Opinião

Desafios para o combate à lavagem de capitais pelo CFOAB

Autores

  • Filipe Lovato Batich

    é advogado associado da prática de Direito Penal Empresarial & Compliance do Madrona Advogados mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (FD-USP) e professor Universitário.

  • Rhasmye El Rafih

    é advogada associada da prática Direito Penal Empresarial & Compliance do Madrona Advogados e mestra em Direito pela Universidade de São Paulo (FDRP-USP).

25 de janeiro de 2021, 6h04

A sociedade e a advocacia aplaudem de pé a proposta apresentada pelo Conselho Federal da OAB (CFOAB) para a regulação dos deveres de combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo impostos aos advogados e às bancas pela Lei 9.613/98, em decorrência das alterações trazidas pela Lei 12.683/12.

A minuta, elaborada por juristas de altíssimo nível, como Heloisa Estellita, Pierpaolo Bottini e Juliano Breda, claramente reforça que atividades relacionadas tanto à consultoria quanto à representação jurídica, ou seja, atuações já protegidas pelo sigilo profissional no ordenamento jurídico brasileiro, não são passíveis de sujeição à obrigação de comunicações às autoridades de inteligência financeira, mesmo que se tenha conhecimento sobre a realização de operações classificadas como suspeitas.

Por outro lado, serviços muitas vezes executados por advogados, listados no artigo 9º, XIV, da Lei 9.613/98, tais como a assessoria jurídica e a auditoria em determinadas operações, como compra e venda de participações societárias, em tese não gozariam da proteção jurídica despendida às situações anteriores, não atraindo o sigilo profissional entre cliente e advogado disposto no Estatuto da OAB e tratado pela proposta do CFOAB para afastar o dever de comunicação às autoridades de inteligência financeira.

Os parâmetros utilizados na proposta refletem em parte as normas internacionais que regulam o tema. O Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo dispõe, na nota interpretativa de sua Resolução 23, que advogados "não estão obrigados a reportar transações suspeitas se a informação relevante foi obtida em circunstâncias nas quais eles estão sujeitos ao sigilo profissional ou prerrogativa profissional", em especial quando se tratar de acertamento ou determinação da posição jurídica do cliente ou na atividade de defesa ou representação em procedimento judicial, administrativo, de arbitragem ou mediação de um cliente.

A União Europeia, por meio da Diretiva 2015/849, impõe o dever de comunicar operações suspeitas aos advogados que prestem assistência somente no planejamento ou execução de operações de: 1) compra e venda de bens imóveis ou entidades comerciais; 2) gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos pertencentes ao cliente; 3) abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança ou de valores mobiliários; 4) organização de entradas ou contribuições necessárias à criação, exploração ou gestão de sociedades; e 5) criação, exploração ou gestão de fundos fiduciários (trusts), sociedades, fundações ou estruturas análogas.

Por meio da importantíssima delimitação capitaneada pela proposta do CFOAB, busca-se afastar os advogados e suas bancas de eventuais retaliações aos serviços jurídicos prestados aos clientes, garantidos constitucionalmente, que muitas vezes são injustamente vistos com desconfiança pelas autoridades públicas.

Porém, em paralelo às práticas contenciosas e consultivas, as bancas de advocacia se veem na consecução de atividades importantes que também necessitam de uma melhor regulamentação no tocante ao combate a lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, especialmente no campo da assessoria jurídica, notadamente quando os serviços são utilizados para a emissão de títulos mobiliários ou em operações de fusões ou aquisições.

Esse entrave foi superado no âmbito da União Europeia pela Diretiva 2015/849, que limitou o dever de informar a situações pontuais de assistência no planejamento ou execução de operações por advogado, retirando o dever quando há assistência de natureza jurídica.

No Brasil, o artigo 1º, incisos I e II, do Estatuto da Advocacia traz como atividade privativa da advocacia, além das atividades de postulação (representação jurídica) e consultoria, a atividade de assessoria jurídica. Essa se distingue da consultoria por seu caráter mais amplo (abrange uma multiplicidade de questões e, por vezes, de áreas) e duradouro.

Nas situações práticas acima levantadas, é comum que escritórios de advocacia sejam contratados em operações de fusões e aquisições, juntamente com empresas de auditoria, tanto pela parte que deseja vender, quanto pela que pretende adquirir participações de uma determinada empresa; ou, quando se trata da emissão de títulos mobiliários, pela pessoa jurídica que os emite ou pelos bancos que são contratados para realizarem a operação financeira.

