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Proposta de reforma tributária: fome ou gula?

Autor

  • Adriano Dib

    é sócio do escritório Advocacia Adriano Dib em São Paulo doutor em Direito Comercial pela USP mestre em Direito pela Faculdade de Direito da University of Pennsylvania e professor do curso de pós graduação LLC do INSPER.

1 de julho de 2021, 17h01

Recentemente, o Poder Executivo apresentou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n° 2.337/2021, com o intuito de alterar a legislação do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza das Pessoas Físicas e das Pessoas Jurídicas e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Trata-se da chamada segunda fase da reforma tributária.

Era sabido e esperado que uma reforma tributária se avizinhava, mas talvez não com a força e virulência como está redigido o PL.

Aliás, da forma como está, pergunta-se se a intenção é arrecadar, a qualquer custo e de qualquer forma, recursos dos empresários ou, ao contrário, auxiliá-los para que, de um lado, haja uma força econômica sustentável e, de outro, recursos suficientes para o Estado reequilibrar as desigualdades sociais.

É verdade que a tabela progressiva do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) foi atualizada com aumento da faixa de isenção aos mais necessitados, mas a reforma não se resume a isso; é preciso pensar no todo, numa profunda reestruturação do sistema, e não apenas na cobrança pela cobrança. O PL 2.337/2021 não teve essa cautela.

Sem entrar em detalhes técnicos, não há nada de errado em querer tributar lucros e dividendos distribuídos, aliás essa é uma prática adotada em vários países, porém desde que se alivie a carga tributária da empresa subjacente.

De fato, uma empresa menos "machucada" do ponto de vista tributário, com folga no caixa e mais rentável, tende a reinvestir os recursos, aquecer a economia, aumentar a competitividade e beneficiar a todos, inclusive os sócios que pagarem tributos pelas distribuições.

Não parece ser essa a equação buscada no projeto de lei (PL). Cria-se o imposto sobre os lucros e dividendos à alíquota de 20%, sem aliviar proporcionalmente a empresa, já que um Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) de 20%, já considerando a alíquota adicional de 10%, não é razoável. Em outras palavras, a "troca" não está justa.

O projeto, infelizmente, mais se assemelha a um amontoado de mudanças do que uma reforma estrutural propriamente dita.

Apenas a título de exemplo, o extenso cardápio traz, entre outras, a obrigatoriedade: 1) de se utilizar o valor de mercado de bens e direitos para devoluções de capital; 2) da adoção do lucro real para as holdings imobiliárias ; 3) da capitalização de companhia no exterior a valor de mercado; 4) do "come-cotas" nos fundos fechados; e 5) da tributação de rendimentos distribuídos pelos fundos imobiliários; além da extinção da possibilidade de diferimento fiscal no Brasil sobre os rendimentos e ganhos apurados em offshores localizadas em países com tributação favorecida.

Ou seja, o que se vê na proposta de reforma tributária é mais do que fome, é gula.

Aliás, a gula é fruto da ansiedade e o PL comprova isso. Com efeito, se aprovada a tempo e respeitando-se o regramento constitucional, a nova lei entrará em vigor em janeiro de 2022, sendo que aqueles que pretenderem atualizar os bens imóveis em suas declarações deverão fazê-lo entre janeiro e abril de 2022.

Logicamente, haverá uma longa negociação em torno do PL e é comum que algum tipo de gordura tenha sido criada (justamente para ser queimada). O problema é que, talvez, haja mais gordura para ser queimada do que possibilidade de combustão negocial.

Na realidade, o simples fato de se pensar em recriar um sistema tributário tão voraz, ainda que seja um projeto de lei sujeito a discussões, já causa insegurança, imprevisibilidade e desânimo ao empresariado brasileiro.

Não há duvidas de que o sistema tributário brasileiro tem de ser reformado, mas talvez uma proposta mais justa e equilibrada passasse uma melhor impressão aos contribuintes, que se animariam em discutir o assunto em bases mais justas e em benefício da sociedade como um todo.

Que os legisladores tenham a sabedoria em encontrar o caminho do meio como solução para esse problema. Reformar por reformar não trará benefícios ao país. É preciso que a reforma seja equilibrada e efetivamente resolva os problemas brasileiros. Se assim não for, que seja postergada essa discussão para um momento mais oportuno.

Como diziam os antigos, abundans cautela non nocet.

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    é advogado em São Paulo, sócio do escritório Advocacia Adriano Dib e doutorando em Direito Comercial pela Universidade de São Paulo.

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