geral dos Recursos Cíveis Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Princípio da Jurisdição Equivalente. Membro do IAB e do IBDP parecerista da Revista de Direito da Emerj e da Revista Juris Thesis e defensor público do Estado do Rio de Janeiro.

3 de julho de 2021, 15h11

No último dia 23, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei de conversão da Medida Provisória nº 1.040/2021, conhecida como MP da Modernização do Ambiente de Negócios no País. O projeto já chegou no Senado Federal, onde deve ser rapidamente aprovado e encaminhado para sanção do presidente da República. Como o projeto deriva de uma medida provisória editada pelo próprio presidente, é possível que antes do mês de agosto terminar tenhamos a lei sancionada.

Alguns detalhes chamam a atenção para o referido projeto. Em primeiro lugar, a toda evidência a Medida Provisória nº 1.040, editada pela presidência da República em 29/3/2021, não preenche o requisito da urgência na expedição de regulamento sobre a matéria, exigido pelo caput do artigo 62 da Constituição Federal. Além disso, o projeto de lei de conversão da Medida Provisória nº 1.040/2021 teve mais de 250 emendas na Câmara dos Deputados, que incluíram em seu texto matérias que por expressa disposição constitucional (artigo 62, §1º, I, "b", da CF), não podem ser objeto desse tipo de ato normativo.

A natureza das inserções incluídas no projeto também se choca com os comandos contidos na Lei Complementar nº 95/1998, que trata das regras para elaboração das leis, especialmente no que se refere ao seu artigo 7º. Com efeito, foram incluídas matérias que não têm relação entre si e com o objetivo do diploma legal, que visa à melhora no ambiente de negócio no Brasil. Com a redação aprovada na Câmara dos Deputados, o projeto altera diversas matérias de grande relevância, entre as quais se destacam regras sobre a facilitação para abertura de empresas, a proteção de acionistas minoritários, a facilitação do comércio exterior, a criação do sistema integrado de recuperação de ativos, as cobranças realizadas por conselhos profissionais, a profissão de tradutor e intérprete público, a obtenção de eletricidade, a desburocratização empresarial, a prescrição intercorrente, a racionalização processual e a nota comercial. Essas inclusões, conhecidas no meio jurídico como "jabutis", são vistas pela doutrina como um instrumento ilegítimo de atuação parlamentar.

Se aprovado na forma como foi enviado pela Câmara dos Deputados, o projeto irá alterar mais de 20 leis, incluindo o Código Civil e o Código de Processo Civil, o que pode gerar grave insegurança jurídica, diante de possíveis questionamentos quanto a sua constitucionalidade, devendo ser sublinhado que a maioria dos seus dispositivos deverá entrar em vigor na data de sua publicação (artigo 58).

No que tange ao Direito Processual Civil, o projeto promove sete alterações no CPC, reunidas no Título X (artigo 45), nominado "Da Racionalização do Processo", tratando, essencialmente, das comunicações processuais, da produção antecipada da prova e da prescrição intercorrente.

A primeira modificação é no artigo 77 do CPC, que trata dos deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo. É acrescentado um inciso VII, prevendo o dever de informar e manter atualizados seus dados cadastrais:

"Artigo 77 (…)
VII- informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário, e, no caso do § 6º do artigo 246, da Administração Tributária para recebimento de citações e intimações".

A segunda alteração é no artigo 231 do CPC, que cuida da contagem dos prazos processuais. É acrescentado um inciso IX, estabelecendo que o início da contagem dos prazos se dá no quinto dia útil seguinte à confirmação do recebimento da citação por meio eletrônico:

"Artigo 231 (…)
IX – o quinto dia útil seguinte à confirmação, na forma prevista na mensagem de citação, do recebimento da citação realizada por meio eletrônico".

A terceira modificação é no artigo 238 do CPC, que traz a definição do que é citação. É acrescentado um parágrafo único, prevendo que a citação será efetivada em até 45 dias a partir da propositura da demanda:

"Artigo 238 (…)
Parágrafo Único. A citação será efetivada em até quarenta e cinco dias a partir da propositura da ação".

A quarta alteração é no artigo 246 do CPC, que regula a forma como a citação é feita. O artigo 246 é parcialmente reescrito para regular a citação por meio eletrônico e defini-la como meio preferencial de realização do ato citatório:

"Artigo 246  A citação será feita preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de até dois dias úteis da decisão que a determina, através dos endereços eletrônicos indicados pelo citando no banco de dados do Poder Judiciário, conforme regulamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
§1º. As empresas públicas e privadas são obrigadas a manter cadastro nos sistemas de processo em autos eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse meio.
§1º-A. A ausência de confirmação, em até três dias úteis, do recebimento da citação eletrônica, ensejará que a citação seja realizada:
I – pelo correio;
II – por oficial de justiça;
III – pelo escrivão ou chefe de secretaria, se o citando comparecer em cartório;
IV – por edital.
(…)
§1º-B. Na primeira oportunidade de falar nos autos, o réu citado nas formas previstas nos incisos do §1º-A deverá apresentar justa causa para a ausência de confirmação do recebimento da citação enviada eletronicamente.
§1º-C. Considera-se ato atentatório à dignidade da justiça, passível de multa de até cinco por cento do valor da causa, deixar de confirmar no prazo legal, sem justa causa, o recebimento da citação recebida por meio eletrônico.
(…)
§4º. As citações por correio eletrônico serão acompanhadas das orientações para realização da confirmação de recebimento e de código identificador que permitirá a sua identificação na página eletrônica do órgão judicial citante.
§5º. As micro e pequenas empresas somente se sujeitam ao disposto no §1º quando não possuírem endereço eletrônico cadastrado no sistema integrado da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).
§6º. Para os fins do §5º, deverá haver com o órgão do Poder Judiciário compartilhamento de cadastro, incluindo o endereço eletrônico constante do sistema integrado da Redesim, nos termos da legislação aplicável ao sigilo fiscal e ao tratamento de dados pessoais".