Nesses casos, verificam-se duas situações distintas.

A primeira situação trata de eventuais operações suspeitas realizadas no closing ou liquidação de uma fusão ou aquisição. A consecução desse tipo de atividade não parece estar protegida pelo sigilo cliente-advogado, já que não é exclusivamente de representação e consultoria ou até mesmo assessoria jurídica propriamente dita e, consequentemente, atrairia a incidência do artigo 9º, XIV, da Lei 9.613/98. Portanto, assim como um corretor de imóveis possui deveres de informar quando se depara com suspeitas em relação à venda de uma casa, os advogados de escritórios de advocacia, bem como os demais envolvidos na operação, teriam o dever de comunicar às autoridades de inteligência quando se depararem com uma operação considerada suspeita, como em casos de dificuldade de identificação do real beneficiário, uso de interpostas empresas e/ou pessoas ou mesmo operações em espécie e ter atenção redobrada se envolvidas pessoas politicamente expostas.

A segunda situação, que necessita de uma maior atenção, trata da realização de due diligence antes do fechamento de uma aquisição ou de uma emissão de ações ou de títulos. A due diligence é um tipo de investigação que visa à identificação de riscos de um determinado negócio e à elaboração de um relatório sobre tais riscos a fim de mapeá-los para o futuro comprador ou investidor. Por ser um processo abrangente, a investigação busca clarear os aspectos econômicos e jurídicos, entre outros, que impactam diretamente a precificação de uma compra ou a emissão de um título mobiliário.

Durante a realização de due diligence jurídica, os advogados e escritórios têm papéis diferentes: 1) os que representam a parte a ser vendida ou investida; e 2) os contratados pelos investidores ou bancos que intermediarão o investimento. Em ambos os casos, esses profissionais possuem acesso a informações muitas vezes sigilosas, como investigações administrativas ou policiais, ações que tramitam sob segredo de Justiça, estruturas societárias complexas etc. E é aqui que a interação entre sigilo profissional e deveres ao combate à lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo é tencionada.

Por um lado, parece ser dever do advogado contratado na due diligence para emissão de valores mobiliários tornar públicos todos os riscos identificados nas informações a que teve acesso. Uma vez que as informações serão públicas, poderão ser tidas como objeto de comunicação às autoridades de inteligência financeira. Por outro, entendemos que os advogados e escritórios contratados por um vendedor, em uma operação de fusão e aquisição, enfrentam um diferente dilema.

Isso porque esses advogados só poderão relatar situações suspeitas a partir do momento em que seus clientes permitam que terceiros tenham ciência sobre esses fatos, pois: 1) podem se tratar da mesma banca ou profissionais que assistem o cliente em litígios ou consultas relacionados à operação suspeita, atraindo o que dispõe na proposta pelo CFOAB; e, 2) esse papel de auxilio ao vendedor em uma operação de fusão ou aquisição possui natureza de assessoria jurídica. Nesse último caso, os advogados que assistem ao vendedor terão não somente a atribuição de levantar as informações e documentos societários para verificar eventuais restrições jurídicas à transferência de quotas/ações; estimar todos os passivos da sociedade, especialmente oriundos de obrigações judiciais; mapear demais riscos à operação, incluindo administrativos, regulatórios, imobiliários, tributários, trabalhistas e de ética corporativa; mas, especialmente, analisar com o vendedor quais dessas informações devem ser repassadas ao possível investidor para consecução da operação.

Assim, com a proposta apresentada pelo CFOAB, foi dado o primeiro passo para a regulamentação do combate à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo na advocacia e são grandes os méritos em relação a ela. Porém, considerando o dinamismo das relações econômicas na sociedade contemporânea e, consequentemente, das atividades do advogado, a compatibilização entre a garantia do sigilo cliente-advogado com outras obrigações ainda deve percorrer um vasto caminho, que considere as peculiaridades da prática das atividades do advogado.

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    é advogado associado da prática White Collar & Compliance do escritório Madrona Advogados, mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo e professor universitário.

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    é advogada associada da prática White Collar & Compliance do escritório Madrona Advogados e mestra em Direito pela Universidade de São Paulo, campus de Ribeirão Preto.

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