Obituário

Morre Alcides Tomasetti Jr., professor da Universidade de São Paulo

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24 de janeiro de 2021, 16h07

Morreu na madrugada deste domingo (24/1), Alcides Tomasetti Jr., professor aposentado de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, instituição na qual se graduou entre 1970 e 1974 e obteve o doutorado entre 1975 e 1982. Ele ingressou como docente no Departamento de Direito Civil em 1975 e, na pós-graduação, em 1988. 

Reprodução/USP

Precocemente, ele conjugou uma intensa carreira na advocacia (inscrito na OAB-SP desde 1978, com o número 39.677), com a de professor, escritor e editor. No período de 1976 a 1982, foi coordenador, ao lado de Rubens Limongi França (seu orientador no doutorado), e redator de diversos verbetes da Enciclopédia Saraiva de Direito, um dos maiores empreendimentos editoriais jurídicos da história do país. Por muitos anos, Tomasetti Jr. foi também diretor editorial da Revista dos Tribunais, centenária editora jurídica do país.

Sua tese de doutorado, de 1982, foi sobre a "Execução do contrato preliminar", um dos mais originais trabalhos elaborados em língua portuguesa, mas, infelizmente, não publicado em editora comercial.

Tomasetti foi um dos grandes divulgadores do pensamento de Pontes de Miranda na Faculdade de Direito da USP, ao lado de Antonio Junqueira de Azevedo, seu amigo e colega de departamento. Quando a editora Revista dos Tribunais reeditou o Tratado de Direito Privado, Tomasetti foi um dos atualizadores da monumental obra. 

Outra área de seu interesse foi a Lei do Inquilinato. Logo após a promulgação da Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, ele publicou os comentários a seus artigos 1º a 13. No Direito do Consumidor, Alcides Tomasetti também deixou contribuição original, tendo sido um dos primeiros estudiosos do tema no país.

Por uma característica comum em sua geração, Tomasetti Jr. não deixou muitos trabalhos publicados. Ele era lembrado pelo brilho de suas aulas. Os alunos formavam apostilas com seus ensinamentos, muitos deles aproveitados depois sem indicação da fonte — o que irritava bastante o autor. 

Com intensa atuação na pós-graduação, Tomasetti Jr. orientou dezenas de alunos e era conhecido pela erudição e pelo rigor de suas arguições. Os candidatos tinham suas dissertações e teses examinadas em detalhes. 

Ele antecipou sua aposentadoria: em 2018, com 67 anos, depois de mais de 40 anos como docente universitário. Na ocasião, o Departamento de Direito Civil da USP, então presidido pela professora Silmara Chinellato, sua amiga de longa data, organizou a homenagem a Alcides Tomasetti.

Seu colega e amigo João Alberto Del Nero proferiu uma laudatio, publicada na Revista de Direito Civil Contemporâneo volume 17 (revista da qual ele era membro do Conselho Consultivo) que será republicada amanhã na ConJur

Alcides Tomasetti deixou viúva Bernadettte Mercadante, sua companheira de vida, dois filhos, Márcio e Luísa Tomasetti. Ele era sócio no escritório de advocacia Tomasetti Jr. e Xavier Leonardo, em parceria com seu aluno e discípulo, o professor Rodrigo Xavier Leonardo, da Universidade Federal do Paraná.

A Direção da Faculdade de Direito da USP emitiu nota de pesar e decretou luto pela morte de Tomasetti. 

"É com grande pesar que comunicamos o falecimento na madrugada de hoje, 24/1/2021, do professor doutor Alcides Tomasetti Jr., que lecionou por décadas no Departamento de Direito Civil, tendo dedicado anos de formação de gerações de alunos e contribuído para a evolução do Direito Privado. Estará sempre em nossa história e nossa memória", diz a nota.

Repercussão
A morte de Alcides Tomasetti Jr. foi registrada pela comunidade jurídica, que nele reconhece um dos grandes nomes do Direito Civil na atualidade.

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, afirmou que "O professor Alcides Tomasetti Jr., ao lado de Antônio Junqueira de Azevedo e outros grandes civilistas das Arcadas, do último quartel do século XX e início do século XXI, é um símbolo da grande contribuição histórica e teórica do Largo do São Francisco ao Direito nacional".

Ainda segundo o ministro, a erudição do professor, "seu conhecimento do direito estrangeiro e comparado e sua enorme capacidade de articulação entre esses elementos tornaram o professor Tomasetti um mestre que será lembrado por muitos anos". "Como ex-aluno das Arcadas, uno-me a todos quantos lamentam hoje o falecimento do grande mestre."

Para Silmara Chinellato, professora titular do Departamento de Direito Civil da USP, "Alcides foi um dos mais cultos e brilhantes civilistas de sua geração". 

