Opinião

Reflexos tributários do Projeto de Lei n°5.516/19 (clube-empresa)

Autores

  • André Felipe de Paula Andrade

    é presidente da Comissão de Direito Desportivo da 249ª Subseção da OAB/SP pós-graduado em Direito Tributário e pós-graduando em Direito Desportivo e sócio no escritório Marchiori Sachet Barros & Dias Advogados.

  • Carlos Henrique Machado

    é doutor e mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina especialista em Direito Tributário pelo Ibet professor de Direito Tributário na Faculdade Cesusc sócio e coordenador do Núcleo de Educação Corporativa no escritório Marchiori Sachet Barro e Dias Advogados.

2 de julho de 2021, 20h57

O Senado Federal recentemente aprovou o Projeto de Lei n° 5.516/2019, em votação unânime, o qual cria uma modalidade inovadora de organização empresarial no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente endereçada para os clubes de futebol, denominada Sociedade Anônima do Futebol (SAF).

Caso aprovado pela Câmara dos Deputados e sancionado pelo presidente da República, o instrumento legislativo possibilitará a constituição de novos clubes sob esse formato, além da transformação dos clubes atualmente existentes, constituídos como associações civis sem fins lucrativos e/ou sociedades empresariais convencionais.

O projeto de lei prevê, por meio da SAF, a capacidade de criação de normas de governança corporativa, visando à instituição de ferramentas administrativas de controle e transparência na gestão e condução das atividades dos clubes, que poderão se valer de órgãos societários já conhecidos: os conselhos de administração e fiscal.

Outra prerrogativa pretendida pelo projeto à SAF é o estabelecimento de um regime tributário específico para o futebol, que, caso aprovado nos termos propostos, resultará em uma carga tributária reduzida quando comparada aos modelos empresariais convencionais previstos no ordenamento brasileiro.

Uma das principais atratividades da iniciativa de lei é a captação de formas próprias de financiamentos pelos clubes, a exemplo da emissão de debêntures. Tal ferramenta permitirá às empresas a viabilização financeira dos seus projetos a partir de recursos auferidos no mercado de capitais, assim como possibilitará os aportes financeiros por meio de investidores, que poderão adquirir parte das ações dos clubes de futebol. Em paralelo, o projeto ainda permite a negociação das ações dos clubes em bolsa de valores, quando optarem pela abertura do seu capital.

É importante destacar que a transformação dos clubes de futebol de associações civis em sociedades empresariais já possui previsão autorizativa na legislação brasileira, nos termos da Lei n° 9.615/98, batizada como Lei Pelé. No entanto, os clubes constituídos em sociedades empresárias nos termos dessa legislação subordinam-se aos regimes tributários e societários convencionais, pouco atrativos.

Desde o advento da Lei Pelé, foram poucos os clubes de futebol que optaram pela transformação em empresa, ou ainda pela constituição como empresas desde a sua fundação, especialmente em razão dos reflexos tributários. Comparativamente ao modelo associativo, que goza de benefícios e de isenções para determinados tributos, a estrutura empresarial futebolística até então estabelecida acaba se mostrando muito desvantajosa:

a) Imposto sobre a renda das pessoas jurídicas (IRPJ): associações civis (isenção); sociedades empresárias (15% + adicional de 10% sobre o lucro);

b) Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL): associações civis (isenção); sociedades empresárias (9% sobre o lucro);

c) Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins): associações civis (isenção); sociedades empresárias (3% sobre receitas);

d) Programa de Integração Social (PIS)/ Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep): associações civis (1% sobre a folha); sociedades empresárias (0,65% sobre receitas);

e) Terceiros: associações civis (4,5% sobre a folha); sociedades empresárias (percentual variável sobre a folha);

f) Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS): associações civis (8% sobre a folha); sociedades empresárias (8% sobre a folha);

g) Instituto Nacional do Seguro Social (INSS): associações civis (5% sobre a receita bruta); sociedades empresárias (20% sobre a folha).

Objetivando impulsionar a transformação dos clubes em empresas, o Projeto de Lei n° 5.516/2019 contempla benefícios fiscais relevantes à Sociedade Anônima do Futebol, incumbindo aos clubes optarem pelo modelo empresarial e pela sistemática de tributação específica do futebol [1], com alíquotas diferenciadas para o recolhimento unificado de IRPJ, PIS/Pasep, CSLL, Cofins e demais contribuições destinadas à Seguridade Social, com a adoção de algumas peculiaridades:

a) Por um período de transição de cinco anos, a alíquota do recolhimento unificado, que se dará mensalmente, será de 5%, incidindo sobre as premiações recebidas pelo clube e os programas de sócio torcedor, mas não sobre as receitas decorrentes da alienação de direitos desportivos de atletas;

b) A partir de seis anos da constituição da SAF, a alíquota será reduzida para 4%, mas passará a incidir sobre a cessão de direitos econômicos de atletas, quando o regime tributário se tornará permanente.

Além dos tributos citados, o projeto de lei sugere também a incidência de outros impostos e contribuições, sujeitando os clubes à posição de contribuinte ou de responsável pelo recolhimento dos tributos, em relação aos quais será observada a legislação ordinária aplicável às demais modalidades de pessoas jurídicas:

a) Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou Relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF);

b) Imposto de Renda relativo aos rendimentos ou ganhos líquidos auferidos em aplicações de renda fixa ou variável;

c) Imposto de Renda relativo aos ganhos de capital auferidos na alienação de bens do ativo imobilizado;

d) Contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);

e) Imposto de renda relativo aos pagamentos ou créditos efetuados pela pessoa jurídica a pessoas físicas; e

f) Demais contribuições instituídas pela União, inclusive as contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, de que trata o artigo 240 da Constituição Federal, e demais entidades de serviço social autônomo.

O principal objetivo da tributação específica do futebol é atrair os clubes para o modelo empresarial da SAF, além de incentivar os investidores a aportarem recursos no futebol brasileiro, assim como já ocorre em países como a Alemanha, a Inglaterra, a Espanha e Portugal entre outros.

Outro aspecto de grande relevância que é contemplado pelo Projeto de Lei n° 5.516/2019 é a proposição de alternativas para a negociação das dívidas dos clubes de futebol, conferindo aos devedores a possibilidade de recorrerem ao instituto da recuperação judicial ou extrajudicial, além do regime centralizado de execução, como formas de solução para o tratamento do passivo dos clubes.

Em suma, caso aprovadas as propostas trazidas no Projeto Lei n° 5.516/2019, representarão um notável marco regulatório do clube-empresa. Por certo, a legislação contribuirá para a profissionalização do futebol brasileiro, para a modernização da gestão futebolística e para a criação de governança corporativa, cujos reflexos ecoarão dentro do campo de jogo, uma vez que melhores resultados financeiros oportunizarão aos clubes a formatação de elencos com maior qualidade técnica e, consequentemente, competições e eventos esportivos mais expressivos e atrativos.


[1] O modelo empresarial permanecerá sendo facultativo, nos termos do artigo 217, inciso I, da CF/88: "Artigo 217 – É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I – a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento."

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