A quinta modificação é no artigo 247 do CPC, que descreve as hipóteses onde a citação não é feita pelo correio. O caput do artigo 247 do CPC passa a incluir a citação eletrônica como meio preferencial da realização do ato citatório, a ser excepcionado pelas situações enumeradas nos incisos:

"Artigo 247  A citação será feita por meio eletrônico ou pelo correio para qualquer comarca do país, exceto: (…)".

A sexta alteração é no artigo 397 do CPC, que regula a forma como o pedido de exibição de documento ou coisa deve ser formulado. Os incisos do artigo 397 são inteiramente reescritos para aprimorar a redação do dispositivo e incluir a "categoria de documentos ou coisas buscados":

"Artigo 397. (…)
I – a descrição, tão completa quanto possível, do documento ou da coisa, ou das categorias de documentos ou coisas buscados;
II – a finalidade da prova, indicando os fatos que se relacionam com o documento ou com a coisa ou suas categorias;
III – as circunstâncias em que se funda o requerente para afirmar que o documento ou a coisa existe, ainda que a referência seja a categorias de documentos ou coisas, e se acha em poder da parte contrária".

A sétima e última modificação é no artigo 921 do CPC, que trata das hipóteses de suspensão da execução. O artigo 921 do CPC é parcialmente reescrito, para tratar da prescrição intercorrente:

"Artigo 921  Suspende-se a execução:
(…)
III – quando não for localizado o executado ou bens penhoráveis;
(…)
§4º. O termo inicial da prescrição no curso do processo será a ciência da primeira tentativa infrutífera de localização do devedor ou de bens penhoráveis, e será suspensa, por uma única vez, pelo prazo máximo do §1º.
§4º-A. A efetiva citação, intimação do devedor ou constrição de bens penhoráveis interrompe o prazo de prescrição, que não corre pelo tempo necessário à citação e intimação do devedor, bem como para as formalidades da constrição patrimonial, se necessária, desde que o credor cumpra os prazos previstos na lei processual ou fixados pelo juiz.
§4º-B. Não interrompe nem suspende o prazo de prescrição o mero peticionamento objetivando a citação do devedor ou indicando genericamente bens ou diligências, com a finalidade constrição de bens penhoráveis.
§5º. O juiz, depois de ouvidas as partes, no prazo de 15 (quinze) dias, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição no curso do processo, e extinguir o processo, sem ônus para as partes.
§6º. A alegação de nulidade quanto ao procedimento previsto neste artigo somente será conhecida caso demonstrada a ocorrência de efetivo prejuízo, que somente será presumido em caso de inexistência da intimação de que trata o §4º.
§7º. Aplica-se o disposto neste artigo ao cumprimento de sentença de que trata o artigo 523".

Como se pode verificar, as modificações no Código de Processo Civil não são urgentes e não têm relação direta com a melhora do ambiente de negócios no Brasil.

As alterações propostas para a citação parecem ser positivas, ao passo que as inserções feitas em relação ao pedido de exibição de documento ou coisa se apresentam, salvo melhor juízo, são irrelevantes.

No que tange à prescrição intercorrente, entretanto, as modificações são profundas, equivocadas e capazes de promover a insegurança jurídica. As regras trazem conceitos que imprecisos para marcar o início da suspensão executiva e a interrupção do prazo da contagem do prazo prescricional. O novo §6º do artigo 921 do CPC, além de pessimamente escrito, traz um comando de difícil compreensão jurídica. Por isso, a bem da verdade, as alterações propostas em relação ao artigo 921 do CPC dificultam a efetiva satisfação dos créditos cobrados pela via judicial, piorando o ambiente de negócios, na contramão do que propõe o epíteto do projeto. Se essas alterações forem aprovadas pelo Senado Federal e sancionadas pelo presidente da República, teremos graves problemas a enfrentar.

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  • é mestre em Direito pela Universidade Estácio de Sá (Unesa/RJ), doutor em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), professor de Direito Processual Civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor de cursos de pós-graduação e preparatórios para concursos públicos, articulista, palestrante, autor, dentre outros, dos livros Teoria Geral dos Recursos Cíveis, Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Princípio da Jurisdição Equivalente. Membro do IAB e do IBDP, parecerista da Revista de Direito da Emerj e da Revista Juris Thesis e defensor público do Estado do Rio de Janeiro.

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