Massacre do Jacarezinho

MPF deve investigar se Polícia Civil do RJ descumpriu decisão do STF em operação

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1 de julho de 2021, 15h00

O ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin determinou, nesta quarta-feira (30/6), que o Ministério Público Federal instaure procedimento para investigar se a Polícia Civil do Rio de Janeiro descumpriu decisão da Corte ao promover, no começo de maio, operação policial que deixou 28 mortos na favela do Jacarezinho, na zona norte da capital fluminense.

Carlos Humberto/SCO/STF
Ministro Edson Fachin disse que sociedade deve poder fiscalizar operações policiais
Carlos Humberto/SCO/STF

Além disso, Fachin ordenou que o governo do Rio afaste o sigilo das informações a respeito de operações policiais desencadeadas no estado.

Em 5 de junho de 2020, o ministro Edson Fachin concedeu liminar na ADPF 635 para limitar, enquanto durar a epidemia de Covid-19, as operações policiais em favelas do Rio a casos "absolutamente excepcionais", devendo ser informadas e acompanhadas pelo Ministério Público. A decisão foi confirmada e complementada pelo Plenário do STF em agosto. 

Fachin apontou que a definição da competência para apurar o descumprimento da decisão do Supremo está submetida ao Plenário. Porém, como o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes e o recesso forense se inicia nesta sexta-feira (2/6), o ministro determinou que o MPF instaure procedimento investigatório na Justiça Federal do Rio de Janeiro, no qual poderá solicitar a ajuda da Polícia Federal. O objetivo é evitar que eventuais provas sejam perdidas ou que diligências sejam inviabilizadas.

Edson Fachin também destacou que o acesso às justificativas das operações policiais não deve estar sujeito a nenhum tipo de sigilo. "Vale dizer, a notícia de realização de uma operação policial deve justificar sua excepcionalidade e deve permitir que as razões apresentadas possam ser verificadas não apenas pelo Ministério Público, mas por toda a sociedade".

Mesmo que o Plenário ainda não tenho fixado o conceito de "excepcionalidade" que justifica as operações policiais no Rio durante a epidemia, a definição deve ser a que consta dos Princípios Básicos das Nações Unidas sobre o Emprego da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Encarregados de Cumprir a Lei, disse o ministro.

E a justificativa, declarou, deve ser previamente enviada ao Ministério Público, pois cabe ao órgão a investigação de regularidade sobre a observância dos princípios da ONU. No entanto, esse conhecimento não impede que a população também possa fiscalizar o trabalho dos servidores públicos, ressaltou o magistrado.

Dessa maneira, as comunicações feitas pelas polícias ao MP somente podem ter acesso restringido enquanto as operações ainda não tiverem sido deflagradas, disse Fachin. Após as ações, as justificativas prévias devem ficar disponíveis. E se a justificativa for posterior, deve ser pública desde o início.

O ministro diferenciou a diligência investigatória, autorizada judicialmente, da operação policial necessária para cumpri-la ou para excepcionalmente reprimir uma agressão imediata.

"No primeiro caso, a autorização judicial pode restringir a publicidade em relação as investigações em curso, apenas para o fim previsto no artigo 20 do Código de Processo Penal, isto é, para elucidar o fato ou se assim o exigir o interesse da sociedade, desde que não prejudique o interesse público à informação. Nas operações, no entanto, a notícia e as justificativas precisam ser apresentadas não para o fim do CPP, mas para defender a legitimidade da utilização da força".

"Por isso, o sigilo não pode ser imposto às comunicações sobre a realização de operações policiais, nem mesmo às justificativas apresentadas, ressalvado apenas as hipóteses em que haja informações de inteligência que não digam respeito ao cumprimento, pelo governo fluminense e pelo MP-RJ, das decisões cautelares proferidas no âmbito desta ADPF. Mesmo nesses casos, porém, se a informação for pontual e permitir que seja tarjada de forma a não revelar o dado, como, por exemplo, o número de um inquérito, deve-se optar pela plena divulgação", afirmou Fachin.

Pedido do PSB
O PSB pediu no fim de maio que o Supremo Tribunal Federal afastasse o sigilo de cinco anos imposto pela Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre todas as informações a respeito de operações policiais desencadeadas no estado.

Em petição na ADPF 635, o PSB, representado pelo advogado Daniel Sarmento, e os amici curiae da ação argumentaram que o sigilo às informações sobre operações policiais e investigações a respeito delas desrespeita o direito à informação e a obrigação de a administração pública ser transparente em seus atos.

"Essa proteção do direito à informação é ainda mais necessária em casos que envolvam a violação de direitos humanos. Até porque as autoridades que praticam essas violações quase sempre tentam escondê-las dos olhos do público", sustentou o partido.

O PSB também pediu que o Supremo mandasse o Ministério Público Federal investigar se autoridades do Rio de Janeiro praticaram crimes federais por descumprir da decisão que restringiu as operações policiais. A apuração deve abranger a incursão do Jacarezinho, mas não se limitar a esse episódio.

O MP-RJ argumentou que a determinação de sigilo segue os parâmetros fixados na lei processual penal. Também disse que a decisão do STF não foi descumprida e que fiscaliza a atividade policial.

Já o estado do Rio de Janeiro declarou que a imposição de sigilo às operações foi feita de forma concreta e fundamentada, em linha com a Lei de Acesso à Informação. 

Clique aqui para ler a decisão
ADPF 635

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