Opinião

Stalking é violência psicológica que autoriza uso da Lei Maria da Penha

Autores

  • Murilo Alan Volpi

    é promotor substituto no estado do Paraná (MP-PR) doutorando e mestre em Direito Político Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) especialista em Direito Tributário pela FDRP-USP ex-advogado e analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo (MP-SP) e ex-delegado de polícia no estado de Minas Gerais (PC-MG).

  • Matheus Tauan Volpi

    é delegado de polícia no estado de Minas Gerais (PC-MG) doutorando em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) mestre e especialista em Direito Tributário pela USP professor de Direito Penal e Processo Penal na Unip-São José do Rio Preto (SP) e ex-advogado e analista jurídico do Ministério Público (MP-SP).

27 de janeiro de 2021, 6h04

A Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) constitui um marco na historia do Direito. Como bem aponta Valéria Diez Scarance Fernandes [1], "essa lei rompeu com a noção de que o processo tradicional era suficiente para que a mulher vencesse séculos de inferioridade, discriminação e violência. Mais do que uma lei repressiva, a Lei Maria da Penha recriou o processo penal, dotando-o de mecanismos para proteger a mulher, recuperar o agressor, romper o ciclo da violência nas famílias e assim promover a pacificação social".

O conceito de "violência" [2], premissa da aplicação da Lei Maria da Penha, está invariavelmente sujeito a transformações no tempo. Condutas que eram toleradas em tempos remotos passam a ser vistas hoje sob novas lentes, sendo tidas como atos violadores.

Nesse contexto, a reflexão acerca do stalking, prática cada vez mais presente [3], é fundamental, notadamente para o fim de reconhecer que a mulher vítima dessa espécie de conduta também pode se valer dos mecanismos de proteção da Lei Maria da Penha.

A expressão stalking pode ser traduzida como "perseguição persistente". De acordo com Damásio de Jesus [4], "stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou do trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela Polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos".

A prática do stalking configura a contravenção penal de perturbação da tranquilidade (artigo 65 do Decreto-Lei nº 3.688/41 [5]) e, além disso, permite a aplicação da Lei Maria da Penha [6], uma vez que caracteriza violência psicológica contra a mulher, nos termos do artigo 5º, inciso III, e 7º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006.

Mesmo nos casos em que a mulher vítima do stalking não possua vínculo pretérito com o autor das condutas, é possível a aplicação da Lei Maria da Penha, desde que evidenciado, ainda que de forma putativa, a presença de uma relação íntima de afeto entre autor e vítima (artigo 5º, III, da Lei nº 11.343/06).

Dessa forma, é preciso reconhecer que o stalking também constitui forma de violência psicológica contra a mulher, autorizando a vítima a se valer das medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha. O deferimento de medidas protetivas nesses casos é uma forma proteger a mulher, de recuperar o agressor, de romper o ciclo da violência e promover a pacificação social, objetivos últimos da Lei nº 11.340/06.

 


[1] FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: O Processo Penal no Caminho da Efetividade. Grupo GEN, 2015.

[2] “A Lei Maria da Penha utilizou o termo “violência” como uma violação a direito da mulher. Assim, a tradicional distinção entre “ameaça” e “violência” (física) deixa de existir quando se trata de violência doméstica e familiar. Essa violência pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral (art. 7o). Elaborada com base em instrumentos internacionais, a Lei Maria da Penha ampliou as formas de violência definidas na Convenção de Belém do Pará. Nesse instrumento, previa-se tão somente as violências física, se- xual e psicológica, enquanto a Lei Maria da Penha prevê mais duas formas: a moral e a patrimonial”. (FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Lei Maria da Penha: O Processo Penal no Caminho da Efetividade. Grupo GEN, 2015. p. 48).

[3] “Estima-se que, nos Estados Unidos, cerca de 1 milhão de mulheres e 400 mil homens foram vítimas de stalking em 2002. Na Inglaterra, a cada ano, 600 mil homens e 250 mil mulheres são perseguidos. Em Viena, desde 1996, existem informes da ocorrência de 40 mil casos; em 2004, em um grupo de mil mulheres entrevistadas por telefone, pelo menos uma em cada quatro foi molestada dessa forma” (JESUS, Damásio E. de. Stalking. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10846. Acesso em: 20 jan. 2021).

[4] JESUS, Damásio E. de. Stalking. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1655, 12 jan. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10846. Acesso em: 20 jan. 2021.

[5] Idem.

[6] REIS, Rodrigo A. O stalking no ordenamento jurídico brasileiro e a Lei Maria da Penha. Revista Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-mai-11/rodrigo-reis-stalking-ordenamento-juridico-brasileiro#:~:text=Muito%20embora%20o%20stalking%20n%C3%A3o,restri%C3%A7%C3%A3o%20da%20liberdade%20da%20v%C3%ADtima.

Autores

  • é promotor de Justiça (MP/PR), doutorando e mestre em Direito Político e Econômico pelo Mackenzie, especialista em Direito Tributário pela USP, já foi advogado, analista Jurídico do MPSP e delegado de polícia no Estado de Minas Gerais.

  • é doutorando em Direito Tributário pela Universidade Federal do Paraná, mestre e especialista em Direito Tributário pela USP, professor de Direito Penal e Processo Penal na UNIP-São José do Rio Preto/SP e analista jurídico do Ministério Público (MP/SP).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!