Opinião

A Administração Pública e os encargos trabalhistas nos contratos administrativos

Autor

  • Leandro Augusto Finotelli Pires Alves da Silva

    é advogado professor de pós-graduação na Unifaj em parceria com o G7 Instituto coordenador jurídico da Associação de Desenvolvimento Social pós-graduado em Direito Processual Civil pela Puc-Campinas e pós-graduado em Direito Eleitoral pelo Instituto Damásio.

29 de janeiro de 2021, 10h27

Os contratos administrativos são aqueles celebrados entre a Administração Pública e o particular, regidos pelas regras de Direito Público. A característica que predomina nesse contrato é a presença de cláusulas exorbitantes (artigo 58 da Lei 8.666/93) que favorecem a Administração em relação ao particular, fato esse que distingue os contratos particulares, por não haver, em regra, equilíbrio entre as partes.

No que tange à responsabilidade do poder público em relação ao contrato de trabalho celebrado entre prestador de serviço e seus empregados, seria possível à Administração escusar-se de arcar com tais encargos, caso surgisse a inadimplência deste, visto que não é diretamente o tomador de serviço?

É certo que é obrigação do contratado de arcar com todos os encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais de seus empregados, mas isso nem sempre ocorre. Como forma de precaução, não raro nos contratos celebrados existe a chamada cláusula de retenção, no qual o pagamento do serviço prestado fica retido até a apresentação de certidões negativas.

A Lei 8.666/93, em seu artigo 71, §2º [1], atribui à Administração Pública a responsabilidade solidária com o contratado pelos encargos previdenciários, assim, caso o contrato não faça o recolhimento, é de responsabilidade do poder público fazê-lo. Em se tratando de responsabilidade solidária, a única forma de a Administração se eximir do pagamento é a comprovação de recolhimento por parte da empresa contratada.

Sobre o tema, Matheus Carvalho leciona que:

"(…) O particular contratado deve arcar com todos os encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato, sendo que, conforme expressa dicção legal, a Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato. Sendo assim, em caso de não pagamento das obrigações previdenciárias dos empregados ligados à empresa contratada, surge automaticamente a possibilidade de se exigir tal prestação do ente público" [2]

Destarte, é indiscutível a responsabilidade solidaria do poder público no que tange aos encargos previdenciários, mas e os trabalhistas? Por falta de previsão legal, a Administração Pública não pode ser responsabilizada pela inadimplência do contrato de trabalho relativo aos encargos trabalhistas, sendo certo que o artigo 71, §1º, da Lei 8.666/93 expressamente a eximiu dessa responsabilidade, senão vejamos:

"Artigo 71  (…)
§1°. A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis".

Todavia, embora expressamente prevista a inexistência de responsabilidade, a Justiça no âmbito trabalhista simplesmente ignorava o dispositivo legal e atribuía essa responsabilidade de pagamento ao Estado.

O Tribunal Superior do Trabalho, em total dissonância inclusive com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, editou a Súmula 331, que determinava a responsabilidade subsidiária e automática ao poder público pelos débitos trabalhistas das empresas contratadas.

A supramencionada súmula, em sua redação original, ao meu juízo inconstitucional, vigorou até o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal da ADC nº 16, no qual entendeu que não seria mais possível aplicar o entendimento sumulado e ignorar o dispositivo previsto na Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Diante disso, o TST alterou o dispositivo IV e acrescentou dois novos dispositivos na Súmula 331, passando a vigorar com a seguinte redação:

"IV O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral".

O jurista Matheus Carvalho critica a nova redação adotada pelo TST por se tratar de uma manobra para imputar ao Estado a responsabilidade por débitos da empresa contratada, entendendo que continua a violar o dispositivo legal e a decisão do Supremo, por carecer de previsão legal.

Nesse diapasão, corroboro com o entendimento do supramencionado autor, uma vez que é ilógico aplicar responsabilidade ao Estado, mesmo que subsidiária, em vista que a própria lei vigente e reafirmada pelo Supremo exime o ente público dessa responsabilização. A "manobra" jurídica adotada pelo Judiciário trabalhista é ilógica e carece de imparcialidade.

Carvalho assevera que a imparcialidade é fato predominante da seara trabalhista, visto que é um órgão criado em prol da classe trabalhadora, e muitas vezes extrapola seus limites de atuação, vejamos:

"(…) O Judiciário trabalhista carece de imparcialidade exigida para atividade judicante, sendo um órgão criado em prol do trabalhador. O que se vê, diuturnamente, é o juiz do trabalho atuando como verdadeiro advogado do trabalhador/reclamante, deixando, muitas vezes, de lado todos os princípios processuais, entre eles, a isonomia processual e da imparcialidade" [3].

Assim sendo, visto que o artigo 71, §1º, da Lei 8.666/93 é válido, e foi reafirmado recentemente pelo próprio Supremo Tribunal Federal, não pode ser ignorado pelo Tribunal Superior do Trabalhado, que de forma leviana tenta "burlar" o sistema aplicando a responsabilidade subsidiária ao Estado.

Isto posto, a Administração Pública não tem qualquer responsabilidade no que tange ao inadimplemento por parte do contratado, haja vista que a obrigação se limita aos encargos previdenciários, por expressa previsão legal.

 


[1] "Art. 71. (…) § 2o A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991".

[2] CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4. ed. Salvador: JusPODVIM, 2017, p. 565.

[3] CARVALHO, Matheus. Manual de direito administrativo. 4. ed. Salvador: JusPODVIM, 2017, p. 567.

Autores

  • é advogado, professor de pós-graduação na Unifaj em parceria com o G7 Instituto, coordenador jurídico da Associação de Desenvolvimento Social, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Puc-Campinas e pós-graduado em Direito Eleitoral pelo Instituto Damásio.

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