Pouca representatividade

Associação que se insurge contra indicação da Câmara quase não tem filiados

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26 de janeiro de 2021, 20h04

CNJ
Entidade de juízes questiona desde programa de trainee até nomeação ao CNJ

Nos últimos meses, um detalhe comum no noticiário de assuntos distintos como a contratação de trainee negros pela Magalu e a indicação da Câmara dos Deputados de um advogado para o Conselho Nacional de Justiça despertou a atenção da comunidade jurídica e da imprensa especializada no país: nos dois casos, uma nova associação se colocou como porta-voz dos juízes brasileiros e passou a criticar duramente o enfoque de alguns jornais.

A entidade, batizada de Associação Nacional para a Defesa da Magistratura (ADM), conta, segundo a reportagem apurou, com 26 juízes aposentados e ativos, um número ínfimo diante dos 18.091 magistrados em atividade no país, conforme dados coletados pelo CNJ em 2019. A reportagem buscou confirmar os números com a associação, mas não obteve retorno até a publicação. 

A ADM foi criada pelo grupo do juiz Luiz Gomes da Rocha Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública do Recife, depois da derrota da chapa dele nas eleições para o comando da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) em 2019, a maior e uma das mais antigas entidades de juízes brasileiros.

A AMB tem cerca de 14 mil associados, incluindo juízes estaduais, federais, do trabalho e militares, além de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). A vencedora da eleição, a juíza criminal Renata Gil, do Rio de Janeiro, teve 6.584 votos (80% do total de votantes). Antes da derrota na AMB, Gomes disputou e perdeu também a eleição para a Associação dos Magistrados do Estado de Pernambuco (Amepe).

O estatuto da ADM foi registrado em agosto do ano passado. Segundo o documento, a entidade teria como objetivo defender os interesses da magistratura, tarefa hoje a cargo da AMB e da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) em âmbito nacional.

O surgimento da ADM segue o mesmo padrão do registro da União Nacional de Juízes Federais, uma entidade criada pelo grupo do juiz Eduardo Luiz Rocha Cubas, do Juizado Especial Federal de Formosa (GO), para fazer frente com à histórica Ajufe.

Cubas fez parte da chapa de Luiz Gomes na fracassada tentativa de chegar ao comando da AMB nas eleições de 2019. O juiz ficou conhecido quando foi acusado pela Advocacia Geral da União de se insurgir contra as urnas eletrônicas e tentar inviabilizar as eleições presidenciais de 2018.

O magistrado teria planejado determinar a apreensão de urnas eletrônicas pelo Exército dois dias antes das eleições de 7 de outubro. Segundo a acusação da AGU levada ao CNJ, Cubas pretendia usar "do poder coercitivo que um provimento jurisdicional para atingir objetivos políticos, em especial inviabilizar a realização das eleições ou desacreditar o processo eleitoral como um todo".

A manobra foi prontamente barrada, embora tenha alimentado parte do noticiário destinado a aumentar a resistência de alguns grupos ao voto eletrônico.

Foi a Unajuf de Cubas quem tentou impedir o ministro Gilmar Mendes, do STF, de participar do julgamento da ação sobre voto impresso nas mesmas eleições presidenciais em que tentaria apreender as urnas eletrônicas. Mendes é contra o retorno ao voto impresso. A investida do grupo também não surtiu os efeitos esperados. No julgamento, o STF rejeitou o voto impresso e garantiu as eleições com voto eletrônico.

A Unajuf é considerada uma associação "informal". Com aproximadamente 30 associados — número não confirmado pela entidade —, até hoje a entidade não dispõe nem mesmo de CNPJ, o que a deixa fora do alcance de exigências legais. Mesmo minúscula e sem existência formal, a associação de Cubas tenta competir por espaço no noticiário com a Ajufe, que conta com mais de 2 mil associados (quase 100% da categoria) e vem se destacando por representar os juízes federais em longas tratativas no Congresso, no Executivo e no Judiciário.

A baixa representatividade não impede que as associações de Luiz Gomes e Cubas tenham espaço para seus líderes no noticiário nacional ou nas redes sociais. Recentemente, a ADM apareceu em alguns jornais para atacar a Câmara dos Deputados por causa da indicação do advogado Mário Nunes Maia para uma vaga no CNJ.

A indicação do advogado foi aprovada pelo voto de 364 deputados. Nunes Maia também foi sabatinado e aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Mesmo assim, a ADM se insurgiu contra a Câmara e tentou, sem sucesso, barrar a indicação do advogado.

O juiz Renato Coelho Borelli, da 9ª Vara Federal Civil, rejeitou um pedido da associação de Luiz Gomes. Num curto despacho, Borelli deixou claro que não cabe ao Judiciário, muito menos a ADM, ensinar a Câmara a escolher o próprio representante a ser indicado para o CNJ. Segundo Borelli, é uma atribuição exclusiva da Câmara e do Senado.

"Entendo que é ato discricionário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal a indicação do terceiro réu para o cargo, segundo previsão do artigo 103-B, XIII, da CF/1988, dentre cidadãos de notável saber jurídico e reputação ilibada, não competindo ao poder Judiciário dizer se o conselheiro escolhido preenche ou não os referidos requisitos, sob pena de ferir a separação entre os poderes", afirmou.

A associação de Cubas usou como pretexto na ação contra o advogado o argumento de que Nunes Maia não tem notório saber jurídico. O advogado é pesquisador, autor de cinco livros e, no momento, está prestes a concluir mestrado em Gestão e Políticas Públicas na Universidade de Lisboa.

Mesmo diante da derrota, a ADM criticou Borelli e anunciou que iria recorrer para derrubar a decisão do juiz, da Câmara e da CCJ do Senado. Com a insistência numa briga com poucas chances de vitória, Luiz Gomes se mantém em evidência. Para advogados que acompanham o caso de perto, o juiz se rebela contra a indicação da Câmara, mas o verdadeiro alvo dele seriam as novas eleições da AMB, marcadas para o próximo ano.

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