Adaptação razoável

Fonoaudióloga da USP com filha com síndrome de Down ganha jornada reduzida

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1 de julho de 2021, 15h37

Sendo signatário da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), o Estado brasileiro tem o compromisso de oferecer a adaptação razoável do ambiente ou da jornada de trabalho às pessoas com necessidades especiais para assegurar a elas igualdade de condições e de oportunidades. Esse entendimento foi adotado pela 3ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho para garantir a redução da jornada a uma fonoaudióloga da Universidade de São Paulo (USP) que é mãe de uma menina que necessita de cuidados especiais.

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A profissional terá a chance de conciliar o trabalho com os cuidados com a filha
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A criança, nascida em 2017, tem síndrome de Down e disfunção de origem neurológica na bexiga. Para cuidar da filha, a fonoaudióloga, contratada para trabalhar 40 horas semanais, requereu administrativamente a redução da jornada com manutenção salarial, mas o pedido foi indeferido. A universidade sugeriu que ela aderisse ao Programa de Incentivo à Redução de Jornada, com redução salarial e flexibilização de horários.

Na ação trabalhista, ajuizada em 2018, a fonoaudióloga pleiteou turno único e ininterrupto de seis horas, sem redução de vencimentos, sustentando que a filha precisa de acompanhamento, inclusive para realizar cateterismo vesical, pois não pode ficar um longo período sem esvaziar a bexiga.

O juízo de primeiro grau deferiu a redução, sem prejuízo da remuneração mensal integral ou exigência de futura compensação, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (interior de São Paulo) reformou a sentença, julgando improcedentes os pedidos ao considerar aspectos como legalidade, economicidade, eficiência e interesse público. Para o TRT, atender ao pedido da profissional não seria conveniente à Administração Pública, pois a redução da jornada com a manutenção do salário implicaria reajuste indevido.

Direito adquirido
No entanto, o relator do recurso de revista da fonoaudióloga, ministro Agra Belmonte, assinalou que o direito das crianças com deficiência de serem tratadas pelo Estado e pela sociedade em igualdade de condições, e segundo as características peculiares que as diferenciam dos demais indivíduos, passou a ser literal na Constituição a partir de 25/8/2009, com o Decreto 6.949/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD).

Conforme o ministro, a adaptação ou acomodação razoável nas relações de trabalho pode ser definida como o dever de utilização dos meios, instrumentos, práticas e regras indispensáveis ao ajuste do ambiente de trabalho para assegurar igualdade de condições e de oportunidades, para que as minorias possam exercer concretamente os direitos e as liberdades fundamentais com a mesma amplitude das maiorias. 

Com essa perspectiva, ele destacou que cabe à Justiça do Trabalho conciliar os interesses divergentes para que a criança possa ser acompanhada de forma mais próxima por sua mãe, sem que isso proporcione um ônus para o qual o empregador não esteja preparado ou não consiga suportar. Para o ministro, a recusa do poder público à adaptação razoável constitui espécie de discriminação indireta e quebra do dever de tratamento isonômico.

Outro ponto observado pelo ministro é que, no âmbito da Administração Pública, a Lei 8.112/1990 (regime jurídico dos servidores públicos federais) assegura a concessão de horário especial ao servidor ou à servidora que tenha cônjuge, filho ou dependente com deficiência, sem prejuízo do salário e sem a necessidade de compensação de horário. "Se o dependente do funcionário federal possui tal prerrogativa, entendemos que o filho de uma funcionária estadual deve desfrutar de direito semelhante", afirmou o ministro. 

Ao acolher o recurso da fonoaudióloga, a 3ª Turma deferiu tutela antecipada para determinar à USP possibilitar que a empregada escolha entre as seguintes jornadas, sem prejuízo da remuneração: seis horas diárias presenciais e duas horas diárias de atendimento online; sete horas diárias e 35 horas semanais, com intervalo de 15 minutos; e seis horas diárias, com intervalo de 15 minutos, e cinco horas de atendimento online aos sábados. A decisão foi unânime. Com informações da assessoria de imprensa do TST.

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RR 10409-87.2018.5.15.0090

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