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O que faz a diferença é o medo de ter coragem

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25 de janeiro de 2021, 17h19

Um dos maiores problemas gerados pela pandemia da Covid-19 foi a grande redução das audiências presenciais entre advogados e magistrados. O teletrabalho acabou deixando de ser uma alternativa para se tornar uma rotina, mas não substituiu uma boa conversa olho no olho. O advogado tem a prerrogativa de falar com o juiz sem precisar marcar dia e hora, o que ficou complicado com os tribunais fechados e todas as dificuldades que isso acarreta.

No fim do ano passado, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios comemorou o fato de ter economizado cerca de R$ 18 milhões com o teletrabalho. É espantoso o TJ-DF festejar uma economia de 0,6% num orçamento de R$ 2,9 bilhões, conforme consta na lei orçamentária aprovada em 2019. Ao longo do período de pandemia, os juízes deveriam fazer audiências de meia hora, as quais acabaram sendo reduzidas para 15 minutos.

O teletrabalho é positivo, mas precisamos entender seus limites num quadro de pandemia no qual os advogados têm dificuldades de locomoção, de trabalhar em grupo num escritório ou obter documentos em cartório, o que torna a rotina do profissional extremamente penosa. Para um magistrado que mora em uma residência ampla, onde consegue trabalhar sem interferências, o teletrabalho deve ter sido maravilhoso. Mas vamos imaginar a rotina de alguém que divide com a família um pequeno apartamento e precisa fazer uma teleaudiência com um magistrado, ao mesmo tempo em que seus filhos estão em volta, o companheiro ou a companheira cuidando dos seus afazeres, tornando o ambiente inapropriado para o exercício profissional. Será que essas teleaudiências são produtivas? Será o advogado capaz de encaminhar suas demandas em apenas 15 minutos? Enquanto o advogado improvisa pressionado pelas circunstâncias, o juiz na maioria das vezes está muito distante dessa realidade.

É estranho que a OAB-DF não tenha parado para fazer as contas diante do alarido promovido pelo TJ-DF por causa de uma economia pífia de 0,6%. A função de um Tribunal de Justiça é justamente promover a Justiça e prover os meios para que ela seja feita. É claro que ninguém em sã consciência apoia desperdícios de qualquer natureza, especialmente com o dinheiro público. Mas quando os advogados não têm condições de trabalhar adequadamente, fica comprometida a paridade de forças indispensável na relação juiz, Ministério Público e advocacia. Seria mais racional e eficiente transformar essa economia em investimento, porque acima de tudo quem ganharia é a sociedade.

Quem sai do Plano Piloto de Brasília e circula pelas cidades satélites pode conferir o grande número de escritórios fechados. Nas cercanias do Fórum de Taguatinga, por exemplo, o cenário é simplesmente desolador. Escritórios fechados e profissionais sem condições de trabalho são os principais indícios do empobrecimento de uma categoria completamente desamparada e cada vez com menos perspectivas. A ideia que trespassa o imaginário coletivo, de advogados bem-sucedidos comandando escritórios luxuosos, infelizmente, é uma realidade da qual pouquíssimos usufruem. Para a grande maioria, a rotina do dia a dia e a luta pela sobrevivência e o sustento da família são duras, extenuantes e com baixo retorno financeiro.

Numa entrevista publicada no site Metrópoles em dezembro do ano passado, o presidente da OAB-DF, Délio Lins e Silva Junior, soltou uma bravata ao dizer que não tem medo de juiz. O problema é que esse ímpeto todo tem limites muito claros. Não serviu, por exemplo, para exigir da magistratura o cumprimento de audiências de ao menos meia hora. O abuso de certos juízes deveria ser questionado como violação das prerrogativas dos advogados, jamais tolerado. A realidade do doutor Délio é muito distinta da maioria dos advogados e provavelmente, em função do cargo que ocupa e das suas credenciais de família, nunca experimentou dificuldades para despachar com juízes de qualquer grau.

A bravata fez dele uma espécie de Maria Antonieta da advocacia brasiliense, a rainha francesa famosa pela frase sobre os famintos: "Se eles não têm pão, que comam brioches". O doutor Délio sabe que mais de um terço dos magistrados fez corpo mole para atender os advogados, a insatisfação da classe foi decisiva e acabou pressionando o tribunal a adotar um sistema de agendamento. Também sabe que esse agendamento não funciona direito, porque os advogados são colocados contra o relógio. Ele diz que está mapeando juízes e desembargadores e pretende tomar providências contra aqueles que descumprirem os agendamentos. Ora, parece que a OAB de Goiás foi mais realista e não dependeu de mapeamentos e burocracia para agir, indo direto ao ponto.

Esse fato está registrado em recente artigo sobre violação das prerrogativas advocatícias publicado pelos colegas Zênia Cernov, Paulo Alexandre Silva e Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues. Eles mostram que no ano passado a OAB de Goiás fez 76 registros, enquanto a de Brasília não fez nenhum. Goiás está ganhando de Brasília de 76 a zero! Isso certamente explica a inversão de certos valores pelo doutor Délio, para quem é normal o Tribunal de Ética da OAB-DF, um órgão punitivo, ocupar um andar inteiro na sede da entidade, enquanto a Comissão de Prerrogativas, cuja função é defender, funciona espremida numa salinha. São dois pesos e duas medidas. Não é preciso muito discernimento para entender que o que faz a diferença não é a falta de medo de juiz. É o medo de ter coragem.

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