Opinião

O 'fura-fila' e o ato de improbidade administrativa

Autor

  • Acácia Regina Soares de Sá

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul) mestre em Políticas Públicas e Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCeub) coordenadora do grupo temático de Direito Público do Centro de Inteligência Artificial do TJDFT integrante do grupo de pesquisa de Hermenêutica Administrativa do UniCeub e integrante do Grupo de Pesquisa Centros de Inteligência Precedentes e Demandas Repetitivas da Escola Nacional da Magistratura (Enfam).

25 de janeiro de 2021, 14h34

Um site de notícias publicou matéria informando que o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado da Bahia ajuizaram ações de improbidade e civil pública contra o prefeito de Candiba (BA), Reginaldo Martins Prado, em razão de ele ter "furado" a fila da vacinação e ter sido o primeiro a ser imunizado contra a Covid-19 no referido município, mesmo sem fazer parte do grupo prioritário de vacinação, conforme definido no plano nacional de imunização do Ministério da Saúde.

Os autores da ação sustentaram que, ao se vacinar contra a Covid-19, o prefeito de Candiba feriu os princípios da impessoalidade e da moralidade, razão pela qual cometeu o ato de improbidade administrativa previsto no artigo 11 da Lei nº 8.429/92.

Os atos de improbidade previstos no artigo 11 da Lei nº 8.429/92 são os chamados atos stricto sensu, tendo em vista que não há prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito, caracterizando-se apenas pela violação dos princípios administrativos em razão da inobservância dos deveres para com a Administração Pública previstos no artigo 4º do diploma legal acima mencionado.

Nessa direção, é possível então concluir que, para a caraterização do ato de improbidade administrativa stricto sensu, basta que o responsável viole, de forma intencional, um dos princípios da Administração Pública.

No caso narrado no site de notícias, o prefeito de um município não respeitou as prioridades estabelecidas pelo plano de imunização, vindo a ser vacinado mesmo sem figurar nos grupos de prioridade estabelecidos no referido plano, razão pelo qual os autores da ação civil pública por ato de improbidade entendem que violou o princípio da impessoalidade, tendo em vista que usou do seu cargo para que tomasse a dose da vacina, e ainda o princípio da moralidade administrativa, sob o fundamento de que sua atitude não condiz com os padrões de moralidade exigidos pela Administração Pública.

Dentro desse contexto, é necessário observar que, para a configuração do ato de improbidade administrativo em discussão, o autor da ação deve descrever como os princípios administrativos foram violados, sob pena de ofender as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Assim, não se mostra suficiente que se cite a violação ao princípio administrativo, mas é necessário que se descreva como ocorreu a referida violação, de modo a permitir que o réu possa exercer, de forma efetiva, seu direito de defesa, uma vez que a mera referência à violação de princípio administrativo não concede ao réu as condições para tanto.

Um outro ponto que vale ressaltar refere-se à necessidade de que o agente público se utilize do seu cargo para "furar" a fila da vacinação contra a Covid-19, ou seja, ainda que se trate de servidor/funcionário público, para a caracterização da prática de ato de improbidade administrativa o referido agente deve se utilizar do seu cargo para conseguir o benefício da sua vacinação fora dos critérios estabelecidos pelos entes públicos, isso porque o fato, por si só, de o agente ocupar uma função pública não se mostra suficiente para tanto, sendo necessário que haja conexão entre o benefício e o cargo/função ocupado.

Dessa forma, conclui-se acerca da possibilidade de o ato de "furar" a fila para a vacinação contra a Covid-19 ser caracterizado como ato de improbidade administrativa stricto sensu, desde que descrita a violação ao princípio constitucional administrativo, de forma intencional, aliado à utilização do cargo/função pública para a concessão do benefício.

Autores

  • Brave

    é juíza de Direito substituta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, especialista em Função Social do Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina, mestre em Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília, professora de Direito Constitucional e Administrativo da Escola de Magistratura do Distrito Federal.

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