Opinião

A desproporcionalidade na condenação de Ralph Gracie

Autor

28 de janeiro de 2021, 12h14

Obviamente, não temos a intenção de polemizar a respeito da pena imposta ao mestre de jiu-jitsu brasileiro Ralph Gracie, da família que se consagrou internacionalmente no universo das artes marciais (alguns países se referem a artes místicas, pelo caráter espiritual e moral de sua filosofia), pelo Tribunal de Justiça de Orange County, na Califórnia, Estados Unidos.

Ainda assim, há perplexidade com o rigor da condenação: seis meses de prisão em regime fechado, mais três anos de liberdade condicional, multa de 50 mil dólares, fazer um "curso de controle de raiva" e proibição de deixar os EUA.

O fato decorre do processo instaurado pela ocorrência de rixa, em que o lutador teria agredido outro lutador, aliás também da "escola Gracie", numa desavença ocorrida quando assistiam a um torneio de lutas.

Ora, todos aqueles que têm familiaridade com o clima das torcidas durante as disputas sabem que conflitos verbais e físicos, que o nosso Código Penal considera crime de menor potencial lesivo (a rixa), são tratados quase como um elemento secundário da agressividade presente na própria concepção do comportamento social do entorno.

Explicando claramente, empurra-empurra, tapas, trocas de socos e pontapés, que seriam inadmissíveis num concerto sinfônico, fazem parte do cotidiano desses espetáculos em que a excitação e o espírito de competição ficam potencializados.

Todo o Brasil conhece a tradição humanizada que Carlos e Hélio Gracie fundamentaram, técnica e teoricamente, como uma luta de contenção dos instintos bárbaros das lutas de origem, de objetivo de destruição e morte, que marcaram a história dessas guerras individuais, enquadradas esportivamente.

Ou seja, Ralph Gracie carrega o legado dessa educação psicológica em que o instinto se submete a regras de contenção e até elegância, formalmente reconhecidas em todo o mundo.

E o nosso brasileiro Ralph tem sido um pioneiro em disseminar, através de academias respeitadas nos EUA, esse glamour que se baseia na cultura brasileira de volteio, da esquiva, da inteligência e do talento se sobrepujando à raiva e à preterintencionalidade de lesar, ferir, machucar o corpo do adversário.

Adversário que não é considerado inimigo, mas parceiro na luta, no esporte.

Transplantando essa reflexão para o ocorrido, a Justiça americana pecou pelo excesso e talvez pelo desconhecimento emocional dos envolvidos, dois lutadores que por razões e subjetividades alteradas se estranharam e ultrapassaram o limite da condição de torcedores, se projetando no tatame do imaginário.

Essa enganosa sentença, portanto, mesmo que acertada consensualmente, na realidade desconsiderou as circunstâncias, as personalidades, os atenuantes, tudo isso implicando num daqueles erros jurídicos que maculam a essência da Justiça.

Milhares de alunos brasileiros, discípulos dessa arte do jiu-jitsu, são testemunhas da natureza socializada de Ralph Gracie, e apenas para anotar a disparidade, obrigar o mestre do autocontrole a cursar aulas dessa ciência chega ao ultraje do escárnio.

Urge que essa pena seja revista na conformidade das suas contingências processuais para que não se transforme em humor negro uma biografia exemplar.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!