Opinião

A impenhorabilidade de salários em conta da empresa

Autor

  • Marcello Antonio Fiore

    é sócio-diretor da Fiore Advogados vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP graduado em Direito pela PUC-SP pós-graduado em Direito Econômico e Financeiro pela PUC-SP pós-graduado em Business Administration pela Harvard Business School e pós-graduando em Filosofia do Direito pela Harvard University.

2 de julho de 2021, 18h37

O Judiciário parece estar desenvolvendo consciência de impactos econômicos e entendendo, em situações pontuais (como efetivamente deve acontecer), que há necessidade de revisão de algumas ações que podem prejudicar e até ceifar a vida de empresas, impondo a descontinuidade de negócios em um momento em que a livre iniciativa precisa de socorro.

Foi exatamente o que aconteceu na decisão proferida por um juiz de Diadema na semana passada quando, ao receber petição e prova de um devedor do Banco do Brasil de que os valores penhorados pelo Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud) seriam destinados ao pagamento da folha de salários da empresa, imediatamente determinou o desbloqueio

Já há muito defendo que os três poderes têm a obrigação constitucional de preservação da atividade empresarial (até o limite da razoabilidade dessa ação), visto que a descontinuidade de negócios acarreta desemprego direto e indireto quase que em progressão geométrica e não interessa a ninguém, nem à sociedade, nem ao Estado, em virtude das nefastas consequências econômicas que o fechamento de uma empresa acarreta.

Há também necessidade de dar mais credibilidade, inclusive internacional, a procedimentos do Judiciário no sentido de demonstrar que processos de cobrança são efetivos no país, e por esse motivo tem havido uma predileção que beira a exclusividade de uso do sistema das penhoras online, retirando das contas de devedores valores significativos a favor de instituições financeiras e do Fisco, sem avaliar a dificuldade ou o momento em que esta providência é tomada.

É evidente que devedores precisam liquidar suas dívidas, mas nem todos ficam inadimplentes por opção, e, sim, por necessidade temporária. Grande parte deseja inclusive efetuar o pagamento de seus débitos, mas por uma situação de inadimplência temporária (que não se confunde com insolvência) não conseguem cumprir com seus compromissos.

Juros elevados e multas exorbitantes conduzem o devedor a um caminho ainda mais pedregoso, e acabam por inviabilizar o cumprimento de algumas obrigações, levando a cobrança ao Judiciário em uma máquina de processos automáticos de cobrança, que se iniciou há anos, inchando o Judiciário de execuções sem solução ou de baixa efetividade.

Ao longo do caminho, na intenção de receber seus créditos a qualquer custo, bancos e Fisco insistem na penhora online, que por vezes é efetuada sem nenhum controle, às vésperas do pagamento de compromissos do dia a dia como o da folha de salários ou compra de matéria-prima essencial para a produção industrial, privilegiando credores robustos, como bancos, em detrimento dos menos favorecidos, como fornecedores e empregados.

Nesse caminho, o devedor que já se encontra em situação financeira delicada vê sua vida em risco, já que sem o pagamento de matéria-prima ou da folha de salários não pode dar continuidade às suas atividades e, obviamente, ao exercício de sua função social.

Penhoras online a favor de bancos e do Fisco jamais poderiam ser autorizadas nos primeiros dias do mês, ou próximo ao dia 20, por representarem risco de que os funcionários deixassem de receber salários.

Durante todo o resto do mês, a penhora poderia atingir o faturamento, recebimento de títulos pelo devedor, mas não haveria o alto risco de prejudicar os trabalhadores, elos mais frágeis que necessitam do salário para o sustento de suas famílias e para a manutenção de sua dignidade humana.

Acatar a sugestão de inadmissão de penhora perto dos dias do pagamento de salários e adiantamento é respeitar o que diz o artigo 833 do Código de Processo Civil, e o artigo 7º, inciso X, da Constituição Federal, protegendo as verbas alimentares do trabalhador à vista da impenhorabilidade absoluta dos vencimentos.

Cabe, portanto, à primeira instância do Judiciário, sempre que instada a realizar uma penhora online a favor de um credor de robustez financeira indiscutível, contra um devedor de pequeno porte perguntar, antes de apertar o gatilho do computador: será que a empresa e seus funcionários vão sobreviver a isso? Não existe nenhuma outra alternativa antes de se tentar algo truculento, que pode prejudicar a vida de diversas famílias que podem depender dos salários que recebem nos primeiros dias do mês ou do adiantamento do dia 20?

O profissional que desenvolveu o Sisbajud talvez tenha se esquecido de criar uma janela de pop-up que abra toda vez que o botão da penhora é pressionado por um juiz: "Esta ação é realmente necessária?". Fica a pergunta.

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    é sócio-diretor da Fiore Advogados, vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP, graduado em Direito pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Econômico e Financeiro pela PUC-SP, pós-graduado em Business Administration pela Harvard Business School e pós-graduando em Filosofia do Direito pela Harvard University.

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