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Decisão que suspendeu retorno às aulas não se sustenta, dizem advogados

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29 de janeiro de 2021, 13h58

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Liminar desta quinta-feira (28/1) suspendeu retorno das aulas presenciais em São Paulo
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A juíza Simone Gomes, da 9ª Vara da Fazenda Pública, suspendeu nesta quinta-feira (28/1) o retorno das aulas presenciais no estado de São Paulo. A decisão vale para escolas públicas e privadas. Ela atendeu a um pedido do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) para barrar decreto do governador João Doria (PSDB) que autorizava a abertura das escolas mesmo se o estado registrasse piora nos índices da pandemia de Covid-19. A previsão era que, no caso das particulares, os alunos voltassem no dia 1º fevereiro; na rede estadual, no dia 8, e, na municipal, no dia 15. O governo estadual recorreu da decisão.

 Ao conceder a liminar, a juíza baseou sua decisão "na proteção ao direito à vida". Ela defendeu que as aulas presenciais não devem ser retomadas em áreas classificadas nas fases laranja e vermelha.

 Advogados ouvidos pela ConJur questionaram a decisão. Saulo Stefanone Alle, doutor em Direito Internacional pela USP, especialista em Direito Constitucional e Internacional do Peixoto & Cury Advogados, defende a revisão imediata da decisão.

"Porque [a decisão] é deficiente tecnicamente e falha em conceitos básicos de Direito Constitucional e Público. A restrição ao exercício de um direito, de uma liberdade, depende de lei em sentido estrito. Em tempos de normalidade, um decreto nunca poderia impedir o funcionamento das escolas. Na excepcionalidade de saúde pública, a única base de legitimação para o decreto de fechamento é decisão técnica, sanitária, de órgão competente. Por outro lado, se o órgão médico entende que é possível a abertura, não há fundamento jurídico para impedir", diz Saulo.

 Ainda de acordo com o advogado, a decisão "problematiza questões médicas e sanitárias a partir de senso comum, em sentido contrário à decisão de órgão técnico composto por especialistas da saúde”.

 "Do ponto de vista jurídico, a decisão também peca ao fundar-se em argumentos abstratos e conceitos abertos, no que chamamos de 'ofensa reflexa à Constituição'. De modo geral, a ofensa reflexa à Constituição alegada pela decisão sequer é reconhecida como fundamento recursal, e o STF necessariamente recusa os recursos interpostos com base nela", conclui.

 Já para Adib Abdouni, especialista em Direito Constitucional e Criminal, a decisão "mostra-se açodada ao contribuir para que se instale um quadro maior ainda de desnecessária insegurança jurídica social".

"Eis que desconsiderou todo um acúmulo de conhecimento técnico-científico que se operou nos últimos tempos acerca dos riscos de agravamento da disseminação da doença e que ampara a edição da norma em foco , como a detecção de que a incidência da Covid-19 em crianças é menor do que em indivíduos adultos. Assim, como ignorou que a retomada da abertura das escolas proposta não é generalizada ou descuidada, na medida em que definida a obrigatoriedade da adoção, por todas as instituições de ensino, dos protocolos sanitários específicos para o setor da educação a mitigar os riscos de contaminação, sem perder de vista que os profissionais da educação devem sim integrar o grau de prioridade para receber os imunizantes disponibilizados pelo Poder Público", afirma Adib.

 Adib também entende que a decisão potencializará o "recrudescimento dos prejuízos já experimentados pelos estudantes, resultantes da perpetuação de períodos prolongados de suspensão de aulas e atividades presenciais em ambiente escolar".

 Segundo o advogado, a proibição representa frontal violação ao direito constitucional à educação, esse "de índole indubitavelmente essencial e considerado como um dos núcleos mais sensíveis da atividade social por representar, de um lado, direito social, e, de outro, dever do Estado (Constituição Federal, artigos 6º, 23, 205 e 208), que deve ser promovido e garantido em favor dos discentes, sob o pálio da prioridade, com colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".

De acordo com a especialista em direito de saúde, Fernanda Zucare, sócia do Zucare Advogados Associados, a decisão de retorno às aulas está pautada em protocolos de higiene e segurança. "O que o governo poderia fazer seria incluir os professores também como prioridade na vacinação contra a Covid-19. Suspender o retorno às aulas das escolas públicas e privadas trará ainda mais prejuízos aos alunos, principalmente, da rede pública, com o aumento da evasão dos alunos e desistência dos estudos", conclui.

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