"Tinha paixão confessa pelos livros o que se comprova pelos ricos diálogos, aulas, palestras, ensaios e tese de doutorado, contribuição ímpar ao tema da execução do contrato preliminar. Professor doutor concursado na Fadusp, era muito rigoroso sempre e muito exigente com alunos e consigo mesmo. Por isso escreveu pouco, mas nos legou muito, com a profundidade e primor de suas reflexões. Além do Direito Civil, foi um dos primeiros a estudar direito do consumidor, com artigos clássicos. Advogado e parecerista renomado atuou também na Editora Saraiva junto com o Professor Rubens Limongi França que logo vislumbrou a inteligência ímpar de seu pupilo e o incentivou na carreira acadêmica. Admirado e respeitados pelos colegas, culto, sincero e leal, deixa boas lembranças para todos nós e contribuições de grande valor científico."

Carlos Alberto Dabus Maluf, professor titular decano do Departamento de Direito Civil da USP disse que o Brasil perdeu um de seus maiores civilistas.

"Com a morte de Alcides Tomasetti Jr. foi-se uma referência. Convivi com ele por mais de 40 anos nas Arcadas de São Francisco. Assistente do saudoso professor Rubens Limongi França, tornou-se seu braço direito na Enciclopédia Saraiva de Direito. Obra monumental elaborada em 78 volumes e concluída em apenas cinco anos. Esse trabalho não teria sido possível em tão breve espaço de tempo, sem a importantíssima colaboração da Professora Daisy Gogliano , também pupila de Limongi França. Tomasetti sempre se destacou pelo brilho e inteligência de suas colocações. Muito estudioso enfrentava temas difíceis do direito civil", afirma. 

"Versado em muitos idiomas, conseguia ler no original em francês, italiano e alemão. Foi um dos atualizadores do Tratado de Direito Privado de Pontes de Miranda, a quem devotava grande admiração. Tinha predileção pela teoria geral do direito privado e pela teoria dos contratos. Sua tese de doutoramento sobre contrato preliminar é leitura obrigatória. Fui seu coautor nos comentários a lei de locação de imóveis urbanos (Lei 8245/91) publicados pela Editora Saraiva em 1992. Os comentários de Tomasetti foram os mais profundos. Participei com ele de várias bancas de mestrado e doutorado. Dominava o direito civil no mesmo nível de Vicente Rao e José Carlos Moreira Alves. Polêmico, sempre discutia os grandes temas com rigor científico. Deixa importante legado as novas gerações do direito civil",  conclui Maluf. 

Otavio Luiz Rodrigues Jr., professor associado de Direito Civil da Faculdade de Direito da USP e conselheiro nacional do Ministério Público, também lamentou a morte. 

"Conheci o professor Alcides Tomasetti durante o doutorado. Ele era muito próximo de meu orientador, o professor Junqueira, e suas aulas eram disputadíssimas pela erudição e pela atualidade de seus conhecimentos. Ele conseguia corrigir os alunos quando determinada citação era de uma edição anterior àquela na qual o autor já havia mudado de posição. Um conhecimento enciclopédico e não apenas de Direito! Além de tudo, era um homem refinado e de uma generosidade imensa. Com ele se vai mais um pouco do Direito Civil clássico, que marca a tradição da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco", disse. 

Nelson Nery Jr., professor titular da Faculdade de Direito da PUC-SP, disse que Tomasetti foi um dos mais brilhantes civilistas de todos os tempos.

"Um dos mais brilhantes civilistas professores da USP, de todos os tempos. Formação impecável, jurídica e de letras. Sua tese sobre execução do contrato preliminar, não foi ainda editada, permanecendo inédita para o mercado editorial. Participou do grandioso projeto RT/Thomson, de 2012, de atualização do Tratado de Direito Privado, de Pontes de Miranda. O Brasil perdeu um grande jurista; a USP perdeu um grande professor; eu perdi um grande amigo."

João Alberto S. Del Nero, professor do Departamento de Direito Civil da USP, disse que Tomasetti foi um estudioso rigoroso e um mestre dedicado. 

"Nós, seus alunos, seus colegas, seus amigos, perdemos um estudioso justamente admirado, um mestre reconhecidamente dedicado ao ensino, um jurista notável. Far-nos-á, a todos nós, muita falta. Que seus ensinamentos e seu exemplo sempre nos acompanhem. Neste momento de tristeza e aflição, peçamos a Deus que acolha quem se foi e console quem ficou. E ao nosso caríssimo Alcides Tomasetti, só nos resta dizer: Muito obrigado."

O desembargador Carlos Von Adamek disse que "a morte do querido amigo e professor Alcides Tomasetti Jr. deixa um vazio no mundo jurídico". "Suas preciosas lições certamente permanecerão vivas e iluminando seus amigos e discípulos! A alma é perene. Que descanse em paz. Cumpriu sua missão terrena que agora é perene." 

Rodrigo Xavier Leonardo, professor associado de Direito Civil da Universidade Federal do Paraná, orientando e sócio de Tomasetti, disse que com a morte do professor "desapareceu um gigante do Direito Civil". 

