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Um novo século e o novo capítulo na assistência em disputas

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27 de janeiro de 2021, 18h38

Entramos no primeiro ano da segunda década do século 21, e lá vêm meus 30 anos vivenciando, como espectador e auxiliar, a evolução do litígio judicial e arbitral no Brasil e no mundo.

Eu guardo em lugar especial na memória momentos em que advogados escreviam à mão laudas e laudas, em blocos de notas, a lápis e depois de conferidas eram mandadas para assistentes datilografarem. Petições com alegações tão longas que eram necessárias até três assistentes para executar a tarefa. Têm lugar especial, igualmente, na minha biblioteca laudos emitidos pelo meu pai, datilografados na sua IBM 82 C elétrica, com diferentes esferas.

Se esse mundo ficou na memória de alguns e na minha, não diferente tem sido perceber a maneira como os melhores advogados e as bancas mais admiradas têm se preparado para as disputas que agora vêm em quantidades medidas em terabytes de dados e informações para subsidiar as alegações.

Sim, eu preciso falar da assistência técnica como suporte à equipe do contencioso, seja ele judicial, mas principalmente arbitral. O mundo vem evoluindo e se você pensa em convencer seu cliente a contratar um assistente técnico apenas quando juízes ou árbitros deferem a produção de prova, suas chances de êxito na disputa já são desde já estaticamente reduzidas e os honorários dos especialistas mais caros. É inexorável!

Mais do que lhe explicar por que o suporte a disputas tem mudado ao longo das últimas décadas, e mudará mais ainda daqui para frente, o objetivo desse artigo é lhe preparar para não perder uma disputa pela qual você foi contratado pelo seu cliente, antes mesmo de começar.

As disputas arbitrais têm aumentado em complexidade, volume de dados e informações e, por óbvio, valores em disputa e custos. É fácil imaginar cenários, o quanto pode ser complicado esse novo ambiente da arbitragem… De um lado temos a parte que comprou uma empresa de comércio online e essa faz a leitura de QR code dos produtos para gerenciar a movimentação de estoques. Essa movimentação, por sua vez, impacta valores de impostos diretos e indiretos, faturamento e custos de comercialização. O resultado disso impacta contingências fiscais, fluxo de caixa e, por fim, o valor da empresa. Tudo isso rodando a partir de um aplicativo de compras pela internet em que o usuário determina o que e como quer receber e pagar o produto.

Agora imagine que a parte que adquiriu essa empresa descobre que o sistema que gerencia a logística de recebimento e entrega tem uma falha conceitual em sua concepção. Essa falha conceitual quando trazida ao sistema de logística da empresa compradora acarreta um aumento de custos de recebimento e entrega de 8%, comprometendo toda a rentabilidade da atividade. Tal fato foi trazido pela equipe de TI da empresa e corroborada por um ex-empregado da empresa vendida. Em entrevistas com outros ex-empregados fica caracterizado que essa questão já era de conhecimento dos antigos proprietários.

Por seu turno, a outra parte quando apresentada ao problema indicou que se problema há no sistema de logística ele teria ocorrido quando da migração de dados da empresa vendida para a compradora. Além do mais, segundo o plano de negócios utilizados para realizar a transação, a expectativa do mercado era de que a empresa compradora poderia aumentar sua audiência em buscas de produtos em 15%, alçando uma fatia expressiva nos resultados nesses aplicativos de pesquisa. Porém, informações iniciais apontariam que a empresa compradora ao fazer o negócio teve sua audiência aumentada em 21% e somente isso mais que dobraria a expectativa de receitas e lucros esperados, sendo assim um excelente negócio.

Quantos especialistas você precisa trazer para definir as estratégias do autor? E do réu? Quando eles precisam começar a municiar suas equipes com dados e informações para você escrever suas alegações?

Sem dúvida precisamos antes de tudo de um profissional de Forensic Technology ("FTech") para fazer a imagem forense de dados contábeis e de e-mails da empresa. A leitura de e-mails dos funcionários do período anterior à aquisição são primordiais para identificar o grau de conhecimento dos antigos proprietários sobre o tema do sistema de logística. A equipe do FTech também será a responsável por manter os dados coletados em um data-room de acesso às partes, aos árbitros e posteriormente aos peritos desde o início. Evitando-se que ao longo do processo os dados sejam perdidos ou de difícil coleta pelo passar dos anos.

Falando em logística um engenheiro de produção com experiência em lógica de programação não pode deixar de ser consultado para confirmar os achados do cliente, antes que você apresente algo que não poderia ser posteriormente comprovado.

Um profissional de "valuation" para rever as premissas da formação do preço de venda e que conheça sobre o impacto de audiência nos buscadores na rede de computadores será primordial.

Por fim, um perito contador para organizar todos os dados, demonstrar que tudo que se apurou encontra guarida nos livros obrigatórios de escrituração mercantil da parte, falar a linguagem especifica da arbitragem, consolidar e resumir as conclusões para que os árbitros compreendam o trabalho de prova que foi realizado.

De um simples ou complexo problema trazido por um cliente já temos a dimensão para onde a assistência a disputas tende a caminhar. Basta saber se caminharemos todos juntos e quem ficará sem rumo. Resta claro que sairemos do profissional especialista em sua área de conhecimento, para o especialista em prover suporte técnico generalizado aos escritórios de advocacia e seus clientes desde o conhecimento da eventual disputa.

Profissionais experientes em disputas, com domínio de ferramentas de tecnologia, hardware que garanta a proteção e acessibilidade dos dados, com equipe multidisciplinar, agregando esses profissionais diante da necessidade do caso, capaz de antecipar riscos e eventuais faltas que comprometam o caso, com experiência comprovada em casos complexos e em diferentes indústrias. Essas características substituirão o clássico perito contador ou engenheiro que os escritórios contratavam tirando seus nomes da agenda para apagar incêndios quando o juiz ou os árbitros deferiam uma perícia.

Por óbvio, cada caso é um caso, mas o advogado não poderia deixar para uma hora tardia a revisão do seu caso por um seu perito assistente e nem estar sujeito a contratação de três, quatro peritos para atendê-lo sem um único ponto focal de suporte. Será que os árbitros também deveriam ter esse cuidado ao iniciar o procedimento arbitral? Essa é outra discussão.

Por tudo isso, não tenho como não deixar em um lugar especial da memória aqueles laudos lavrados na valente IBM 82 C do meu saudoso pai, mas já está mais do que na hora de convidar a todos a se juntarem a mim na jornada da gestão de um projeto de suporte a disputas que venha com ferramentas como a tecnologia forense, a inteligência artificial, a análise e o tratamento de dados eletrônicos.

Que a nossa jornada continue!

Autores

  • é sócio da KPMG Assessores, líder da prática de serviços de consultoria em disputas, mestre e doutor em Ciências Contábeis pela Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis da Universidade de São Paulo (FEA-USP), contador certificado pelo Cadastro Nacional de Peritos do Conselho Federal de Contabilidade, ex-professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-professor auxiliar da FEA-USP. Atua como perito do Juízo e de Comitês Arbitrais ou como assistente técnico das partes em perícia contábil, financeira.

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