"Culto, inconformado com soluções fáceis, duro e extremamente rigoroso em suas arguições (ao menos até o instante em que sua saúde ficou comprometida), leitor voraz, possuía uma das mais refinadas bibliotecas jurídicas do país, um homem que brilhou e se colocou acima das mediocridades e das baixezas de um tempo tão propício a ambas as coisas. Perco meu orientador, meu professor e meu amigo. Mas não apenas: perco meu pai acadêmico, a pessoa que me permitiu crescer e me ensinou tudo o que sei. A dor é imensa, embora saiba que ele agora terá o descanso pelo qual há tanto tempo esperava. A todos nós que tivemos o privilégio de receber sua formação e orientação, resta o dever de conservar o pensamento e o exemplo de Alcides Tomasetti Jr."

Marcelo Vieira von Adamek, professor do Departamento de Direito Comercial da USP e ex-presidente da Associação dos Advogados de São Paulo, lamentou a morte. 

"Foi Mestre dentre os Mestres e, como tal, destacou-se não apenas por uma produção intelectual enxuta, mas verdadeiramente lapidar; projetou-se, sobretudo, como excepcional professor orientador que, ao longo de décadas, sendo ao mesmo tempo rigoroso e disponível aos orientandos, soube verdadeiramente transmitir conhecimentos, incutir juízo crítico e imprimir as suas melhores marcas em sucessivas gerações de alunos e juristas, que certamente continuarão a ecoar o seu pensamento crítico e a manter vivas as suas ideias. Fará uma imensa falta."

Erasmo Valladão França, professor associado de Direito Comercial da USP, chamou Tomasetti de "grande mestre e orientador" e contou episódios vividos com o professor.

"Era uma banca em que o candidato tratava de matéria relativa ao direito das obrigações, dissertação de primeira qualidade. No prólogo da tese, havia uma citação de Ortega y Gasset. Sentia-se a mão do professor Tomasetti. Eu inquiri o candidato e fiz algumas observações sobre a citação, para verificar até que ponto ele entendera o que estava citando.
Não tinha a necessária profundidade. O Mestre depois me falou que o candidato já havia comprado uma BMW. Veja-se a preocupação do orientador: o candidato estava deixando sua principal atividade (ao ver do mestre) de lado. Estava indo bem na carreira advocatícia. Posteriormente, outra banca, a de uma jovem estudante que, se não me engano, havia perdido (muito cedo) o pai e a mãe. O Mestre a tratava com o carinho de um pai, preocupando-se com a sua condição. Tomasetti havia perdido muito cedo o pai. Por isso tratava a candidata como uma filha, preocupado com a sua condição. Para um grande orientador, não importa só o Direito, mas a situação do orientando no mundo."

Rafael Peteffi da Silva, professor associado da Universidade Federal de Santa Catarina, disse que foi um provilégio ser aluno de Tomasetti. 

"Tive a sorte de ter sido seu aluno, no doutorado, quando eu ainda era um jovem estudante. O misto de erudição, cultura e inteligência deixou-me uma marca muito profunda, era impossível não sair impactado das suas aulas. Insisti, com minha orientadora, para que ele integrasse as minhas bancas, apesar do alerta dos meus colegas sobre o conhecido rigor de suas arguições. Nunca me arrependi desse ato de coragem, foi um privilégio contar com a refinada contribuição de um professor que marcou uma geração."

Alexandre Liquidato, advogado e doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP, lembrou de seu período acadêmico sob orientação de Alcides Tomasetti Jr.

"O professor Alcides Tomasetti Jr. era um homem cuja cultura e inteligência somente poderiam ser superadas pela sua imensa generosidade ao difundir seu saber e pela extrema dedicação aos alunos e à Universidade de São Paulo. De fato, ele era o último dos grandes enciclopedistas, pois tinha o conhecimento completo e absolutamente profundo de toda a Ciência do Direito. Conheci-o ainda criança, por força de relações familiares e quis o destino que ele fosse meu professor no primeiro ano da graduação no Largo de São Francisco. Com ele travei o primeiro contato com a Parte Geral do Direito Civil e com o pensamento de Pontes de Miranda. Tive insigne honra de ter sido seu orientando no mestrado e no doutoramento e, conduzido por suas mãos firmes e extremo rigor científico, edifiquei minha carreira acadêmica e advocatícia. Honra maior foi ter gozado, de maneira muito próxima, de sua formidável amizade. Incontáveis vezes, ele agiu comigo como um pai. O sentimento de perda é gigantesco. Tudo que sei e o fato de ser advogado e professor, devo a ele. Resta o seu exemplo luminoso de intelectual e de ser humano que deixa imensas saudades."

Em nota, a Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (Annep) também lamentou a morte. "A Annep lamenta a perda, unindo-se em solidariedade aos familiares, amigos, alunos e ex-alunos pela saudade que fica e pela dor do momento em que o professor deixou o círculo da temporalidade."

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